Como a Ventas utilizou machine learning e IA para criar um plano de emissões zero

Observação: Nós nos empenhamos ao máximo para manter o espírito e as nuances originais de nossos artigos. Porém, pedimos desculpas desde já por quaisquer erros de tradução que você venha a notar. Seu feedback é bem-vindo através do e-mail reader_input@mckinsey.com

A Ventas, Inc., empresa da S&P 500, é um fundo de investimento imobiliário (REIT, real estate investment trust) que ocupa uma posição essencial na economia da longevidade. Com cerca de 1.400 imóveis nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, seu portfólio atende a uma grande e crescente população de idosos. Seus ativos incluem comunidades residenciais para a terceira idade, edifícios médicos ambulatoriais, centros de pesquisa e unidades de serviços de saúde. Em 2022, a Ventas deu um passo ousado para atingir suas metas de sustentabilidade e comprometeu-se a zerar até 2040 as emissões de carbono de suas operações (Escopos 1 e 2).

Mais insights da McKinsey em português

Confira nossa coleção de artigos em português e assine nossa newsletter mensal em português.

Navegue pela coleção

A empresa adotou a abordagem inovadora de mapear trajetórias para que cada uma das propriedades sob seu controle operacional zere suas emissões líquidas de carbono (isto é, alcance o net zero). Valendo-se do poder da inteligência artificial (mais especificamente, uma forma avançada de machine learning) e de modelos baseados na física, elaborou quase 800 roadmaps. Esses planos esquemáticos de construção e manutenção de imóveis visam orientar os construtores, etapa por etapa, ao longo dos próximos 17 anos, e incluem estimativas dos custos e economias operacionais resultantes do uso reduzido de energia. Mesmo sem considerar os benefícios de marketing e o impacto ambiental positivo dessas melhorias na construção civil, as economias operacionais decorrentes do aumento da eficiência energética provavelmente superarão por larga margem os custos de implementação.

Brodie Boland, da McKinsey, conversou com Kelly Meissner, vice-presidente de ESG corporativo e sustentabilidade da Ventas, sobre por que a empresa definiu essa meta, como ela criou planos para cada imóvel e o que será necessário para completar a implementação.

Esta entrevista foi editada para maior clareza e concisão.

Brodie Boland: Em março de 2022, a Ventas anunciou o compromisso de zerar as emissões líquidas de carbono de suas operações até 2040, excedendo a meta anterior de reduzir as emissões absolutas de carbono em 30% até 2030. O que a levou a firmar esse compromisso?

Kelly Meissner: Foi a confluência de vários fatores. Muitos dos nossos investidores estão preocupados com a descarbonização, os riscos correlatos e as implicações para o valor aos acionistas no longo prazo. Internamente, estávamos trabalhando com um conjunto de metas alinhadas com o Acordo de Paris, mas quisemos ampliar nossa ambição. Acreditamos que somos líderes em sustentabilidade no setor imobiliário e queremos manter essa posição, pois sabemos que ela gera valor para nossos acionistas.

Queríamos entender como um portfólio com o tamanho e a escala do nosso poderia chegar ao net zero de forma econômica. Com base em modelagem própria, julgamos que seja possível zerar as emissões operacionais (Escopos 1 e 2) até 2040. Felizmente, pudemos contar com um conjunto de dados bastante robusto sobre nossas emissões de Escopo 1 e 2, que fomos construindo ao longo de vários anos, e que hoje é composto por mais de 90% de dados reais. Assim, nosso modelo exigiu pouquíssimas estimativas.

A justificativa por trás é irretorquível: trata-se, em suma, de gerar valor em nosso portfólio. Nossas análises mostraram que zerar as emissões líquidas de carbono das operações resultará em custos menores de energia e manutenção, ativos mais resilientes, melhor qualidade do ar e maior conforto para os moradores – além de atrair e reter mais inquilinos e residentes. O Conselho deu todo o seu apoio e anunciamos nossa meta logo depois.

