A satisfação de ser um CEO: entrevista com Daniel Vasella

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Liderar nunca é fácil – não é por menos que Shakespeare escreveu “Inquieta é a cabeça que veste a coroa”. O trabalho de liderar pode parecer ainda mais inescrutável hoje em dia, dada a variedade de forças sociais, econômicas e geopolíticas – tanto micro como macro. Mas, em meio a todos os desafios, sempre há oportunidades de crescimento, diz Daniel Vasella, ex-presidente do Conselho e ex-CEO da Novartis AG.

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Vasella integra vários Conselhos corporativos e é participante ativo do Bower Forum, da McKinsey, que já aconselhou centenas de CEOs de todo o mundo. Como médico reconhecido por seus estudos sobre doenças negligenciadas do mundo em desenvolvimento e como executivo global, ele enfatiza a importância da autenticidade, da vulnerabilidade e de uma série de outros atributos humanistas necessários para inovar e crescer como líder.

Ele discute os desafios e oportunidades dos líderes atuais e por que ser um CEO ainda é “o melhor emprego que alguém pode ter” nesta recente entrevista com Ramesh Srinivasan, sócio sênior da McKinsey no escritório de Nova York, copresidente do Bower Forum e coautor de The journey of leadership: How CEOs learn to lead from the inside out.

Segue uma versão editada dessa conversa.

Ramesh Srinivasan: Os CEOs enfrentam hoje uma série de desafios – alguns inéditos, outros persistentes – que vêm surgindo e se agravando mais rapidamente do que nunca. Em que medida os líderes têm conseguido lidar com esses desafios?

Daniel Vasella: Como você observou, os desafios são múltiplos e nem todos são da mesma natureza. Surgiram vários problemas geopolíticos e, nos últimos anos, ocorreram grandes mudanças nos blocos de poder do Ocidente e do Oriente. Isso tem afetado os negócios e dificultado as coisas.

Os efeitos da pandemia de COVID-19 também criaram uma situação bastante desafiadora. No primeiro momento, houve descrença – “o que está acontecendo?” – e não se percebeu plenamente a gravidade da situação. Mas fomos aos poucos nos dando conta e descobrimos como liderar uma organização em meio a uma crise.

Por exemplo, Stephen Squeri, presidente e CEO da American Express, implementou a política de não demitir ninguém durante a crise. Foi muito importante para que todos se sentissem mais seguros naqueles momentos meio apavorantes, pois, como você deve se lembrar, o medo estava em toda parte.

O caráter humanitário dessa abordagem – e o senso de camaradagem que engendrou – foi extremamente importante para o estado de ânimo dos funcionários. Ao mesmo tempo, a empresa continuou investindo em seus negócios e oferecendo benefícios a clientes que estivessem passando por dificuldades.

Ramesh Srinivasan: Você mencionou o medo generalizado daquela época. Os líderes também sentem emoções como medo e descrença. Como eles podem equilibrar a importância de compartilhar suas emoções e vulnerabilidades com a capacidade de definir uma direção clara e tomar decisões difíceis? Qual foi a sua atitude como líder?

Daniel Vasella: Eu fui certamente evoluindo ao longo do tempo. À medida que um líder se torna mais autoconfiante e autenticamente à vontade consigo mesmo, fica mais fácil não ser tão defensivo.

Eu dividiria a questão da vulnerabilidade em duas facetas. A primeira é a vulnerabilidade positiva, o que significa ser mais acessível e não construir um grande muro ao nosso redor. A segunda, a vulnerabilidade negativa, seria alguém muito suscetível que, quando criticado, logo se ofende e reage com insolência.

São diferentes formas de sermos vulneráveis. Eu encorajaria os líderes a serem as pessoas mais normais possíveis. O cargo de CEO cria distância entre nós mesmos e os outros; como estamos em posição de autoridade, pode provocar reações exageradamente positivas ou negativas. Para alguns, esse tipo de relação traz reminiscências do passado, talvez relembre um pai, um professor ou outra figura de autoridade. Portanto, precisamos estar cientes da importância de nos mantermos acessíveis.

Ramesh Srinivasan: Considerando a acessibilidade e a liderança centrada no ser humano, o que muda para um líder que está apenas começando em comparação com alguém que já se sente mais à vontade no cargo?

Daniel Vasella: No meu caso, eu comecei querendo fazer tudo com perfeição, superar as expectativas. Como sou bastante autocrítico, estava sempre em modo de ação. Mas, com o tempo, descobri o que realmente importa e que eu não precisava ser perfeito. Isso nos leva de volta à questão da vulnerabilidade, e também à ideia de acessibilidade. Não ser perfeito e permitir-se não ser perfeito nos proporcionam enorme liberdade.

