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Notas sobre as fronteiras do conhecimento de inteligência artificial: aplicações e valor do deep learning

| Discussion Paper

A inteligência artificial se destaca como uma tecnologia transformacional da nossa era digital – e sua aplicação prática em toda a economia cresce em ritmo acelerado. Para o estudo “Notes from the AI frontier: Insights from hundreds of use cases” (PDF–446KB), mapeamos técnicas de analytics tradicionais e técnicas mais baseadas em deep learning e os problemas que elas podem solucionar a mais de 400 casos de uso específicos em empresas e organizações. Com base na pesquisa do McKinsey Global Institute e na experiência do McKinsey Analytics com IA, avaliamos as aplicações práticas e o potencial econômico de técnicas avançadas de IA em diferentes indústrias e funções de negócios. Nossas constatações ressaltam o expressivo potencial da aplicação de técnicas de deep learning a casos de uso em todo o espectro econômico, mas observamos também limitações e obstáculos persistentes, juntamente com oportunidades futuras à medida que as tecnologias continuam a avançar. No fim das contas, o valor da inteligência artificial não reside nos modelos em si, mas sim na capacidade das empresas de aproveitá-los.

É importante notar que, apesar de ver o potencial econômico da utilização de técnicas de IA, o uso de dados precisa sempre levar em conta questões como segurança de dados, privacidade e possíveis problemas gerados por vieses.

  1. Mapeamento de técnicas de IA a tipos de problemas
  2. Insights de casos de uso
  3. Dimensionamento do valor potencial de IA
  4. O caminho para gerar impacto e valor

Mapeamento de técnicas de IA a tipos de problemas

À medida que avançam as tecnologias de inteligência artificial, evolui também a definição de quais técnicas constituem a inteligência artificial. Para fins deste artigo, usamos a sigla IA para designar técnicas de deep learning que utilizam redes neurais artificiais. Examinamos também outras técnicas de machine learning e técnicas tradicionais de analytics (Quadro 1).

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Notas sobre as fronteiras do conhecimento de inteligência artificial: aplicações e valor do deep learning - Quadro 1

Redes neurais são um subconjunto de técnicas de machine learning. São, essencialmente, sistemas de IA baseados na simulação de “unidades neurais” conectadas, reproduzindo de maneira aproximada como os neurônios interagem no cérebro. Modelos computacionais inspirados por conexões neurais começaram a ser estudados na década de 1940 e, com o aumento do poder de processamento dos computadores e o uso de grandes conjuntos de dados de treinamento, voltaram aos holofotes e ganharam papel de destaque na análise bem-sucedida de dados como imagens, vídeo e fala. Os profissionais de IA se referem a essas técnicas como “deep learning” (aprendizado profundo), já que as redes neurais têm muitas camadas (profundas) de neurônios interconectados simulados.

Analisamos as aplicações e o valor de três técnicas de redes neurais:

  • Redes neurais feed forward: o tipo mais simples de rede neural artificial. Nessa arquitetura, a informação se move em uma única direção – para a frente – desde a camada de entrada, passando pelas camadas “ocultas”, até a camada de saída. Não há loops nessa rede. A primeira rede de um único neurônio foi proposta ainda em 1958 por um dos pioneiros em inteligência artificial, Frank Rosenblatt. Embora a ideia não seja nova, avanços em poder de computação, algoritmos de treinamento e dados disponíveis resultaram em níveis de performance mais elevados do que era possível anteriormente.
  • Redes neurais recorrentes (RNNs): redes neurais artificiais cujas conexões entre neurônios incluem loops, apropriadas para o processamento de sequências de entradas. Em novembro de 2016, pesquisadores da Universidade de Oxford relataram que um sistema baseado em redes neurais recorrentes (e redes neurais convolucionais) havia atingido uma precisão de 95% em leitura labial, superando leitores labiais humanos experientes, que registraram uma precisão de 52%.
  • Redes neurais convolucionais (CNNs): redes neurais artificiais cujas conexões entre camadas neurais se inspiram na organização do córtex visual animal, a parte do cérebro que processa imagens, e que são apropriadas para tarefas perceptuais.

Em nossos casos de uso, consideramos também outras duas técnicas – redes geradoras adversárias (GANs) e aprendizado por reforço -, mas não as incluímos em nossa avaliação do valor potencial de IA, por se tratarem de técnicas incipientes, ainda não largamente aplicadas.

