Como os Faróis do setor de manufatura estão obtendo o máximo valor da IA

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O primeiro artigo desta série explorou a evolução da IA e como os fabricantes líderes a vêm utilizando para redefinir a linha de frente do setor de manufatura. Ele analisou a aceleração da Quarta Revolução Industrial (4IR, na sigla em inglês), da aprendizagem à ação. Este segundo dos três artigos avalia o estado da IA na vanguarda da manufatura hoje. A parte final explorará as capacidades que os Faróis mais recentes desenvolveram de implantar a IA e outras tecnologias da 4IR com velocidade e em escala.

Os Faróis são os porta-estandartes das cadeias de manufatura e de suprimentos. E, cada vez mais, eles estão recorrendo à IA como motor de sua transformação no contexto da Indústria 4.0. Enquanto menos de 20% dos principais casos de uso das três primeiras ondas de adesão à Global Lighthouse Network (Rede Global de Faróis, em tradução livre) dependiam de tecnologias de IA, agora quase 60% dos principais casos de uso implementados pelos 21 Faróis mais novos anunciados em dezembro de 2023 empregam IA (Quadro 1). Isso não é de surpreender: nesta última coorte, apenas os casos de uso baseados em IA obtiveram resultados dignos de nota, entre eles um aumento de duas a três vezes na produtividade, uma melhoria de 50% nos níveis de serviço, uma redução de 99% nos defeitos e uma diminuição de 30% no consumo de energia.

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Os casos de uso baseados em IA ficam cada vez mais prevalentes a cada nova coorte de Faróis.

A CITIC Pacific Special Steel, fabricante chinesa de aços especiais, identificou dezenas de aplicações de IA em todo o seu processo de produção, o que lhe permitiu, entre outras coisas, prever o funcionamento interno de seus altos-fornos para otimizar os parâmetros do processo em tempo real, aumentar o rendimento (“throughput”) em 15% e reduzir o consumo de energia em 11%. A Agilent, fabricante alemã de equipamentos de ciências da vida, assetizou sua tecnologia de visão computacional na forma de um kit de ferramentas tão eficaz, que permitiu a implantação de cinco casos de uso de visão computacional distintos, os quais reduziram as taxas de defeitos em 49% em apenas quatro meses.

Essas tecnologias estão amadurecendo rapidamente, à medida que as empresas aumentam os intervalos de confiança das previsões e recomendações feitas por IA. Como a credibilidade desses modelos supera a confiança em planejadores ou operadores, fábricas como a unidade de panificação da Mondelēz em Pequim oferecem um vislumbre da situação na qual os trabalhadores da linha de frente são mais técnicos do que operadores de máquinas. Elas não só estão melhorando a produtividade duas vezes mais, como também vêm registrando uma redução de até 70% no desperdício e de 10% a 25% no consumo de energia.

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Se a rápida adoção de ferramentas de IA generativa (gen AI) nos setores bancário e de tecnologia serve de exemplo, é provável que, pelo menos para os Faróis, o impacto na escala das fábricas esteja prestes a chegar. Os alicerces de conhecimentos, habilidades e dados que os Faróis construíram ao passarem pelos pilotos de outras tecnologias da 4IR também serão importantes para a gen AI. Isso aconteceu com a ACG Capsules, fabricante terceirizado de produtos farmacêuticos da cidade indiana de Pithampur, que desenvolveu e implantou por completo um copiloto para fazer interface com procedimentos operacionais padrão (POPs) em menos de cinco semanas, obtendo uma redução de 40% no tempo médio de reparo (MTTR, na sigla em inglês) e, quando combinado com uma solução de treinamento baseada em realidade virtual, uma redução de quase 40% no tempo de integração de técnicos recém-chegados.

A IA vem avançando rapidamente em direção ao impacto e não para de acelerar. As empresas de manufatura não precisam mais refletir se é algo possível ou impactante. Os Faróis já provaram isso. O que elas precisam fazer é focar nos riscos, regulamentos e complexidades da implementação responsável da IA – tópico crucial que merece uma publicação à parte. Os Faróis não estão imunes a esses riscos e não têm sido excessivamente otimistas. Eles adotaram uma abordagem ponderada, assegurando que tivessem a expertise, os sistemas e a liderança necessários para obter os benefícios da IA com responsabilidade.

Em conjunto, os Faróis do grupo mais recente nos oferecem cinco insights sobre o estado da IA na vanguarda da manufatura (vide box “Os Faróis oferecem cinco insights sobre a adoção orientada por resultados da IA e da gen AI”) e sobre seu papel na Quarta Revolução Industrial (vide boxes “Por que a IA está dando forma à Quarta Revolução Industrial” e “O que é a IA generativa?”). Este artigo explorará cada insight em detalhes.

