Em 2022, a mobilidade esteve... em movimento. Foi um ano de transição que incluiu alguns saltos para a frente e alguns retrocessos. Alguns indicadores de disrupção ficaram bastante visíveis – viraram até mesmo parte da vida diária. Cada vez mais veículos elétricos (VEs) são vistos hoje rodando pelas estradas. Novos pontos de recarga estão sendo instalados em muitos países. Novos modelos de negócios (por exemplo, carros como serviço de assinatura ou vendidos diretamente ao consumidor) vêm se expandindo. No centro das cidades, o uso de carros está sob controle crescente das autoridades governamentais, e as opções de micromobilidade, como patinetes elétricos, vêm aumentando.
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Quanto a outros domínios da mobilidade, 2022 foi um ano de realinhamento. Os investimentos em mobilidade aérea não chegaram a igualar o recorde de 2021, apesar de muitos players estarem aperfeiçoando suas tecnologias e chegando perto da aprovação pelas autoridades reguladoras. O alarde a respeito da condução autônoma – que foi tema de anúncios de financiamentos recordes, aparentemente a cada semana – parece ter diminuído. Porém, os estreantes de destaque vêm fazendo imensos progressos tecnológicos, ampliando suas operações em diversas cidades e abrindo caminho para uma maior aceitação por parte dos clientes.
O setor automotivo enfrentou fortes ventos contrários gerados, em grande parte, por questões geopolíticas e pela incerteza macroeconômica. Muitas montadoras enfrentaram esse panorama difícil com confiança, desenvolvendo resiliência na expectativa de um futuro desafiador no curto prazo. Alguns fornecedores estão sofrendo com os desafios das cadeias de suprimentos e a contração do mercado de motores de combustão interna, mas ainda há bolsões de crescimento para quem pode atuar de maneira ousada.
No presente artigo, lançamos luz sobre os desenvolvimentos mais importantes dos últimos 12 meses e usamos as lentes da tecnologia, das opiniões dos clientes e do panorama regulatório e operacional para enxergar o que esses desenvolvimentos podem significar no próximo ano.
A influência da psicologia do consumidor na mobilidade
Diversos arquétipos – ou personas – de consumidores vêm surgindo e terão um papel na definição do futuro da mobilidade (Quadro 1). Algumas personas se difundirão mais ao longo do tempo. Outras desaparecerão ou evoluirão.
Nas zonas urbanas, as personas não centradas nos carros devem se multiplicar. Os integrantes desse grupo provavelmente venderão seus carros atuais sem substituí-los, ou pelo menos dirigirão esses carros muito menos vezes, reduzindo a frequência de substituição e, portanto, o gasto com veículos. Em alguns casos, as decisões serão reflexo de uma “hiperconsciência ecológica”. Em outros, elas resultarão, em grande medida, de considerações relativas ao aumento do custo de propriedade dos carros.
Os entusiastas da micromobilidade gostam de se locomover pela cidade em bicicletas e patinetes elétricos. Esses consumidores tendem a usar e possuir diferentes tipos de veículos de micromobilidade. A persona “urbana multimodal” tem predileção por uma espécie de estratégia de portfólio, pois acredita que há um fator de forma adequado para cada finalidade de viagem.
As personas de consumidor centradas nos carros continuarão existindo, mas sua definição de “carro” talvez se expanda de modo a incluir modelos sem emissões. Talvez elas também passem a complementar mais frequentemente o uso do carro com outros tipos de mobilidade.
A micromobilidade evolui, a minimobilidade entra em cena
Antes da pandemia de COVID-19, os níveis de financiamento no setor de micromobilidade compartilhada (principalmente bicicletas elétricas, ciclomotores e patinetes elétricos) haviam disparado proporcionalmente ao número crescente de usuários. De 2015 a 2019, foram investidos quase US$ 7 bilhões nesse mercado. O financiamento sofreu uma contração acentuada em 2020, para cerca de US$ 800 milhões, mas o setor logo retomou sua trajetória de crescimento, com os fluxos de capital subindo novamente em sincronia. Em 2021, os players de micromobilidade atraíram aproximadamente US$ 2,9 bilhões em novos investimentos, principalmente para patinetes elétricos.
Em 2023, os investimentos no ecossistema privado de apoio às bicicletas elétricas deverão continuar em ritmo acelerado, mas nossa projeção é de que os investidores em micromobilidade em geral aumentarão seu foco na lucratividade. Isso pode fomentar a consolidação do setor, que já está em andamento. Enquanto isso, os fluxos de investimento talvez continuem passando da Ásia para a Europa (Quadro 2).