Quando tentamos ser perfeitos, é provável que acabemos na prisão da perfeição. Sempre que me criticavam na mídia ou em público, eu checava comigo mesmo se a crítica era válida. E se eu realmente acreditasse naquilo que estava fazendo, não importava se era popular ou não. Simplesmente tentava seguir em frente. Mas sempre quis receber feedback, especialmente se fosse negativo. E sempre me dispus a admitir erros (se houvesse de fato cometido algum) para continuar na minha trajetória.

Não ser perfeito também torna possível que os outros se manifestem. As pessoas gostam de ver um chefe que admite quando está errado, que não teme fazer perguntas para aprender e que é grato quando recebe boas respostas. Aliás, essas pessoas podem saber mais que o líder a respeito de uma ou outra questão específica. Para o próprio bem da empresa, é muito importante estar ciente dessa complementaridade de capacidades e conhecimentos.

Ramesh Srinivasan: Dados do Índice de Saúde Organizacional da McKinsey mostram que, na cultura de organizações de alto desempenho, os líderes estão abertos a ouvir as pessoas ao seu redor e a capacitar suas equipes, proporcionando-lhes direção e visão claras para que possam alcançar os resultados desejados. Com sua experiência em treinar CEOs e outros líderes sobre cultura organizacional, o que você observou quando os líderes abandonam a abordagem de comando e controle e adotam um estilo que enfatiza dar autonomia às pessoas e inspirar as equipes?

Daniel Vasella: Na Novartis, foi crucial definir um propósito em comum e conversar sobre convicções. Perguntamos a nós mesmos: Em que realmente acreditamos e como isso afeta nossas ações? Quais limites devemos definir? O que não toleraremos no que diz respeito a valores? E o que iremos promover, apoiar e celebrar? Além disso, definimos com clareza as nossas aspirações.

Não devemos esquecer que fazer parte uma equipe de liderança implica competir e vencer. O que pode ser muito prazeroso. Precisamos ter prazer em competir, mas não devemos esquecer que o propósito está relacionado com a estratégia de negócios. Precisamos ter metas claras e alinhar as pessoas em torno delas. Precisamos agir para alcançar essas metas. E precisamos medir o que está sendo alcançado. Isso requer transparência.

Hoje vejo um número crescente de empresas pensando sobre seu propósito. Contudo, não basta apenas afixar um cartaz com um slogan em algum ponto do escritório. É preciso realmente refletir sobre o propósito – debatê-lo, discuti-lo e comprometer-se com ele. Não é algo que se faça uma só vez; precisamos estar sempre nos perguntando: “Isso continua valendo?"

Ramesh Srinivasan: Você afirmou que “podemos ensinar conceitos, mas não experiências”. Como isso funciona no caso do CEO?

Daniel Vasella: Todos nós agimos de acordo com certos conceitos, mesmo que não saibamos. Basicamente, seguimos uma estrutura pessoal – um padrão determinado por nossas experiências, pelo que aprendemos, pelo que observamos.

Aprendi muito com meus antecessores, tanto com exemplos positivos como negativos. Pude observar não só as consequências adversas de alguns de seus padrões, mas também o que faziam extremamente bem. E devo dizer que todos os meus supervisores e chefes possuíam ao menos uma qualidade notável, que eu sempre me empenhei em compreender e assimilar. Em minha experiência, muitas pessoas têm dons específicos e encontrei muitos CEOs excepcionalmente talentosos.

Ramesh Srinivasan: É verdade que muitos CEOs são talentosos. Além disso, porém, precisam estar mental, física e emocionalmente aptos para realizar um trabalho exigente e complexo. O que um CEO deve fazer para manter o vigor ao longa dessa jornada?

Daniel Vasella: De modo geral, eu diria que ninguém chega a essa posição se já não tiver anteriormente um certo nível de resiliência. Portanto, a primeira pergunta é: Como adquirir resiliência? Acho que, em parte, ela nos é dada pela natureza – por nossa biologia. Mas, como alguém que já atravessou períodos muito difíceis e enfrentou graves desafios, descobri também que depois dos dias ruins vêm os dias bons. Saber que, depois da chuva, o sol voltará a aparecer é uma perspectiva essencial para nos tornarmos mais resilientes. Um certo otimismo realista é bastante útil.

Isso me faz lembrar de Jack Stafford, que foi CEO da American Home Products muitos anos atrás. Quando me tornei CEO, fui procurá-lo. Ele tinha a reputação de ser um líder experiente e “durão”. Conversamos sobre muitos assuntos, mas uma coisa que ele disse ficou gravada na minha mente: “Dan, você não pode confiar em ninguém exceto sua esposa”.

