A Web 3.0 já movimenta US$ 3 trilhões no mundo. Atualmente, 300 milhões de pessoas já são donas de algum tipo de criptomoeda, e no Brasil esse número já passa de 10 milhões. Estamos entre os cinco países do mundo com mais criptoinvestidores. Mas não se engane: criptomoedas são só a ponta de um iceberg profundo e transformador chamado Web 3.0.
Afinal, o que é esta nova internet?
Web1, Web2 e Web3
Nas décadas de 1980 e 90, a internet era um experimento de universidades, uma excentricidade de um punhado de nerds. A Web 1.0 – como chamamos os protocolos abertos até os anos 2000 – era formada principalmente por websites. SMS, HTTPs, SMTPs e FTPs sustentavam um uso, ainda muito limitado, da navegação online. Agora se coloque, leitor, em uma sala de reunião de negócios em 1990. Provavelmente o diálogo que você escutaria seria: “Internet? Isso não vai escalar. A experiência é muito limitada, demora 15 minutos para conectar, 10 minutos para baixar um artigo (quando a discagem não cai no meio), muitos riscos de fraude… Para a minha linha de negócio, websites não fazem sentido.” Mal sabíamos que aquela tecnologia seria o início de uma nova era.
Dez anos depois, vimos a chegada da Web 2.0 – novos protocolos, mais fechados, porém com mais usabilidade. Pela primeira vez, além de ler e absorver conteúdo, o usuário é convidado a criar e produzir. Foi dada a largada para redes sociais, aplicativos de mensagens, conteúdos de streaming e plataformas inteiras voltadas ao consumidor digital. Na Web 2.0, realidade em que vivemos hoje, vemos uma clara distinção no nível de participação e engajamento de usuários no mundo digital. Mas, apesar dessa participação massiva, a Web 2.0 não é das massas, e sim de poucas corporações que detêm o controle da experiência e dos dados de quem por ali transita. De toda forma, se nos anos 90 empresários ainda questionavam a escalabilidade da internet, hoje incluir Web 2.0 no pensamento estratégico do seu negócio virou regra.
E como a Web 3.0 entra na história? Em 2009, Satoshi Nakamoto vislumbrou uma nova internet. Em seu manifesto, Satoshi descreveu uma rede descentralizada, gerida por nodes, ou nós, com a responsabilidade de autenticar e manter, em conjunto, um grande livro contábil de dados e transações. Nascia a tecnologia do blockchain e seu mais famoso caso de uso, o Bitcoin. Este foi o pontapé, mas de 2009 para cá, muita coisa evoluiu e a visão da nova geração da internet se fortaleceu em cima de algumas premissas revolucionárias.
Se a Web 2.0 é o mundo das corporações, a Web 3.0 é o mundo das comunidades. Protocolos abertos e interoperáveis, onde qualquer um poderá desenvolver iniciativas e, o mais importante, receber por isso – se a Web 2.0 é o mundo de ler, escrever e criar, a Web 3.0 é o mundo de ler, escrever, criar, desenvolver e ter/deter; ser dono do que produz com incentivos financeiros para participar e evoluir a tecnologia.
E o que é Web 3.0, afinal? São todas as aplicações que rodam em cima de um conjunto de três pedras fundamentais, chamadas de primitivas: blockchain, smart contracts e digital assets. Exemplos de aplicações que rodam em cima dessas premissas são o metaverso, NFTs, DAOs e DeFi.
Vale discorrer um pouco sobre o básico dessas três primitivas para então compreender o imenso valor da Web 3.0. Vamos lá.
Blockchain
Comecemos pelo blockchain, a pedra fundamental.
Blockchain (literalmente, uma corrente ou cadeia de blocos) é uma rede digital distribuída e descentralizada, interligada por uma série de nodes, ou nós. Cada nó tem a responsabilidade de verificar, autorizar e repetir todas as transações que acontecem dentro dessa rede. Cada vez que uma transação é feita, é acrescentado mais um bloco à corrente, de forma que não importa de onde você olhe, todos os nós mostrarão o mesmo conjunto de informação.
E o que são esses nós, afinal? São servidores computacionais que rodam o software do blockchain e têm a responsabilidade de manter uma cópia dos dados, de executar as transações e validá-las. Qualquer contato de um usuário com o blockchain é feito através de um nó, que pode ser gerido por corretoras, provedores de carteiras de cripto, entre outras instituições.
Para entender como funciona uma transação no blockchain, vamos primeiro pensar como funciona no nosso mundo tradicional. Quando quero transferir dinheiro para alguém, eu aviso o banco sobre minha intenção, e é responsabilidade do banco, enquanto intermediário dessa transação, verificar se eu realmente tenho os fundos que afirmo ter e se os dados do destinatário estão corretos. Além de verificar, o banco efetua de fato a transação e envia o dinheiro de uma pessoa a outra.
No blockchain, essa responsabilidade é da rede. De maneira simplificada: eu aviso a rede que quero fazer uma transferência e um dos nós verifica a transação da mesma forma que o banco: checando meus dados, os fundos, os dados do destinatário. Uma vez verificado, esse nó relata para o resto da rede, e cada nó verifica a veracidade da transação. Quando for atingido um consenso, é efetuada a transação, que é a replicada em todos os nós.