Há um outro segmento da mobilidade que vem ganhando espaço discretamente. As opções de minimobilidade, que incluem VEs de três e quatro rodas capazes de acomodar uma ou duas pessoas, estão situadas no espaço entre os carros e as bicicletas. Esses veículos têm peso médio de 100 a 500 quilos quando desocupados. Dependendo do tipo de veículo e dos regulamentos locais, sua velocidade máxima varia de 25 a 90 km/h. Se o interesse continuar aumentando e as autoridades reguladoras aderirem, o segmento de minimobilidade poderá atingir um mercado endereçável total de US$ 100 bilhões por ano na China, na Europa e na América do Norte até 2030. Em pesquisa realizada pela McKinsey em 2021 com 26 mil pessoas de oito países, mais de 30% dos entrevistados afirmaram que provavelmente ou muito provavelmente cogitariam usar um veículo de minimobilidade como uma de suas opções de mobilidade futura. No entanto, os pontos de vista variaram radicalmente conforme a região geográfica (Quadro 3).
Veículos autônomos: a ascensão do robô-táxi e do robô-ônibus
Em 2022, os vários players de robô-taxi e robô-ônibus tiveram trajetórias divergentes: alguns interromperam o desenvolvimento, enquanto outros anunciaram iniciativas ambiciosas para aumentar a escala de seus negócios. Investidores estratégicos engoliram players menores em transações que foram, em grande medida, “acquihires” (aquisições voltadas principalmente ao recrutamento dos funcionários da empresa adquirida).
Essa consolidação deverá continuar em 2023 – sobretudo para os concorrentes menores e os defasados –, o que acabará fortalecendo o mercado. Fora da China, nossa projeção é de que apenas dois a quatro players acabarão fornecendo as tecnologias de robô-táxis e robô-ônibus totalmente autônomos.
Os consumidores poderão se beneficiar de custos por milha mais baixos do que os das outras opções de transporte nos próximos anos (Quadro 4). Os robô-táxis poderão ser a opção preferida nos Estados Unidos. A Europa provavelmente preferirá os robô-ônibus, que podem roubar uma parcela significativa do mix modal dos veículos particulares, de modo que as cidades e os cidadãos possam recuperar o espaço dos carros particulares.
A mobilidade aérea continua atraindo financiamento
A mobilidade aérea urbana e avançada – segmento que inclui as aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical (eVTOL, na sigla em inglês) – obteve um financiamento recorde em 2021: cerca de US$ 6,9 bilhões em novos investimentos. O financiamento diminuiu em 2022 devido, em parte, à situação macroeconômica, mas permaneceu bem acima do nível anterior à pandemia (Quadro 5).
Os principais players de eVTOLs estão seguindo cronogramas ambiciosos, na esperança de obterem homologações importantes até meados da década de 2020. Enquanto isso, as empresas estabelecidas estão tentando recuperar o atraso: 72% dos 25 maiores OEMs (fabricantes originais do equipamento) de aeronaves e 64% dos 25 maiores fornecedores realizam hoje algum tipo de atividade em mobilidade aérea avançada. O ano vindouro será um teste crucial para os estreantes que desejem permanecer no caminho para a homologação dos voos no curto prazo.
A adoção dos VEs varia conforme a região e o segmento
Uma transição bem-sucedida para as emissões líquidas zero exigirá um aumento drástico das vendas de veículos elétricos nas próximas décadas (Quadro 6). Entre as tendências recentes estão algumas diferenças regionais nas taxas de adoção de VEs. No ano passado, a adoção aumentou cerca de 80% na China e cerca de 40% nos Estados Unidos (em comparação com 2021). A Europa, contudo, permanece nos níveis de 2021, aproximadamente. Essa desaceleração decorre da redução dos subsídios, dos altos preços da eletricidade e do aumento do custo das matérias-primas – até 120% no caso do lítio, para dar um exemplo.
Se a situação não mudar, as vendas de VEs na União Europeia talvez continuem desacelerando. O mesmo pode acontecer com as vendas gerais de automóveis, à medida que a mobilidade individual vai encarecendo para muitos europeus. Já nos Estados Unidos, a adoção no longo prazo pode ser acelerada por subsídios instituídos recentemente que apoiam a compra de VEs, a produção de elementos de bateria e a ampliação da infraestrutura de recarga. Se o generoso apoio regulatório for mantido, os Estados Unidos poderão atingir uma penetração de VEs em pé de igualdade com os níveis europeus.