Brodie Boland: A abordagem tradicional para descarbonizar um imóvel é enviar um engenheiro para avaliar suas condições, recomendar medidas para aumentar a eficiência e sugerir algumas fontes de energia renováveis que possam ser utilizadas. Considerando que vocês possuem muitos imóveis, essa abordagem tradicional é um tanto restritiva. Como vocês elaboraram seus planos de descarbonização?

Kelly Meissner: Quando começamos, tínhamos cerca de 800 propriedades sob nosso controle operacional, o que estava dentro do escopo da nossa meta. Se adotássemos métodos tradicionais, levaríamos anos e incorreríamos em custos significativos realizando análises profundas da descarbonização individual de cada imóvel. (Nossos imóveis, a propósito, são administrados por cerca de 50 operadores diferentes.) Portanto, já sabíamos que teríamos de adotar uma abordagem inovadora, baseada em dados, para definir trajetórias de net zero para cada um de nossos ativos.

A questão era urgente, pois todos os anos investimos em nosso portfólio de imóveis um volume significativo de capital em sistemas de aquecimento, ventilação e refrigeração, aquecedores de água, telhados e outros materiais e equipamentos que consomem energia. A cada ano que passa sem a descarbonização dessa reposição rotineira de materiais e equipamentos, perdemos oportunidades, além de aumentarmos nossos riscos regulatórios, dada a proliferação de padrões compulsórios municipais e estaduais de desempenho energético. Portanto, queríamos começar o quanto antes.

Sabíamos quais são os princípios básicos: precisávamos descarbonizar nossos imóveis por meio da eletrificação e da eficiência energética, e toda a eletricidade precisaria vir de fontes 100% renováveis. Mas a grande dúvida era: “Como traduzir isso em termos de equipamentos e técnicas de construção de uma maneira que nossos operadores possam executar?”

Brodie Boland: O que vocês fizeram no final?

Kelly Meissner: Decidimos adotar uma abordagem primordialmente tecnológica. Utilizamos uma ferramenta capaz de criar planos específicos e detalhados para cada um de nossos 800 imóveis. Como fontes de dados, a ferramenta utilizou imagens de satélites, informações sobre radiação solar, as condições do solo, dados climáticos e modelos de energia de cerca de um milhão de edifícios. Em seguida, agregamos em cima disso os dados de que dispúnhamos sobre os nossos imóveis. Para alguns deles, realizamos auditorias de energia, obtendo grande volume de dados, mas para a maioria apenas indicamos o tamanho e tipo da construção e as últimas contas das concessionárias de serviços públicos.

A partir disso, a ferramenta aplicou um algoritmo de machine learning para fazer duas coisas: primeiro, produzir o equivalente a uma auditoria energética completa de cada edifício; segundo, descrever detalhadamente como cada edifício poderia atingir as metas que havíamos estabelecido, discriminando cada etapa para cada imóvel, o custo dessas etapas e a energia que seria economizada em cada uma.

O resultado foi que, em um período muito curto de tempo, tínhamos em mãos roadmaps detalhados para cada um dos nossos imóveis e pudemos facilmente incorporá-los a uma visão mais geral do portfólio inteiro. Foi rápido, foi econômico, foi ótimo. Mas, mais importante, o modelo de machine learning dessa ferramenta permitiu que experimentássemos muitos roadmaps diferentes em cada imóvel – e no portfólio como um todo – até atingirmos o resultado financeiro ideal.

Brodie Boland: Quanto tempo levou para vocês elaborarem os planos preliminares? E, após tê-los em mãos, quais foram os passos seguintes?

Kelly Meissner: Levou menos de oito semanas para que essa abordagem analítica avançada preparasse 800 roadmaps específicos para cada imóvel na primavera de 2023. Foi realmente incrível. Mas esses roteiros esquemáticos são apenas parte da solução; a outra parte crítica é convertê-los em ações e, por fim, integrá-los aos nossos processos cotidianos de planejamento e despesas de capital.

