Como combustível e matéria-prima industrial, o hidrogênio verde vai contribuir de forma decisiva para descarbonizar a matriz energética mundial. É ele, por exemplo, que permitirá a descarbonização de indústrias de difícil abatimento, como as de aço e fertilizantes.
O Brasil é um dos lugares mais competitivos do mundo para produzir hidrogênio verde. A oportunidade total estimada é de até US$ 20 bilhões até 2040.
Ainda há, porém, um longo caminho de amadurecimento em relação ao arcabouço regulatório e à criação de infraestrutura eficiente, com a necessidade de um investimento da ordem de US$ 200 bilhões.
Antecipando algumas das discussões que líderes de todo o mundo terão na COP28, entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, conversamos sobre a revolução do hidrogênio verde e o que ela significa para o Brasil e para a América Latina com três grandes especialistas da McKinsey: Bernd Heid, sócio sênior em Nova York; João Guillaumon, sócio em São Paulo; e Xavier Costantini, sócio sênior em Montevidéu.
Confira a seguir os destaques da conversa e clique no player para assistir à sessão completa, que dura cerca de 20 minutos. E, para acompanhar as discussões da COP28, acesse a cobertura em tempo real da McKinsey do encontro em Dubai.
Bioetanol, biodiesel e biogás: o Brasil já possui um leque grande de biocombustíveis. Devemos investir também em hidrogênio verde? Por quê?
Bernd Heid: Sem dúvida alguma. Primeiro, o hidrogênio verde pode ajudar a descarbonizar setores importantes como a indústria e o transporte. Só para ilustrar, fizemos um cálculo aproximado e acreditamos que o uso industrial do hidrogênio verde giraria em torno de 7 a 9 milhões de toneladas até 2040, falando apenas da demanda local.
O segundo argumento que me entusiasma sobre o Brasil e o hidrogênio é o sistema global de energia. No futuro, esse sistema vai depender em grande parte de energias renováveis. O Brasil é um país rico em energia e pode usar seu potencial de exportação, tornando-se um grande player no mercado global com produtos baseados em hidrogênio.
E não podemos esquecer que o Brasil tem uma excelente infraestrutura portuária – o Porto do Açu é um dos maiores portos marítimos do mundo. Outros países que estão entrando nesse mercado ainda precisam construir muito do que já se tem por aqui. Portanto, seria uma oportunidade perdida se o Brasil não crescesse em hidrogênio limpo.
Qual o nível de maturidade do mercado de hidrogênio verde no Brasil e na América Latina atualmente?
João Guillaumon: Já vemos movimentos importantes no mercado. Hoje, temos algo em torno de 40 projetos anunciados no Brasil. Para citar alguns exemplos, temos um projeto-piloto em operação e um segundo em construção. E temos um projeto em escala comercial de amônia verde na Bahia também em construção. No lado dos off-takers, eles também estão preparando suas operações para usar tanto hidrogênio verde como amônia verde em parte de suas operações para descarbonizar. São oportunidades que devem escalar rapidamente.
É importante dizer que a maturidade está atrelada à necessidade de investimento nessa área. Estimamos que no Brasil, até 2040, vamos precisar de cerca de US$ 200 bilhões em investimentos para toda a cadeia de valor do hidrogênio, da geração à exportação.
Xavier Costantini: Na América Latina como um todo, diversos países publicaram sua estratégia e suas metas de hidrogênio verde – Chile, Colômbia, Panamá e Uruguai são alguns deles. E, agora, grandes projetos estão sendo anunciados. Há alguns meses, houve um projeto de US$ 4 bilhões anunciado para e-fuel no Uruguai. Esse é o maior investimento já feito no país. No sul do Chile, há vários grandes desenvolvedores. Um deles – apenas um – tem um portfólio de investimento de US$ 40 bilhões nos próximos dez anos. E estamos muito confiantes de que veremos ótimas notícias no Paraguai e na Colômbia em breve.
Quais as alavancas públicas e privadas que poderiam ajudar a acelerar o desenvolvimento desse mercado na região como um todo e no Brasil em particular?
João Guillaumon: O apoio público é importante, não necessariamente na forma de subsídios ou incentivos diretos, mas sobretudo para viabilizar um arcabouço regulatório do hidrogênio e seus derivados. Também é importante, olhando para o lado privado, ter o off-taker, ou seja, alguém que possa garantir a demanda para esse projeto em larga escala é algo que impulsiona o projeto em si.
Antes de mais nada, eu diria que precisamos ter um diálogo entre os setores público e privado, e um diálogo entre o setor brasileiro e o setor global de hidrogênio para avançarmos nas definições não apenas do hidrogênio verde, mas do hidrogênio de baixo carbono e na forma como ele vai ser comercializado.
Vocês acreditam que o Brasil e a América Latina estão no caminho certo para realizar todas essas oportunidades mencionadas?
Bernd Heid: Estamos nos primeiros passos de uma maratona. O Brasil tem muitos ingredientes para ser um player de sucesso no mercado de hidrogênio. Todos esses grandes projetos anunciados me entusiasmam muito. Certamente, acompanharei de perto essa evolução e quero voltar muitas vezes ao país.
Xavier Costantini: Temos tantas vantagens em termos de recursos naturais que acredito que de uma forma ou de outra um cenário positivo vai se realizar. Além disso, o empreendedorismo faz parte da nossa cultura regional. Construímos grandes negócios nos últimos 30, 50 anos – e não temos 200 anos de história nessa indústria. As novas gerações ainda estão nesse modo “El Dorado” de construir grandes negócios. Então, se você me pergunta minha opinião, acho que temos o talento, a cultura e os recursos naturais para fazer acontecer.
João Guillaumon: Temos o potencial e temos as oportunidades. É verdade que perdemos algumas dessas oportunidades no passado, mas estou confiante de que agora estamos mais atentos para fazer acontecer. Estou confiante de que teremos casos de sucesso no curto e médio prazo.