As redes geradoras adversárias (GANs) usam duas redes neurais que competem entre si em uma estrutura de jogo de soma zero (daí a designação de “adversárias”). As GANs podem aprender a imitar diversas distribuições de dados (por exemplo, texto, fala e imagens) e, assim, são valiosas para gerar conjuntos de dados de teste quando esses não estiverem prontamente disponíveis.

Aprendizado por reforço é uma subdivisão de machine learning na qual os sistemas são treinados mediante o recebimento de “recompensas” ou “punições” virtuais, aprendendo basicamente por tentativa e erro. O Google DeepMind usou o aprendizado por reforço para desenvolver sistemas capazes de vencer campeões humanos em jogos como vídeo games e jogos de tabuleiro, como o Go, por exemplo.

No âmbito empresarial, essas técnicas de analytics podem ser aplicadas para solucionar problemas da vida real. Os tipos mais predominantes de problemas são classificação, estimativa contínua e agrupamento. A coluna abaixo traz uma lista de tipos de problemas e as correspondentes definições.

Insights de casos de uso

Comparamos e analisamos mais de 400 casos de uso em 19 indústrias e nove funções de negócios. Isso nos proporcionou insights sobre quais áreas de setores específicos as redes neurais profundas têm maior possibilidade de gerar valor, sobre qual o aumento incremental que essas redes neurais podem gerar em comparação com técnicas tradicionais de analytics (Quadro 2), e sobre os requisitos de dados – em termos de volume, variedade e velocidade – que devem ser satisfeitos para que esse potencial seja concretizado. Nossa biblioteca de casos de uso, embora extensa, não é exaustiva e pode superestimar ou subestimar o potencial de alguns setores. Continuaremos a aprimorá-la e ampliá-la.

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Advanced deep learning artificial intelligence techniques can be applied across industries, alongside more traditional analytics.

Estes são exemplos de como a inteligência artificial pode ser utilizada para melhorar a performance de casos de uso existentes:

  • Manutenção preditiva: o poder de machine learning de detectar anomalias. A capacidade de deep learning de analisar quantidades muito grandes de dados de alta dimensão pode levar os atuais sistemas de manutenção preventiva a um novo patamar. Com a introdução de dados adicionais, como dados de áudio e imagens, provenientes de outros sensores – inclusive alguns relativamente baratos, como os de microfones e câmeras -, as redes neurais podem melhorar e possivelmente substituir métodos mais tradicionais. A capacidade da inteligência artificial de prever falhas e permitir intervenções planejadas pode ser usada para reduzir o tempo de inatividade e os custos operacionais, melhorando ao mesmo tempo o rendimento da produção. Para exemplificar, IA pode prolongar a vida de um avião de carga, ao combinar dados do modelo do avião, histórico de manutenção, dados de sensores de IoT, como detecção de anomalias nos dados de vibração de turbinas, e imagens e vídeo do estado da turbina.
  • A otimização da logística acarretada por IA pode reduzir custos por meio de previsões em tempo real e coaching comportamental. A aplicação à logística de técnicas de IA, como estimativa contínua, pode acrescentar valor substancial a todos os setores. A inteligência artificial pode otimizar os roteiros de entrega, aumentando assim a eficiência de combustível e diminuindo os prazos de entrega. Uma empresa europeia de transporte terrestre reduziu os custos de combustível em 15%, por exemplo, usando sensores que monitoram o desempenho do veículo e o comportamento do condutor; estes recebem coaching em tempo real, sendo informados até de quando devem acelerar ou desacelerar, otimizando o consumo de combustível e baixando custos de manutenção.
  • A inteligência artificial pode ser uma ferramenta valiosa para a gestão do atendimento ao cliente e desafios de personalização. A melhoria no reconhecimento de fala em gestão de call centers e no encaminhamento de chamadas resultante da aplicação de técnicas de IA possibilita uma experiência mais integrada para os clientes – e um processamento mais eficiente. As capacidades vão além de simples palavras. A análise de áudio de deep learning, por exemplo, permite que os sistemas avaliem o tom emocional de clientes; caso um cliente reaja mal ao sistema, a chamada pode ser automaticamente redirecionada para operadores humanos e gerentes. Em outras áreas de marketing e vendas, técnicas de IA também podem exercer um impacto significativo. A combinação de dados demográficos de clientes e dados de transações anteriores com monitoramento de mídia social pode ajudar a gerar recomendações individualizadas de produtos. Recomendações sobre “o próximo produto a comprar” tendo como alvo clientes específicos – como Amazon e Netflix vêm fazendo com sucesso – podem dobrar a taxa de conversões de vendas.