Um abismo na adoção de VEs também começou a surgir entre os segmentos. Os compradores do segmento premium são menos sensíveis aos preços e mais propensos a recarregar os veículos elétricos em casa. Os OEMs premium também estão estabelecendo metas de VEs ambiciosas. Como consequência, o segmento premium está dois anos à frente do segmento de volume em termos do ritmo da eletrificação.
As baterias continuam em alta demanda
Em virtude do aumento da produção de veículos elétricos, a demanda de baterias vem aumentando – e deverá haver uma aceleração adicional (Quadro 7). Para que a oferta seja proporcional, serão necessárias fábricas de baterias maiores e mais numerosas em todo o mundo. Até agora, os anúncios sobre as capacidades futuras de oferta de baterias correspondem à demanda esperada, aproximadamente. Entretanto, nossa projeção é de que uma parcela significativa da oferta futura anunciada não se concretizará em tempo hábil; portanto, é provável que haja escassez.
As assimetrias regionais entre a oferta e a procura podem criar mais gargalos. Apesar do aumento da demanda local, a China provavelmente continuará tendo uma capacidade de produção excedente significativa, por exemplo, enquanto a Europa e a América do Norte talvez não consigam atender à sua própria demanda local de produção de elementos de bateria. A Lei de Redução da Inflação dos EUA, com seus subsídios para fabricantes de baterias, tornou a produção norte-americana uma opção mais atraente. Outros anúncios regulatórios regionais podem modificar a atratividade da produção de baterias em outros lugares, como a Europa.
A fim de contribuírem para o aumento da escala, os fabricantes de baterias precisarão conseguir mais equipamentos de fabricação e matérias-primas. Isso poderá apresentar dificuldades. A Austrália e o Chile, por exemplo, produzem hoje cerca de 70% da oferta mundial de lítio – o que pode ser um fator limitante. Empecilhos nas cadeias de suprimentos e a escassez de matérias-primas como o níquel também poderão influenciar as mudanças na química de bateria preferida. No fim, o mercado de baterias poderá sofrer uma disrupção ainda mais radical devido aos avanços nas baterias de última geração (por exemplo, as de anodos de silício e as de estado sólido), bem como às novas tecnologias, como a de íons de sódio.
A Europa precisa reforçar a infraestrutura de recarga
Com mais VEs nas estradas da Europa, será necessária uma grande ampliação de sua infraestrutura de recarga de VEs. Uma análise recente indica que, mesmo no cenário mais conservador, a UE-27 precisará de pelo menos 3,4 milhões de pontos de recarga públicos em operação até 2030 – um aumento significativo em relação às 375 mil estações de recarga que havia em 2021, segundo estimativas (Quadro 8).
Serão necessárias grandes expansões da rede elétrica para distribuir energia a essas novas estações de recarga. Será preciso uma maior capacidade de produção de energia renovável para abastecer essas redes com energia limpa. No total, a ampliação da infraestrutura de recarga de veículos elétricos da Europa pode custar, cumulativamente, mais de € 240 bilhões até 2030.
A escassez de semicondutores permanece
A demanda de semicondutores automotivos continua superando a oferta, mas a lacuna varia de acordo com o tamanho do nó (Quadro 9). Para nós maiores que 90 nanômetros (nm), que estão em alta demanda por parte da indústria automotiva, a escassez provavelmente persistirá porque os nós maduros têm margens de lucro baixas. Alguns clientes valorizam os pontos de preço baixo desses nós e têm pouco incentivo para migrar para os menores. No caso dos wafers de 22 a 65 nm, a escassez não será solucionada totalmente no curto ou médio prazo, mas pode diminuir se (como esperado) as empresas de semicondutores aumentarem a oferta. Todavia, em termos gerais, é difícil prever o tamanho da defasagem entre a oferta e a demanda de produtos específicos que usam nós menores, devido à grande heterogeneidade dos tipos e tecnologias dos dispositivos. A escassez de semicondutores provavelmente persistirá até 2026 por causa dos longos prazos de entrega na fabricação de chips.
Para mitigar os problemas na oferta de chips, os OEMs podem tomar várias medidas, como as seguintes:
- criar salas de controle que combinem pessoal de procurement, de gestão da cadeia de suprimentos e de vendas para ajudar a garantir que a oferta de semicondutores no curto prazo não caia a níveis inaceitáveis
- traçar roteiros tecnológicos claros que definam com mais precisão as necessidades futuras de semicondutores (com relação a produtos de última geração, entre outros)
- fazer investimentos conjuntos com os fornecedores em projetos voltados ao aumento da capacidade
A importância crescente do software
As empresas automotivas e seus fornecedores continuam investindo expressivamente em software. Até 2030, o mercado global de eletrônica e software automotivos deverá chegar a US$ 462 bilhões – uma CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 5,5% de 2019 a 2030 (Quadro 10).