IA em todos os processos

Os primeiros pilotos de IA focaram em etapas individuais dos processos, nas quais o escopo era o menor, os riscos eram os mais baixos e as iterações eram as mais rápidas. Ainda hoje, mais de 80% dos casos de uso de IA dos Faróis também são executados no nível das etapas dos processos. O que é notável, no entanto, é que a IA está tendo um impacto significativo em todas as etapas do processo da cadeia de suprimentos, inclusive no planejamento, na gestão de ativos, na qualidade e na entrega.

A coorte mais recente de Faróis demonstra essa amplitude e diversidade. Um exemplo envolve o planejamento: a Ingrasys implantou um modelo de previsão de demanda por meio de IA que usa dados do passado para treinar o modelo; em apenas três anos, as mudanças aumentaram a precisão das previsões em 27%. Outro exemplo está relacionado à otimização de processos: a Hengtong Alpha Optic-Electric otimiza automaticamente os parâmetros de desenho e pré-forma com um modelo treinado em estratégias anteriores. Ainda outro se refere à qualidade: a VitrA Karo implantou visão computacional em seu forno, o que diminuiu a taxa de refugo em 68%. Um último exemplo diz respeito à entrega: a China Resources Building Materials Technology otimizou de forma adaptativa as rotas de equipamentos de transporte pesado para diminuir os prazos de coleta em 39% (Quadro 2).

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A IA está gerando impacto em todos os processos de toda a cadeia de valor.

Democratização da IA com a assetização

Atingir esses níveis de impacto – melhoria de 20%, 40% ou mesmo 60% nos KPIs (indicadores-chave de desempenho) críticos, como rendimento, qualidade e desempenho na entrega – requer que os Faróis promovam o ganho de escala para além dos pilotos e provas de conceito (POCs, na sigla em inglês) até a implementação completa de casos de uso em todas as máquinas e linhas de produção. Alguns seguiram sua própria jornada de quatro ou cinco anos para realizar pilotos, aprender e dar escala a novas tecnologias e casos de uso. Outros – como a CATL em Liyang, China; a Unilever em Sonepat, Índia; e a Johnson & Johnson em Xi’an, China – foram capazes de utilizar os aprendizados de outras unidades Faróis de sua empresa para projetar com vistas à escala desde o primeiro dia. Eles aplicaram IA avançada e outras tecnologias em vários processos, pulando a curva de aprendizagem íngreme que os primeiros Faróis não tiveram escolha a não ser superar.

Uma das maneiras pelas quais os Faróis de hoje passam pelos pilotos rapidamente é o foco estratégico na “assetização”, ou seja, a arte e a ciência de agrupar casos de uso visando à velocidade e escala de implantação. Outros setores também estão adotando essa abordagem: as empresas com alto desempenho em IA têm hoje uma probabilidade 1,6 vez maior do que as outras de criar aplicativos de IA usando programas low-code ou no-code emergentes, o que lhes permite acelerar ainda mais o processo desenvolvimento.1

Os Faróis já estão demonstrando como essa abordagem funciona no setor de manufatura. Eles estão se valendo dos princípios de design modular para garantir a interoperabilidade com a arquitetura de tecnologia existente. Vêm investindo em ferramentas de produtividade de implantação, como plataformas no-code para interfaces personalizáveis – e tirando proveito dessas ferramentas. E estão incluindo materiais digitais básicos de capacitação, como vídeos de passo a passo e POPs, nos pacotes de ativos que implantam, aos quais todos os usuários têm acesso. É assim que novos casos de uso e inovações digitais podem passar de ferramentas localizadas para ativos de toda a empresa, usadas em todas as unidades e adaptadas localmente.

A Agilent fez exatamente isso. Ela criou uma biblioteca interna, pronta para implementar, de soluções de IA destinadas a detectar anomalias e responder a desvios de processo, tomando ferramentas de visão computacional com conectores plug-in e unindo-as a sistemas de execução de manufatura e a software de teste, bem como agrupando-as com POPs, documentações do usuário e guias de treinamento para operadores. Essa democratização da tecnologia de visão computacional capacita os técnicos – e não apenas os engenheiros – a identificar, implantar e testar novos aplicativos de câmera e visão de ponta a ponta. Isso permitiu que a Agilent implantasse cinco novos aplicativos em 57 centros de trabalho e 16 linhas de produtos, obtendo uma redução de 49% na taxa de defeitos em menos de quatro meses.