Dois terços das oportunidades da utilização de IA estão na melhoria do desempenho dos casos de uso de analytics atuais

Em 69% dos casos de uso que estudamos, as redes neurais profundas podem ser usadas para aumentar o desempenho em relação ao que é obtido por outras técnicas de analytics. Casos em que somente redes neurais podem ser usadas, que aqui designamos casos “greenfield”, representaram apenas 16% do total. Para os demais 15%, redes neurais artificiais resultaram em uma melhoria moderada da performance em relação a outras técnicas de analytics, entre outros motivos por causa das limitações de dados que tornam esses casos inadequados para deep learning (Quadro 3).

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Notas sobre as fronteiras do conhecimento de inteligência artificial: aplicações e valor do deep learning - Quadro 3

As soluções greenfield de IA predominam em áreas de negócios como gestão do atendimento ao cliente, bem como em alguns setores em que os dados são abundantes e volumosos e às vezes envolvem reações humanas. Encontramos muitos casos de uso greenfield particularmente no setor de saúde. Alguns desses casos envolvem diagnóstico de doenças e melhor tratamento e dependem de amplos conjuntos de dados que englobam dados de imagem e vídeo, inclusive de ressonância magnética.

Em média, nossos casos de uso indicam que as modernas técnicas de IA baseadas em deep learning podem proporcionar um aumento muito maior do valor do que as técnicas de analytics tradicionais, variando entre 30 a 128%, de acordo com o setor.

Visualizing the potential impact of AI and advanced analytics

Our interactive data visualization shows the potential value created by artificial intelligence and advanced analytics techniques for 19 industries and nine business functions.

Em muitos dos nossos casos de uso, contudo, as técnicas tradicionais de machine learning e analytics continuam a sustentar um grande percentual do potencial de criação de valor em setores como seguros, produtos farmacêuticos e médicos e telecomunicações, sendo que o potencial de IA é limitado em alguns contextos. Isso se deve em parte à maneira como os dados são usados por esses setores e a questões regulatórias.

Os requisitos de dados para o uso de deep learning são substancialmente maiores do que para o uso de outras técnicas de analytics

O uso eficaz de redes neurais na maioria das aplicações exige grandes conjuntos de dados de treinamento rotulados, juntamente com acesso a infraestrutura computacional suficiente. Além disso, essas técnicas de deep learning são particularmente poderosas para extrair padrões de tipos de dados complexos e multidimensionais, como imagens, vídeo, e áudio ou fala.

Os métodos de deep learning requerem milhares de registros de dados para que os modelos se tornem relativamente bons em tarefas de classificação e, em alguns casos, milhões desses registros para que seu desempenho atinja o nível do ser humano. De acordo com uma estimativa, um algoritmo de deep learning supervisionado atinge, em geral, um desempenho aceitável com cerca de 5.000 exemplos rotulados por categoria, e iguala ou supera o nível de desempenho humano quando treinado com um conjunto de dados contendo no mínimo 10 milhões de exemplos rotulados. Em alguns casos em que advanced analytics é usado atualmente, existem tantos dados disponíveis – milhões ou até bilhões de fileiras por conjunto de dados – que a utilização de IA é a técnica mais apropriada. No entanto, se não for atingido um limiar de volume de dados, a inteligência artificial pode não adicionar valor às técnicas tradicionais de analytics.

Conjuntos de dados assim tão grandes podem ser difíceis de obter ou criar em muitos casos de uso de negócios, e sua rotulação continua a ser um desafio. A maioria dos atuais modelos de IA é treinada por meio de “aprendizado supervisionado”, que requer seres humanos para rotular e classificar os dados correspondentes. No entanto, estão surgindo novas técnicas promissoras para superar esses gargalos de dados, como aprendizado por reforço, redes geradoras adversárias, aprendizado por transferência e “one-shot learning”, que permite a um modelo de IA treinado aprender a respeito de um assunto com base em um pequeno número de demonstrações ou exemplos do mundo real – às vezes, uma só demonstração ou exemplo.