Este processo todo é chamado de algoritmo de consenso e existem diferentes maneiras de chegar a um consenso. No protocolo do Bitcoin, o algoritmo usado é o Proof of Work (PoW), que requer alto poder computacional e uso de energia. O Ethereum, por outro lado, usa o Proof of Stake (PoS), que requer alto capital.
Independentemente do protocolo de escolha, as premissas do blockchain – de distribuir, descentralizar e interoperar – trazem uma mudança fundamental para o futuro da internet.
Smart contracts
E chegamos à segunda pedra fundamental da Web 3.0, os smart contracts: contratos automáticos em blockchain. Em vez de pedir a um jurista para redigir um contrato e depois chamar um advogado para interpretar as cláusulas e entrar em processo para efetivá-lo, tudo é feito de modo automático a partir de um algoritmo. Assim que as cláusulas são atingidas, o contrato é efetuado de forma espontânea, o que torna o processo mais barato, rápido e seguro. Transferências de ações e garantias alienadas a bens, por exemplo, podem ganhar um combustível importante de aceleração com uma tecnologia como essa.
Digital assets
A terceira primitiva, os ativos digitais, podem ser divididos em cinco tipos principais:
1. Tokens nativos: são as criptomoedas, como Bitcoin, Ethereum, Solana, criadas principalmente para girar dinheiro dentro do blockchain. Podem ser usadas para pagar pela validação de uma transação, por exemplo.
2. Ativos tokenizados do mundo real: usados para darem liquidez e fracionarem ativos existentes. Bancos tem explorado diversas formas de tokenização: equity, dívidas, commodities, fundos.
3. Stablecoins e Central Bank Digital Currencies (CBDCs): tokens lastreados em uma moeda real, geralmente com paridade um para um, explorados por Bancos Centrais e outras empresas.
4. Tokens de governança: tokens que carregam algum direito a voto, usados para gerirem DAOs (organizações autônomas descentralizadas, na sigla em inglês) por exemplo
5. Tokens não fungíveis (NFTs): ativos digitais únicos, ou não fungíveis, ou seja, não replicáveis. Podem existir não apenas no espaço digital, mas também representar qualquer ativo físico, atuando como um “gêmeo digital oficial” para coisas existentes no mundo real – o que possibilita a propriedade e a troca de bens físicos dentro dos mercados digitais. A escritura de uma casa, por exemplo, pode ser transformada em um NFT e sua propriedade fragmentada – uma fração dela vendida na rede e não necessariamente a casa toda. NFTs ficaram conhecidos, também, no mundo das artes, por conferirem unicidade às obras de arte digitais, mas têm sido usados também para outras funções. Funcionam como um ingresso que permite acesso a um clube ou comunidade. Têm sido usados no universo dos games e DAOs.
Mas qual é o impacto disso tudo?
Os modelos de negócios da Web 3.0 encontraram utilidade primeiramente no setor bancário. Bancos tem explorado trading e custódia de ativos digitais, sistemas de transferências e pagamentos em blockchain, além de serviços financeiros com smart contracts – como o empréstimo com garantia do exemplo acima. Empresas de pagamentos encontraram novas avenidas de crescimento ao prover serviços para companhias de ativos digitais, oferecendo a possibilidade de pagamentos no metaverso e o processamentos de stablecoins e criptos. Do lado de mercado de capitais, vemos corretoras oferecendo investimentos em multi moedas para seus clientes e provendo serviços de tokenização de ativos reais.
A partir do mundo dos bancos, os modelos de negócio da Web 3.0 estão se expandindo com rapidez para outros setores. Transações dentro de jogos, armazenamento de dados distribuído como alternativa à nuvem pública, tokenização como fonte de liquidez aos mercados de carbono e mercado imobiliário são exemplos de outros casos de uso reais.
Independentemente da indústria em que você atua, é certo que essas tecnologias permearão as jornadas do consumidor de modo semelhante ao que a internet fez nos últimos 20 anos. Podemos esperar grandes mudanças em cadeias de valor e de forma muito rápida – com a interoperabilidade e a natureza modular do código aberto, desenvolver qualquer coisa na Web 3.0 é muito mais rápido do que nas gerações de internet anteriores.
O que você pode fazer agora:
a. Construa familiaridade com o tema e as novas tecnologias; identifique novos talentos e desenvolva capacidades para explorar o mundo da Web 3.0
b. Reavalie a sua cadeia de valor para entender onde a disrupção pode acontecer e como se preparar para isso
c. Explore novas oportunidades de receita e potenciais investimentos estratégicos em verticais da Web 3.0 (mas atente-se também aos riscos relacionados)
d. Preste atenção ao surgimento de novos concorrentes e modelos de negócios que desafiarão o status quo
Assim como, lá nos anos 1980 e 90, era difícil imaginar a internet que temos hoje, ainda não sabemos bem onde a Web 3.0 vai dar. Mas já podemos afirmar, sim, que a Web 3.0 é um tsunami que vai chacoalhar múltiplas indústrias. Resta saber a velocidade com que você vai pegar sua prancha.