Empresas com funções de procurement avançadas sabem que há um limite no valor que elas podem gerar ao focar somente no preço dos produtos e serviços que adquirem. Essas organizações entendem que, quando compradores e fornecedores estão dispostos a colaborar, com frequência, eles conseguem encontrar formas de liberar fontes de valor significativas que beneficiam a ambos.
Compradores e fornecedores podem trabalhar juntos para, por exemplo, desenvolver produtos inovadores a fim de impulsionar as receitas e o lucro para ambas as partes. Eles podem adotar uma abordagem integrada para a otimização da cadeia de suprimentos, seja redesenhando seus processos para reduzir o desperdício e o esforço redundante, seja realizando compras conjuntas de matérias-primas. Eles também podem colaborar na previsão, planejamento e gestão da capacidade e, dessa forma, alcançar uma melhora nos níveis de serviços, mitigando riscos e fortalecendo a cadeia de suprimentos.
Estudos anteriores mostram que a colaboração com fornecedores, de fato, faz a diferença nas empresas que sabem como fazê-la. Uma pesquisa da McKinsey com mais de 100 grandes organizações em diversos setores revelou que as empresas que colaboram regularmente com seus fornecedores demonstram maior crescimento, menor custo operacional e maior rentabilidade que seus pares na indústria (Quadro 1).
Apesar do valor em jogo, os benefícios da colaboração com fornecedores se mostram difíceis de obter. Embora muitas empresas saibam indicar exemplos pontuais de colaborações bem-sucedidas com fornecedores, os executivos nos contam que, muitas vezes, eles têm dificuldade para integrar essa abordagem a suas estratégias gerais de procurement e de cadeia de suprimentos.
Barreiras à colaboração
Diversos fatores tornam a colaboração com fornecedores um desafio. Projetos dessa natureza requerem tempo e esforços significativos da gerência antes de começarem a criar valor, fazendo com que as empresas priorizem iniciativas mais simples e rápidas, ainda que menos vantajosas. A colaboração exige uma mudança de mentalidade dos compradores e fornecedores que podem estar acostumados a ter um relacionamento mais transacional ou, inclusive, antagônico. A maioria dos esforços de colaboração, contudo, exigem um envolvimento intenso e multifuncional de ambas as partes com uma marcante mudança nos métodos normais de trabalho de muitas empresas. A mudança da mentalidade baseada em “custos” para outra baseada em “valor” requer uma mudança de paradigma que pode ser muito difícil de alcançar.
O real valor gerado pela colaboração também pode ser difícil de quantificar, principalmente se as empresas estiverem seguindo estratégias mais convencionais de melhoria do procurement e da cadeia de suprimentos com os mesmos fornecedores; ou, ainda, se estiverem atualizando simultaneamente o desenho de produtos ou os processos de produção. E mesmo quando as empresas estão dispostas a buscar um maior nível de colaboração com seus fornecedores, os líderes frequentemente admitem que não têm as habilidades ou estruturas necessárias para elaborar programas de colaboração ótimos nem pessoal suficiente e capacitado para executá-los. Afinal, uma ótima colaboração com fornecedores requer muito mais do que a mera aplicação de um processo ou framework – na verdade, ela requer a adesão e o comprometimento de longo prazo por parte dos líderes e tomadores de decisão.
Uma perspectiva compartilhada
Para entender mais sobre os fatores que impedem ou propiciam os programas de colaboração com fornecedores, fizemos uma parceria com a Universidade do Estado de Michigan (MSU, na sigla em inglês) para desenvolver um novo olhar sobre o uso que as empresas fazem da colaboração com fornecedores. O Índice de Colaboração com Fornecedores (SCI, na sigla em inglês) é resultado de uma pesquisa e diversas entrevistas baseadas em uma ferramenta de benchmarking que avalia os programas de colaboração com fornecedores ao longo de cinco dimensões-chave (Quadro 2).
Em 2019, os pesquisadores da McKinsey e da MSU estabeleceram o índice em um projeto piloto que envolveu doze empresas líderes de bens de consumo na América do Norte, juntamente com dez a quinze fornecedores estratégicos de cada empresa. Coletamos mais de 300 respostas por escrito de mais de 130 organizações e conduzimos entrevistas aprofundadas com cerca de 60 compradores e executivos dos fornecedores. O trabalho oferece importantes insights sobre o estado atual da colaboração com fornecedores, revelando os elementos de colaboração que empresas e fornecedores consideram úteis, assim como as áreas que apresentam os maiores desafios.
Os resultados do nosso benchmark da indústria de bens de consumo estão resumidos no Quadro 3, que traz a percepção média de compradores e fornecedores sobre os próprios programas de colaboração, classificados de um (baixa) a dez (alta) em cada uma das cinco dimensões.