As organizações terão de adotar e implementar estratégias que lhes possibilitem coletar e integrar dados em grande escala. Até mesmo com grandes conjuntos de dados, será preciso precaver-se contra o sobreajuste, quando o modelo capta de forma demasiadamente fiel as características “de ruído” ou aleatórias do conjunto de treinamento, resultando em uma correspondente falta de precisão no desempenho futuro, e contra o subajuste, quando o modelo deixa de captar todas as características relevantes. A ligação de dados aos segmentos de clientes e canais, em vez de deixar que eles fiquem isolados em silos, é de particular importância para criar valor.

Notes from the AI frontier: Insights from hundreds of use cases

A concretização do pleno potencial da inteligência artificial requer um leque diversificado de tipos de dados, incluindo imagens, vídeo e áudio

As técnicas neurais de IA se destacam na análise de tipos de dados de imagens, vídeo e áudio devido a sua natureza complexa e multidimensional, conhecida pelos profissionais da área como “de alta dimensão”. As redes neurais funcionam bem para lidar com alta dimensão, já que as múltiplas camadas de uma rede podem aprender a representar as muitas características diferentes presentes nos dados. Assim, para reconhecimento facial, a primeira camada da rede pode focar em pixels brutos, a seguinte em bordas e linhas, outra em características faciais gerais, e a camada final pode identificar o rosto. Diferentemente de gerações anteriores de IA, que muitas vezes exigiam expertise humana para fazer “engenharia de características”, essas técnicas de rede neural muitas vezes conseguem aprender a representar essas características em suas redes neurais simuladas como parte do processo de treinamento.

Além de questões relacionadas a volume e variedade de dados, outro requisito é a velocidade: as técnicas de IA requerem que os modelos sejam retreinados para captar condições potenciais mutáveis, e assim os dados de treinamento precisam ser atualizados com frequência. Em um terço dos casos, o modelo precisa ser atualizado pelo menos uma vez por mês, e em quase um em cada quatro casos, precisa de uma atualização diária. Isso é particularmente verdadeiro em marketing e vendas, manufatura e gestão da cadeia de suprimento.

Dimensionamento do valor potencial da inteligência artificial

Calculamos que as técnicas de IA citadas neste artigo, juntas, tenham o potencial de criar entre US$3,5 trilhões e US$5,8 trilhões de valor ao ano, em nove funções de negócios e 19 indústrias. Isso constitui cerca de 40% do impacto anual total de US$9,5 trilhões a US$15,4 trilhões que poderia ser proporcionado por todas as técnicas de analytics (Quadro 4).

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Notas sobre as fronteiras do conhecimento de inteligência artificial: aplicações e valor do deep learning - Quadro 4

Por indústria, calculamos que o valor potencial da inteligência artificial represente entre 1% e 9% da receita de 2016. O valor, medido como porcentagem da receita da indústria, varia significativamente, de acordo com os casos de uso específicos aplicáveis, a disponibilidade de dados abundantes e complexos, bem como de restrições regulatórias e de outra natureza.

Esses números não são previsões para um determinado período, mas sim indicações do considerável potencial representado por advanced analytics para a economia global.

A partir dos casos de uso examinados, constatamos que o maior impacto de valor potencial decorrente do uso de IA se encontra tanto em funções voltadas para a receita, como por exemplo marketing e vendas, quanto funções operacionais voltadas para o lucro, abrangendo manufatura e gestão da cadeia de suprimento.

As indústrias de consumo, como varejo e alta tecnologia, provavelmente verão maior potencial nas aplicações de IA em marketing e vendas, porque as frequentes interações digitais entre a empresa e os clientes geram grandes conjuntos de dados, que podem ser aproveitados pelas técnicas de IA. As plataformas de comércio eletrônico, em particular, também deverão se beneficiar. A razão é a facilidade com que essas plataformas coletam informações de clientes, como dados de cliques ou tempo gasto em um site, podendo em seguida personalizar promoções, preços e produtos para cada cliente de maneira dinâmica e em tempo real.