É uma opinião um tanto rígida, sem dúvida, mas ele não estava totalmente errado. Nossos familiares, ou confidentes de grande integridade, são um pilar importante da nossa estabilidade, pois podemos nos abrir de verdade com eles, o que não é possível com outras pessoas da organização, mesmo que sejam nossos aliados próximos. Quando se ocupa a posição de CEO, é importante ter em mente que chegará o dia em que deixaremos o cargo, mas nossa família e amigos permanecerão para sempre.

Segundo, precisamos nos dar momentos de silêncio e reflexão. Para mim, isso significava poder pensar sobre determinado desafio e examinar todas as possíveis abordagens para resolvê-lo. Esse processo de ruminação pode ser altamente produtivo. Eu costumava dar longas caminhadas com meus cachorros, por exemplo. Isso me dava tempo para pensar.

Ramesh Srinivasan: Você observou que uma gama diversificada de experiências pode ajudar os líderes a desenvolver resiliência. Poderia compartilhar alguns exemplos de como isso funciona – na sua própria vida ou na vida de outros líderes com quem trabalhou?

Daniel Vasella: Um exemplo simples seria trabalhar em uma multinacional, onde se tem que viajar com certa frequência. Viver em culturas diferentes, com crenças e idiomas diferentes, tende a abrir nossa mente. Mesmo quando voltamos para casa, isso nos ajuda a redescobrir nosso próprio país.

Este é um exemplo corporativo, mas há também o exemplo de pessoas que se consagram a alguma área ou setor e vão adquirindo conhecimentos e capacidades especiais que lhes conferem uma sólida base profissional. Sobre essa base, elas podem então agregar novas funções, novas geografias. Por fim, todos nós podemos nos tornar mais inovadores ou criativos se buscarmos alternativas em que não havíamos pensado antes.

Mas há também o outro lado da moeda. Se mudamos demais de função ou empresa, acabamos não nos especializando tanto em um campo ou organização quanto gostaríamos. É importante perceber que, em qualquer carreira, não é possível ter tudo. Por isso fazemos escolhas – algumas planejadas e outras não planejadas.

Ramesh Srinivasan: Falamos muito sobre empatia em nosso livro sobre liderança. Por que é tão importante que os líderes a desenvolvam e como podem utilizá-la para promover a cultura e o bom desempenho?

Daniel Vasella: A empatia é essencial para o aprendizado. Também precisamos dela em momentos muito específicos. Por exemplo, quando estamos diante de um colega que acabou de perder um filho ou cônjuge, ou que sofreu um acidente. Nesses momentos, uma compreensão emocional do que está acontecendo na vida do outro nos ajudará a lidar com a situação de maneira mais profunda e solidária. O importante é simplesmente sermos humanos.

Algumas pessoas têm mais empatia que outras. Tendo a acreditar que elas sofreram mais na vida ou tiveram mais experiências de sofrimento, e por isso são capazes de imaginar o que se passa no interior da organização ou, mais especificamente, no interior de um ser humano.

Também podemos sentir empatia e, ao agir, optar por não expressá-la (ou talvez não demonstrá-la) porque acreditamos, por variados motivos, que não é apropriada em determinada situação. Às vezes, precisamos dar uma má notícia a alguém (e isso aconteceu comigo com frequência); podemos sentir empatia, podemos imaginar o quão difícil está sendo para a pessoa, mas ainda assim temos que fazê-lo. Em minha profissão anterior como médico, havia ocasiões em que precisava comunicar diagnósticos desfavoráveis aos pacientes. É sempre uma tarefa árdua.

No contexto organizacional, talvez tenhamos de dizer a alguém que seu emprego será eliminado em uma reestruturação. É preciso transmitir essa informação levando em conta os sentimentos da pessoa. Por outro lado, nosso sentimento de empatia não pode nos levar a perder a capacidade de agir. Acho que, de modo geral, os CEOs precisam entender que agir com empatia, seja em circunstâncias rotineiras ou em crises, cria conexões que fortalecerão a organização.

Ramesh Srinivasan: Vamos falar um pouco sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Você acredita que as pessoas estão se tornando menos workaholics, especialmente as gerações mais jovens que estão ingressando agora na força de trabalho?

Daniel Vasella: Acredito que, em certa medida, as coisas mudaram. Embora todos os jovens trabalhem duro, tendem a não acreditar que esta seja a melhor maneira de viverem suas vidas. Eles estão muito mais interessados em equilibrar trabalho, vida e vida profissional.