Em termos gerais, a pesquisa revela um alinhamento significativo entre compradores e fornecedores na intensidade relativa da maioria das dimensões. Ela também mostra uma clara queda na percepção de intensidade à medida que a discussão passa da teoria (alinhamento estratégico) para a execução (criação e compartilhamento de valor, governança organizacional).
Como parte do processo de coleta de dados da SCI, as entrevistas aprofundadas com compradores seniores e funcionários dos fornecedores permitiram obter insights adicionais acerca dos desafios enfrentados pelas empresas em relação a cada uma das cinco dimensões, assim como alguns exemplos de melhores práticas que empresas de baixo desempenho podem adotar.
Alcançando alinhamento estratégico
Embora não utilizassem abordagens formais de segmentação para categorizar sua base de fornecedores, os participantes do benchmark obtiveram um entendimento sobre quais eram seus fornecedores estratégicos. Da mesma forma, os fornecedores entenderam sua importância estratégica para seus clientes. Compradores e fornecedores acordaram sobre a existência de um bom alinhamento na busca de fontes de valor além do custo, mas sobretudo acordaram que seus esforços para capturar essas fontes de valor nem sempre eram bem-sucedidos.
O primeiro passo para uma organização é definir o que pretende alcançar como resultado de seus esforços de colaboração e o que precisa para realizar esse objetivo. Alinhamento interno e compromisso da alta gerência são fundamentais para assegurar que os recursos adequados estejam disponíveis. Um exemplo é a Unilever que, em sua busca por desenvolver detergentes mais sustentáveis, fez uma parceria com a Novozyme – um grande fornecedor de enzimas – para, juntos, desenvolverem novas soluções baseadas em enzimas. A colaboração alavancou os pontos fortes de cada parte, unindo o conhecimento da Unilever sobre quais tipos de manchas e materiais eram mais relevantes e as capacidades de otimização de reagentes da Novozyme. A parceria resultou em duas enzimas inovadoras que melhoraram o desempenho do produto, aumentaram a penetração no mercado e permitiram que a empresa competisse com marcas premium. Além disso, a nova fórmula apresentou bom desempenho em baixas temperaturas, ajudando os consumidores a economizar energia e reduzir as emissões de CO2.
Outras organizações que participaram da pesquisa SCI introduziram métodos formais para promover um maior alinhamento estratégico como a introdução de uma abordagem conjunta de planejamento de negócio. Nessa modalidade, o comprador e o fornecedor se alinham em torno dos objetivos de curto e longo prazo, definem metas mútuas e desenvolvem planos para alcançar esses objetivos. As áreas de oportunidade de colaboração incluem crescimento, inovação, produtividade, qualidade e margens (ver barra lateral: “Planejamento de negócios conjunto”).
Comunicação e confiança
Compradores e vendedores relatam altos níveis de confiança nesse tipo relacionamento que eles consideram estratégico. Na maior parte dos casos, a confiança foi construída ao longo do tempo, baseada em relacionamentos de negócios de longa data. As empresas envolvidas nesse tipo de colaboração tendem a valorizar as capacidades de cada um, entendem os negócios de ambos e acreditam que seus parceiros cumprirão os compromissos assumidos.
As empresas, contudo, mostram-se menos convencidas de que seus parceiros estariam dispostos a colocar os interesses da colaboração acima dos interesses de sua própria organização. Vários entrevistados ressaltaram que uma maior transparência em áreas sensíveis como custos era crucial para atingir um nível de colaboração mais alto, mas afirmaram que normalmente esse objetivo era difícil de alcançar.
Criar confiança exige tempo e esforço. Muitas vezes isso significa começar aos poucos, com esforços de colaboração simples que trazem resultados rapidamente para criar certo impulso. Desse modo, as empresas podem demonstrar que sua abordagem de colaboração é séria e que estão dispostas a compartilhar os ganhos de forma justa. Acima de tudo, as empresas devem basear seus relacionamentos em transparência e compartilhamento de informações como pilares fundamentais, com a expectativa de criar uma confiança ainda maior.
A empresa de cosméticos L'Oréal segue essa abordagem visando estimular inovações a partir da colaboração. Por meio de diálogos abertos em relação às metas e ao compromisso de longo prazo da empresa, a L’Oréal foi capaz de estabelecer um processo eficaz de codesenvolvimento. A exposição anual da empresa, conhecida como “Cherry Pack”, oferece aos fornecedores uma previsão das tendências de consumo com as quais a empresa trabalhará e solicita que eles desenvolvam soluções de embalagem em harmonia com tais tendências. Durante a exposição, a L’Oréal promove um fórum baseado na confiança para que os fornecedores apresentem ideias e produtos em desenvolvimento, inclusive ideias que ainda precisam ser patenteadas. Dessa forma, o fórum oferece aos fornecedores acesso a ideias e projetos práticos de curto e longo prazo que, em última instância, aceleram as inovações no campo das embalagens.