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Artificial intelligence's impact is likely to be most substantial in marketing and sales as well as supply-chain management and manufacturing, based on our use cases.

A seguir temos a visão geral de três setores em que observamos o impacto da inteligência artificial: (Quadro 5)

  • No varejo, a área de marketing e vendas é a que apresenta o valor potencial mais significativo proveniente de IA e, nessa função, as principais áreas de valor são precificação e promoção, e gestão do atendimento ao cliente. Nossos casos de uso mostram que o uso de dados de clientes para personalizar promoções, por exemplo, incluindo a adaptação de ofertas individuais todos os dias, pode resultar em um aumento de 1 a 2% de vendas incrementais somente para varejistas de lojas físicas.
  • No setor de bens de consumo, a gestão da cadeia de suprimento é a principal função que poderia tirar proveito da utilização da IA. Entre os exemplos dos nossos casos de uso, vemos como a previsão baseada nas respectivas alavancas causais da demanda, e não nos resultados anteriores, pode melhorar a exatidão das previsões em 10 a 20%, o que corresponde a uma redução potencial de 5% dos custos de estoques e aumentos de 2 a 3% da receita.
  • No setor bancário, em particular bancos de varejo, IA tem um potencial significativo de valor em marketing e vendas, à semelhança do que ocorre no varejo. No entanto, devido à importância da avaliação e gestão de riscos nos bancos, por exemplo em concessão de empréstimos e detecção de fraudes, IA tem uma possibilidade de melhorar a performance na área de riscos do setor bancário muito maior do que em muitas outras indústrias.

O caminho para gerar impacto e valor

A inteligência artificial tem atraído quantias crescentes de investimento das empresas e, à medida que as tecnologias evoluem, o valor potencial que pode ser desbloqueado tende a crescer também. Até agora, no entanto, apenas cerca de 20% das empresas que têm algum conhecimento de IA usam uma ou mais de suas tecnologias em um processo essencial de negócios ou em larga escala.

Apesar de promissoras, as tecnologias de IA têm muitas limitações que precisarão ser superadas. Elas incluem os onerosos requisitos de dados mencionados acima, além de outras cinco limitações:

  • A primeira é o desafio de rotular dados de treinamento, o que muitas vezes precisa ser feito manualmente e é necessário no aprendizado supervisionado. Estão surgindo notas técnicas promissoras para vencer esse desafio, como aprendizado por reforço e supervisão in stream, quando os dados podem ser rotulados no decorrer da utilização natural.
  • A segunda é a dificuldade de obter conjuntos de dados suficientemente grandes e abrangentes para serem usados no treinamento; em muitos casos de uso de negócios, a criação ou a obtenção de conjuntos de dados de tal magnitude pode ser difícil – por exemplo, dados limitados de ensaios clínicos para prever com mais exatidão os resultados de tratamentos de saúde.
  • A terceira é a dificuldade de explicar em termos humanos os resultados de modelos grandes e complexos: por que foi tomada uma determinada decisão? As certificações de produtos no setor de saúde e nas indústrias automotiva e aeroespacial, por exemplo, podem ser um obstáculo; entre outras restrições, muitas vezes os reguladores querem que as regras e os critérios de escolha sejam claramente explicados.
  • A quarta é a possibilidade de generalizar o aprendizado: os modelos de IA continuam a ter dificuldades em transplantar suas experiências de um conjunto de circunstâncias para outro. Ou seja, as empresas precisam destinar recursos para treinar novos modelos até mesmo para casos de uso semelhantes a casos anteriores. O aprendizado por transferência – no qual um modelo de IA é treinado para realizar uma determinada tarefa e em seguida aplicar esse aprendizado a uma atividade semelhante, mas não igual – é uma resposta promissora a esse desafio.
  • A quinta limitação diz respeito ao risco de viés nos dados e algoritmos. Essa questão trata de preocupações de natureza mais social, cuja solução poderia exigir medidas mais amplas, como entender de que maneira os processos usados para coletar dados de treinamento podem influir no comportamento dos modelos que eles estão acostumados a treinar. Para exemplificar, podem ser introduzidos vieses não intencionais quando os dados de treinamento não são representativos da população geral à qual o modelo de IA é aplicado. Assim, modelos de reconhecimento facial treinados em uma população de rostos correspondentes às características demográficas dos programadores de IA poderiam apresentar problemas quando aplicados a populações com características mais diversificadas. Um relatório recente sobre o uso nocivo de IA ressalta uma série de ameaças à segurança, desde a automatização sofisticada de hacking até campanhas de desinformação política altamente personalizadas.