Em contraste, o mercado automotivo geral de carros de passageiros e veículos comerciais leves deverá crescer a uma taxa anual composta de apenas 1% durante o mesmo período. Essa discrepância, que é reflexo de uma mudança significativa no futuro da mobilidade, vem sendo reforçada pelo aumento das restrições ao acesso urbano, como a proibição de veículos a motor de combustão interna nos centros das cidades; pela crescente adoção de modelos sem propriedade, como o compartilhamento de carros e a micromobilidade; e por tecnologias disruptivas, como a condução autônoma urbana. Nesse contexto, as empresas automotivas veem o software e a eletrônica como a próxima frente para transformar o setor.
A pressão em curso sobre os fornecedores automotivos
Nos últimos quatro anos, enquanto os players da cadeia de valor automotiva aumentaram suas margens, a lucratividade dos fornecedores automotivos caiu pela metade. Em 2022, as pressões de margem sobre os fornecedores automotivos aumentaram em função de vários fatores, como a escassez de semicondutores e de energia, a alta dos custos das matérias-primas e dos fretes, a consolidação da base de oferta, o encolhimento da demanda e a volatilidade (às vezes diária) dos volumes de produção automotiva (Quadro 11).
Em 2023, nossa projeção é de que as pressões sobre as margens continuarão em virtude das disrupções macroeconômicas, geopolíticas e tecnológicas em curso. Altas dos custos da mão de obra e da energia podem aumentar o aperto. Os fornecedores automotivos precisarão se concentrar em manter seus custos sob controle. Entre as possíveis medidas de redução de custos estão as seguintes:
- garantir que os OEMs deem um forte apoio (por meio, por exemplo, de indexação, cláusulas de matéria-prima ou programas de compra direta ou dirigida) para compensar os aumentos dos preços
- revisar os contratos com os OEMs e fechar compromissos de longo prazo para estabilizar os volumes
- adaptar os portfólios e cancelar programas menores e não lucrativos
- ajustar o tamanho da presença da empresa e de seus custos gerais indiretos
Além disso, pelas nossas projeções, os fornecedores de componentes para veículos a motor de combustão interna passarão por consolidação no futuro, com a queda da produção desses veículos.
Demanda de caminhões com emissões zero
No caso dos veículos comerciais leves elétricos, o crescimento da demanda em gráfico de taco de hóquei pode superar a oferta. Nesse mercado, muitas empresas estão à procura de veículos de entrega com emissões zero devido a diversos fatores:
- regulamentos de descarbonização mais rigorosos nos Estados Unidos e na Europa, nos níveis nacional e municipal
- normas de contabilidade ambiental, social e de governança (que ampliam a responsabilidade em toda a cadeia de valor) referentes às emissões do Escopo 3
- o desejo de aproveitar os financiamentos de baixo custo que estão surgindo, a fim de reduzir os custos da transição para os veículos com emissões zero
- maiores compromissos corporativos com metas ambiciosas de redução de emissões, em resposta à crescente demanda de produtos mais sustentáveis por parte dos consumidores
- preços de energia instáveis e uma queda geral do custo das baterias, fatores estes que estão levando o custo total de propriedade em direção à paridade – mesmo hoje, em certos casos de uso – entre veículos com emissões zero e seus equivalentes movidos a diesel (Quadro 12)
Em 2022, a mobilidade passou dos anúncios e conceitos novos e importantes para um foco mais concentrado na implementação e no aumento da escala. Os OEMs tradicionais e os fornecedores de primeira linha continuaram preocupados com os efeitos de curto prazo dos problemas nas cadeias de suprimentos e com a transição para os veículos elétricos. Os disruptores avançaram – mas enfrentaram uma consolidação crescente. Por sua vez, as autoridades reguladoras continuaram pressionando os players a descarbonizar mais rapidamente. As cidades reforçaram suas iniciativas de mobilidade urbana. E o interesse dos consumidores na mobilidade sustentável (e compartilhada) acelerou ainda mais e quase certamente continuará acelerando.
O panorama do setor terá feições bem diferentes depois de 2030. Porém, os próximos 18 a 24 meses talvez indiquem quais poderão ser os vencedores do outro lado dessa transformação.