Envolvimento multifuncional
Para criar valor a partir de mudanças nos métodos de manufatura, regimes de garantia de qualidade ou processos da cadeia de suprimentos, os representantes das respectivas funções de ambos os lados da parceria deverão trabalhar juntos. Contudo, esse tipo de envolvimento multifuncional é algo que a maior parte dos participantes do benchmark considera extremamente difícil. Os executivos declararam que, embora os relacionamentos tradicionais – como aqueles entre os compradores e a equipe de vendas do fornecedor ou entre fornecedores e a função de P&D do comprador – sejam sólidos, o envolvimento multifuncional mais amplo era disperso e, no melhor dos casos, mau gerenciado.
Melhorar o envolvimento multifuncional é uma questão de liderança. As organizações que contam com os programas de colaboração mais prósperos utilizam uma abordagem formal para gerenciar as equipes multifuncionais, com papéis e responsabilidades claramente definidos em ambos os lados da parceria, respaldada por adaptações nos sistemas de incentivo internos a fim de promover a plena participação em projetos de colaboração.
Algumas empresas, como a P&G, deram uma passo além na criação de equipes multifuncionais focadas exclusivamente na inovação conjunta com os fornecedores. A partir da criação de uma prática de “inovação aberta”, a P&G buscou coordenar seus esforços e alavancar as habilidades e interesses das pessoas em toda a empresa para avaliar o cenário competitivo, identificar os tipos de inovação que podem ajudar a desenvolver ideias disruptivas e identificar parceiros externos adequados. Para que a inovação funcione, a P&G destacou a necessidade de integrar as equipes multifuncionais que, por sua vez, integram a estratégia do negócio com as operações – e isso exige uma ampla rede de interações.
Criação e compartilhamento de valor
A busca pelo valor compartilhado é o motivo pelo qual compradores e fornecedores participam de projetos de colaboração, portanto, não surpreende que executivos de procurement o considerem a dimensão mais importante de seus esforços de colaboração. Alguns participantes do nosso estudo, porém, monitoram o impacto da colaboração em fontes de valor que vão além da redução de custos. Nos casos de empresas que monitoram o impacto de projetos de colaboração em termos de receitas, margens ou outras métricas, elas o fizeram apenas em alguns projetos de alto perfil.
Para os compradores, o volume adicional continua sendo a forma mais comum em que o valor extra criado pelos projetos de colaboração é compartilhado. Algumas parcerias fizeram uso de outros tipos de compartilhamento de valor como incentivos aos fornecedores baseados em desempenho. Nos casos em que tais abordagens foram empregadas, tanto os compradores como os fornecedores ficaram satisfeitos com os resultados. Isso indica que há uma oportunidade significativa para as empresas expandirem o uso que fazem dessas abordagens, desde que possam chegar a um acordo sobre as bases de custo e as estruturas de incentivo.
A transparência de custos é um capacitador crítico. Algumas empresas descobriram que a modelagem de custo cleansheet é uma forma muito eficaz de conduzir discussões baseadas em fatos sobre custos e oportunidades de melhoria com seus parceiros de colaboração (ver barra lateral “Modelagem de custos cleansheet”).
O fabricante de equipamentos de litografia para a indústria de semicondutores, ASML, adota um mecanismo de compartilhamento de valor com seus fornecedores. A empresa permite que os fornecedores mantenham margens saudáveis (como uma espécie de buffer contra a volatilidade), fornece financiamento para a infraestrutura necessária para a fabricação de seus produtos e oferece garantia de compra progressiva. Dessa forma, a ASML incentiva e recompensa seus fornecedores estratégicos a priorizar os negócios da empresa, obtém acesso à tecnologia de ponta, reduz custos e melhora a estabilidade em uma indústria que tem ciclos de vida curtos e afetados por oscilações significativas na demanda.
Durante sua longa história de colaboração com fornecedores, a P&G tem utilizado uma série de modelos comerciais para estabelecer parcerias ao longo de toda a cadeia de P&D. Seus modelos de compartilhamento de valor variam de compartilhamento dos pools de lucro para o codesenvolvimento de produtos até acordos de comercialização. A flexibilidade ao empregar diferentes mecanismos permitiu à P&G beneficiar-se da inovação dos fornecedores sem a necessidade de fazer grandes investimentos no desenvolvimento de parcerias aprofundadas com todos os potenciais colaboradores.