Desafios organizacionais relativos a tecnologia, processos e pessoas podem retardar ou impedir a adoção da inteligência artificial

As organizações que pretendem introduzir projetos significativos de deep learning precisam considerar um leque de opções para essa finalidade. Esse leque inclui formar uma capacidade completa de IA internamente, terceirizar essas capacidades ou aproveitar ofertas de “IA como um serviço”.

Com base nos casos de uso que pretendem adotar, as empresas devem preparar um plano de dados que gere resultados e predições, que possa ser alimentado em interfaces desenhadas para seres humanos ou em sistemas de transações. Entre os principais desafios de engenharia de dados estão a criação ou aquisição de dados, a definição da ontologia de dados e a construção de “dutos” de dados adequados. Dados os expressivos requisitos computacionais do deep learning, algumas organizações continuam a manter data centers próprios, devido a questões de regulamentação ou segurança, porém os gastos de capital podem ser consideráveis, em particular se for usado hardware especializado. Os provedores de serviços de nuvem constituem outra opção.

O processo também pode acabar por impedir o sucesso da adoção se a organização não estiver madura do ponto de vista digital. Em termos técnicos, as organizações precisarão criar processos robustos de manutenção e governança de dados e implementar modernas disciplinas de software, como Agile e DevOps. Um desafio ainda maior, em termos de escala, é superar o problema da “última milha”, ou seja, certificar-se de que os insights superiores proporcionados pela inteligência artificial se reflitam no comportamento das pessoas e nos processos da empresa.

No que diz respeito às pessoas, grande parte da construção e da otimização de redes neurais profundas ainda tem alguma coisa de arte, exigindo verdadeiros experts para ocasionar melhoras nítidas de performance. Atualmente, a procura dessas habilidades supera em muito a oferta; segundo algumas estimativas, menos de 10.000 pessoas têm as habilidades necessárias para enfrentar problemas sérios de IA, e elas são objeto de acirrada competição entre os gigantes da tecnologia.

A inteligência artificial pode parecer um caso de negócio de difícil definição

Quando existem técnicas de IA e dados disponíveis e o seu valor pode ser facilmente comprovado, as organizações já podem explorar essa oportunidade. Em algumas áreas, as técnicas atuais podem estar maduras e os dados podem estar disponíveis, porém o custo e a complexidade da implementação da IA pode simplesmente não valer a pena, considerando o valor que poderia ser gerado. Um exemplo: uma empresa aérea poderia usar o reconhecimento facial e outra tecnologia de escaneamento biométrico para simplificar o embarque nos aviões, mas o valor daí decorrente pode não justificar o custo e os problemas relativos a privacidade e identificação pessoal.

Da mesma forma, existem casos potenciais em que os dados e as técnicas estão amadurecendo, porém o valor ainda não está claro. O cenário mais imprevisível é aquele em que ou os dados (tipos e volume) ou as técnicas são novos demais e ainda não testados quanto ao valor que podem gerar. No setor de saúde, por exemplo, se a inteligência artificial fosse capaz de acrescentar algo à precisão sobre-humana que já estamos começando a observar com análise de raio X, para chegar a diagnósticos mais corretos e até a procedimentos médicos automatizados, o valor econômico envolvido poderia ser muito significativo. Ao mesmo tempo, as complexidades e os custos para chegar a essa evolução também são assustadores. Entre outros problemas, seria preciso contar com uma execução técnica impecável e resolver problemas de seguro contra imperícia e outras questões legais.

Preocupações e regulamentos de cunho social também podem restringir o uso de IA. As restrições regulatórias são particularmente frequentes nos casos de uso relacionados a informações pessoalmente identificáveis. Trata-se de algo de particular importância nesses tempos em que se intensifica o debate público sobre o uso e a comercialização de dados pessoais em algumas plataformas online. O uso e o armazenamento de informações pessoais são particularmente sensíveis em setores como bancos, saúde e produtos farmacêuticos e médicos, bem como nos setores público e social. Além de lidar com essas questões, as empresas e outros usuários de dados para IA precisarão continuar a aperfeiçoar os modelos de negócios referentes ao uso de dados para tratar das preocupações da sociedade, sem esquecer que as exigências e restrições regulatórias podem diferir de país para país e de setor para setor.