Consequentemente, depois que obtivemos esses roadmaps, havia muito trabalho de convívio humano pela frente, tanto no nível executivo como entre o pessoal operacional. Organizamos webinars com os operadores para explicar-lhes como os roadmaps haviam sido desenvolvidos, compartilhando alguns exemplos, solicitando feedback e indicando como poderiam contribuir com informações para o planejamento de capital dali para frente. Tudo isso implica uma vigorosa gestão de mudanças em conjunto com nossos operadores e administradores de imóveis. Mas, evidentemente, tínhamos a vantagem de havermos sido transparentes quando os incentivamos a participar do processo desde os estágios iniciais. E, é claro, continuaremos colaborando ao longo de toda a execução dos roadmaps.

Brodie Boland: É compreensível que vocês tenham precisado de planos que comunicassem claramente todas as etapas que os operadores de construção deveriam seguir. Quais fatores foram mais importantes para a equipe executiva?

Kelly Meissner: Nossa equipe executiva logo entendeu os benefícios potenciais do compromisso com o net zero. No entanto, como uma empresa de capital aberto, nosso foco principal é entregar valor para nossos acionistas. Esta é a perspectiva pela qual todas as iniciativas são vistas e avaliadas. Nossa equipe executiva precisou ouvir em detalhes o caso de negócio da abordagem que estávamos sugerindo, incluindo os custos de abordagens alternativas. Eles queriam ter uma noção clara do que estávamos efetivamente recebendo em troca desses dólares incrementais. Em outras palavras, queriam saber qual era o benefício para os acionistas.

Como todas essas informações são incorporadas aos roadmaps, pudemos mostrar os custos e benefícios de cada ação e indicar claramente o valor que seria gerado no longo prazo por nossa abordagem holística coordenada.

Brodie Boland: Gostaria de aprofundar um pouco a questão da gestão das mudanças. Além dos construtores, quais são os demais stakeholders? E quais problemas podem atrasar o processo todo – mesmo quando já se tem os roadmaps em mãos — caso a questão da implementação não seja resolvida proativamente?

Kelly Meissner: É muito importante lembrar que esse processo exige engajamento em todo o nosso leque de operações. Minha equipe colabora com nossos parceiros operacionais, executivos, equipes de gestão de ativos, equipes de planejamento e análise financeira, equipes de contabilidade e equipes de engenharia civil. Todos estão a par dos roadmaps e todos estão cientes da importância deles e de como estão sendo incorporados a nossas operações do dia a dia.

Brodie Boland: O que fica claro nessa conversa é que, embora vocês tenham se beneficiado da magnitude, rapidez e complexidade do machine learning na elaboração do plano, existe também um processo essencialmente humano que precisa ocorrer em seguida. O que outras empresas imobiliárias devem ter em mente quando quiserem implementar uma abordagem otimizada para chegar ao net zero?

Kelly Meissner: A implementação exige que avaliemos tudo a partir das perspectivas dos diferentes stakeholders a fim de tentar garantir que estamos comunicando, recomunicando e comunicando novamente o que queremos realizar e por quê. É um processo ininterrupto.

Mas agora que já temos os roadmaps de descarbonização, todos – desde nossos construtores locais até nossa equipe interna – estão alinhados com o plano. Ou seja, o plano foi integrado ao nosso planejamento de capital e ao modo como pensamos sobre as coisas – por exemplo, reposições de telhados e equipamentos – e já podemos agora nos concentrar em colocá-lo em prática.

Creio que estamos definindo um modelo para como o setor imobiliário poderá descarbonizar em uma escala nunca vista antes. É um modelo para que todo o setor imobiliário comercial possa contribuir para o progresso ambiental de que tanto precisamos.

Explore a career with us