Organização e governança
Assim como o envolvimento multifuncional, a organização e a governança dos programas de colaboração com fornecedores sofre de uma falta de estrutura e de processos formais. Os entrevistados admitiram que suas empresas – compradoras ou fornecedoras – eram relativamente descuidadas na hora de monitorar e avaliar seus esforços de colaboração com fornecedores. Poucas organizações haviam buscado alinhar os incentivos dos participantes dos projetos com os de suas próprias organizações, e a maioria delas contava apenas com mecanismos informais para compartilhar feedback ou avaliar o progresso com os parceiros.
A introdução de uma estrutura de governança no programa de colaboração com fornecedores como um todo, bem como para projetos individuais, tem o potencial de melhorar significativamente os resultados na maior parte das organizações. O uso de scorecards bilaterais, por exemplo, permite aos compradores e fornecedores mostrarem se estão apoiando efetivamente os objetivos do programa. Os projetos de governança da colaboração devem ser multifuncionais, com a introdução de incentivos adequados em toda a organização a fim de estimular a plena participação e assegurar que ambas as partes busquem oportunidades “ganha-ganha”, não apenas economias de curto prazo.
Diversas organizações líderes criaram conselhos consultivos de fornecedores para oferecer suporte e orientação de alto nível a seus programas de colaboração e gestão de fornecedores. Esses conselhos atuam como um fórum para a base de fornecedores, oferecendo assessoria em relação a questões-chave e colaborando com a organização para ampliar a agenda de negócios. As empresas utilizam seus conselhos consultivos de fornecedores para ajudá-las a gerenciar riscos e ameaças de disrupção no ecossistema de fornecedores. Além disso, os conselhos servem como espaços neutros para o intercâmbio de ideias entre a empresa anfitriã e o grupo de fornecedores estratégicos (ver barra lateral “Conselhos consultivos de fornecedores”).
A Toyota é um exemplo proeminente de colaboração com fornecedores, cujo sucesso pode ser explicado em parte pelo uso de metas e métricas de desempenho claramente definidas, que são incluídas nos contratos que atribuem aos fornecedores a responsabilidade por realizar melhorias contínuas na qualidade, no custo e no desempenho de entrega. A empresa gerencia o relacionamento com os fornecedores usando um comitê de liderança, constituído por stakeholders relevantes de ambas as organizações, para definir o escopo e os objetivos da colaboração, avaliar o progresso e tomar ações para eliminar impedimentos e resolver questões emergentes.
O Índice de Colaboração com Fornecedores já revelou diversas oportunidades significativas para as empresas que buscam expandir e aprimorar seus esforços de colaboração com fornecedores. Algumas dessas oportunidades são bastante evidentes, tais como a gestão proativa de equipes multifuncionais envolvidas em projetos de colaboração ou a introdução de sistemas de governança formal para administrar tais projetos. Outras oportunidades, tais como uma maior transparência entre compradores e fornecedores ou o uso de mecanismos de incentivos baseados no desempenho dos fornecedores, podem requerer mais tempo e esforço para serem alcançadas.
A excelência na colaboração com fornecedores exige um relacionamento mais ativo e engajado. É preciso haver uma mudança de mentalidade que estimule tanto os compradores como os fornecedores a comprometer-se com a busca de valor no longo prazo para sustentar seu relacionamento colaborativo. Finalizamos este artigo com oito passos que qualquer organização pode dar para colocar seus esforços de colaboração no caminho certo.
- Comece identificando os fornecedores que oferecem oportunidades conjuntas únicas para criar e reter valor significativo.
- Alinhe-se de forma estratégica com esses parceiros para definir objetivos comuns e desenvolver um caso de negócio atraente para ambas as partes.
- Adote uma abordagem metódica e estruturada para definir o escopo, ritmo e metas dos projetos conjuntos, incluindo uma metodologia clara para mensurar a criação de valor.
- Defina mecanismos simples e claros de compartilhamento do valor criado e, em função disso, alinhe os incentivos da equipe multifuncional.
- Invista na alocação dos recursos adequados e no desenvolvimento da infraestrutura necessária para apoiar o programa.
- Crie um modelo de governança focado no desempenho, no monitoramento da implementação e na incorporação da colaboração com os fornecedores aos principais processos operacionais.
- Fomente uma cultura baseada na comunicação proativa, transparência, consistência e compartilhamento do conhecimento para fortalecer as parcerias de longo prazo.
- Invista no desenvolvimento de capacidades organizacionais de nível internacional para assegurar a sustentabilidade ao longo do tempo.
Para todas as organizações que procuram melhorar o desempenho de suas práticas de procurement, a colaboração com fornecedores não pode mais ser considerada como um item “opcional”. À medida que as empresas atingem os limites das práticas de compra convencionais, o avanço adicional exigirá uma nova abordagem baseada nos relacionamentos, no envolvimento multifuncional e na busca compartilhada da criação de valor.