Minha experiência foi muito diferente. Como médico, estava subentendido que tínhamos que trabalhar sempre precisassem de nós. Trabalhávamos o turno diurno, o turno noturno, um dia inteiro sem pausas. Ninguém questionava isso. Mas as coisas mudaram. Pelo menos na Suíça, as regras dos hospitais mudaram.

No caso dos meus filhos, por exemplo, eles sempre me dizem que suas vidas não consistem apenas em trabalhar. Eles querem ter seus hobbies. No começo, achei meio difícil entender, para ser franco.

Meu filho mais velho acaba de ser aceito em um programa avançado de cirurgia reconstrutiva. No entanto, decidiu que quer parar de trabalhar por alguns meses antes de começar. Quando me contou seu plano de tirar um ano sabático, imediatamente perguntei: “Um ano sabático? Por quê?” Ele explicou que talvez fosse a única oportunidade para fazer uma pausa entre dois empregos extremamente exigentes. É algo que eu provavelmente jamais faria, mas acabei percebendo que sua decisão foi acertada.

Posso ver que estas são mudanças positivas, que permitirão que pessoas aprendam com experiências e circunstâncias mais variadas. E isso as ajudará a construir uma carreira sustentável, ainda mais agora que vivemos vidas mais longas e saudáveis. Acho que essa tendência dos jovens de fazerem pausas, buscarem um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, tentarem caminhos diferentes, são mudanças bem-vindas.

Ramesh Srinivasan: Quais recomendações você faria aos CEOs que hoje precisam gerenciar uma organização moderna em meio a tantas demandas e tantos stakeholders?

Daniel Vasella: Primeiro, meu conselho é que aprendam a sentir prazer no que fazem. Ser CEO é o melhor emprego que alguém pode ter. É um trabalho maravilhoso, mesmo com todos os desafios e pontos negativos.

Meu outro conselho refere-se ao treinamento contínuo. No passado, o coaching era visto como um recurso a que um líder poderia recorrer caso algo tivesse dado muito errado. Não mais. Ter conversas produtivas com alguém de fora da empresa é sempre valioso. Vejo isso em muitas organizações em que todos os altos executivos têm seu coach.

Isso é parte de uma concepção geral de legitimação da ajuda. Hoje os líderes podem ter um instrutor de ioga ou um terapeuta. Essas mudanças refletem o quanto a noção de liderança está evoluindo, afastando-se do tipo clássico de líder autoritário para uma abordagem mais colaborativa. A maioria reconhece que todos nós só temos a ganhar se pudermos contar com ajuda e suporte. Essa mudança também está alinhada com o modo como a Geração Z vê a liderança e a sua possível evolução futura.

Ramesh Srinivasan: Você falou sobre a importância de sentir prazer na competição e no exercício da função de CEO. Essa satisfação esteve presente desde o início de sua carreira ou foi algo que você foi aprendendo a sentir ao longo do tempo?

Daniel Vasella: Foi algo que senti desde o início, mesmo em cargos anteriores, quando ainda não era CEO.

Como chefe de desenvolvimento, por exemplo, eu achava divertido e desafiador acelerar o lançamento de novos produtos no mercado. A mesma sensação permaneceu comigo à medida que eu subia na hierarquia.

Hoje, no coaching que ofereço para CEOs, estabelecemos relações individualizadas de confiança que duram meses e, muitas vezes, anos. Vejo que as pessoas muito talentosas têm prazer na maioria dos aspectos do seu trabalho, mesmo que haja alguns elementos que as incomodam. Na verdade, os maiores desafios não dizem respeito a estratégia ou questões financeiras; muitas vezes, tudo se resume a relacionamentos pessoais – lidar com um membro da equipe que tenha uma personalidade difícil, ou saber como e quando confrontar alguém.

Ter prazer no trabalho é um conceito extremamente importante. Durante os Jogos Olímpicos deste verão, vimos como a ginasta americana Simone Biles superou desafios. O fato de ter enfrentado e superado obstáculos deve ter tornado suas medalhas muito mais prazerosas.

Para CEOs, o que gera satisfação? O que os faz querer permanecer no cargo e melhorar suas organizações? Estas são perguntas essenciais. Eu diria que a resposta é uma mistura dos elementos que discutimos: articular um propósito comum em torno do qual a organização possa se unir; entender quem somos e o que nos motiva, para que possamos entender como liderar os outros; confiar na família e em amigos, colegas e coaches para ouvir suas opiniões e obter seu apoio; sentir empatia pelos outros; e pedir ajuda quando for preciso. E, por fim, saber que às vezes perderemos. Porém, se nunca perdêssemos, o jogo não seria tão interessante, não é?

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