Implicações para os stakeholders

Como vimos, o que cria valor é a capacidade de uma empresa de executar os modelos de IA, e não os modelos propriamente ditos. Para concluir este artigo, vamos delinear as implicações gerais do nosso estudo de casos de uso de IA para provedores de tecnologia de IA, aplicadores de tecnologia de IA e legisladores, a quem cabe estabelecer o contexto de atuação dos dois primeiros stakeholders.

  • Para empresas provedoras de tecnologia de IA: muitas empresas que desenvolvem ou fornecem IA a outras têm força considerável na própria tecnologia e contam com os cientistas de dados necessários para fazê-la funcionar, mas podem não ter um entendimento aprofundado dos mercados finais. Entender o valor potencial da inteligência artificial em todos os setores e funções pode ajudar a determinar o portfólio dessas empresas de tecnologia de IA. Isso posto, elas não devem necessariamente priorizar apenas as áreas de maior valor potencial. Em vez disso, podem combinar os dados com análises complementares do cenário da concorrência, de seus próprios pontos fortes, conhecimento de setores ou funções, bem como relações com clientes, para determinar seu portfólio de investimentos. Do ponto de vista técnico, o mapeamento de tipos de problemas e técnicas a setores e funções de valor potencial pode orientar a empresa no tocante às áreas específicas de expertise nas quais se concentrar.
  • Muitas empresas que procuram adotar IA em suas operações deram início a experimentos com machine learning e IA em todas as suas atividades. Antes de lançar mais pilotos ou testar soluções, é interessante se distanciar um pouco e adotar uma abordagem holística à questão, começando por criar um portfólio priorizado de iniciativas em toda a empresa, incluindo técnicas de IA e outras técnicas digitais e de analytics disponíveis. Para criar um portfólio adequado, é importante que o empresário adquira um entendimento de quais casos de uso e domínios têm a possibilidade de proporcionar o maior valor para a empresa, bem como quais técnicas de IA e outras técnicas de analytics precisarão ser implementadas para concretizar esse valor. O portfólio deve ser fundamentado não apenas em termos do valor teórico a ser captado, mas também em termos da maneira como as técnicas poderão ser implementadas em escala em toda a empresa. A questão da implementação em escala de técnicas analíticas depende menos das técnicas em si e mais das habilidades, capacidades e dados da empresa. As empresas precisarão levar em conta os esforços na “primeira milha”, ou seja, como adquirir e organizar dados e esforços, e também na “última milha”, ou seja, como integrar o resultado dos modelos de IA aos fluxos de trabalho, que abrangem desde gerentes de ensaios clínicos e gerentes de força de vendas até diretores de compras. Uma pesquisa anterior do MGI indica que os líderes de IA investem fortemente nos esforços referentes à primeira e à última milha.
  • Os legisladores deverão se empenhar em alcançar um equilíbrio entre o apoio ao desenvolvimento de tecnologias de IA e a administração de eventuais riscos ocasionados por maus atores. É do interesse dos legisladores apoiar uma adoção ampla, já que a inteligência artificial pode resultar em aumento da produtividade do trabalhador, crescimento econômico e prosperidade social. Suas ferramentas incluem investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento, bem como apoio a diversos programas de treinamento, que podem contribuir para formar talentos de IA. No que diz respeito a dados, os governos podem incitar diretamente o desenvolvimento de dados de treinamento por meio de iniciativas de dados abertos. A divulgação dos dados do setor público pode incentivar a inovação do setor privado. A determinação de padrões comuns de dados também pode ajudar. A inteligência artificial também está suscitando novas questões com as quais os legisladores devem lidar, e para as quais ferramentas e estruturas históricas podem não ser adequadas. Assim, provavelmente serão necessárias algumas inovações em políticas para lidar com essas tecnologias que evoluem tão rapidamente. Considerando a escala do impacto benéfico nas empresas, na economia e na sociedade, o objetivo não deve ser restringir a adoção e a aplicação de IA, mas sim incentivar seu uso benéfico e seguro.
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