No horizonte: centros de comando para automação no nível dos sistemas

As casas inteligentes não se baseiam apenas em séculos de melhoria progressiva no aquecimento, refrigeração, iluminação e outras tecnologias. Eles combinam tudo isso com controles inteligentes, gerenciando automaticamente a temperatura ambiente, controlando lareiras, ajustando persianas e obedecendo a comandos de voz para tocar as músicas perfeitas ou dar orientação sobre quando sair para pegar o metrô mais próximo. As fábricas inteligentes não são diferentes; seu impacto vem da inteligência semelhantemente centralizada, com melhores capacidades de tomada de decisões – e colocando seus humanos “acima” do circuito, e não “no” circuito.

Automação de processos cognitivos

Assim como as automações físicas, essas automações cognitivas vêm em etapas. No primeiro caso, elas aplicam inteligência para manter processos operacionais estáveis – por exemplo, usando IA para definir parâmetros de processos em tempo real. No segundo, elas identificam (corretamente) ações restaurativas – por exemplo, sugerindo uma ação corretiva para o baixo desempenho de uma máquina ou recomendando um ajuste de receita para compensar impurezas em um insumo – com humanos no circuito. Por fim, elas evoluem para operações completas e “autocurativas” de manufatura e cadeia de suprimentos, com os humanos acima do circuito.

A maioria dos Faróis já passou pelas duas primeiras etapas. Eles também estão acelerando em direção à terceira – a conquista tecnológica que escora o conceito de operações desassistidas (“lights-out operations”), com base no qual as fábricas alcançarão um novo patamar de melhorias na produtividade, na qualidade e nos níveis de serviço, e a nova linha de frente consistirá mais em técnicos com reforço (“augmentation”) do que nos operadores de hoje. Dois novos Faróis – a Mondelēz e a K-water – proporcionam uma visão dessa evolução (vide box “Centros de comando para automação cognitiva: dois casos”).

Treinamento com vistas à confiança

Para promover a verdadeira automação de decisões no nível dos sistemas, a IA não precisa apenas identificar ações corretivas – é imperativo que as recomendações sejam sempre corretas. Isso vale para todos os tipos de IA, inclusive a aplicada, a generativa e outras que estão no horizonte. Para abordarem isso, os Faróis estão priorizando o feedback de circuito fechado para melhorar seus modelos e aumentar os intervalos de confiança bem antes de entregarem o controle. Também estão integrando salvaguardas, mecanismos de monitoramento e supressões (“overrides”) para segurança contra riscos.

Existem diversas maneiras de promover a confiança nos modelos de IA – e os Faróis deste ano exibem várias delas. Os modelos são treinados regularmente em dados retroativos, comparando as previsões passadas com as decisões reais do operador e o desempenho do processo, e fazendo ajustes até que as taxas de precisão superem as dos humanos. Em outro caso, a simulação pode ajudar; técnicas avançadas, como gêmeos digitais e modelos de simulação baseados em IA, podem simular o impacto das ações recomendadas em métricas como disponibilidade de material, cumprimento dos requisitos do cliente e tempo de atividade das máquinas. Isso pode aumentar rapidamente a precisão da tomada cognitiva de decisões, com menor necessidade de experimentação. Em um terceiro caso, os modelos podem ser ativados em fases – primeiro para reforço de humanos (isto é, como auxílio a decisões) –, e suas decisões podem receber uma pontuação referente à probabilidade de serem as mesmas tomadas por um humano bem-informado. Os operadores podem, então, votar nas recomendações, como níveis de reabastecimento de estoque ou ações específicas de manutenção, para treinar e melhorar os modelos dinamicamente até que estes ultrapassem o limite de probabilidade, estando prontos para uma automação verdadeira.

As inovações com gen AI estendem o impacto até a cadeia de valor

Prevê-se que a IA generativa adicionará entre US$ 2,6 trilhões e US$ 4,4 trilhões em valor anual2 à economia global – sendo que quase um quarto poderá ser obtido por meio de melhorias de até 100% na produtividade e de quase 70% na automação de tarefas em atividades relacionadas à manufatura e à cadeia de suprimentos, tudo isso impulsionado principalmente por novas capacidades de geração de conteúdo, extração de insights e interação com usuários (vide box “A gen AI e o projeto de engenharia: uma hipótese”).3

Estamos buscando usar a IA generativa para ajudar engenheiros novatos a aprender rapidamente essas regras básicas. Será que podemos ajudar engenheiros e profissionais com formação universitária, depois de meio ano aprendendo a usar a ferramenta [de gen AI], a se tornar projetistas independentes?

Ni Jun, diretor de manufatura da CATL e professor da Universidade de Xangai; fonte: Lighthouses Live 2023

Os Faróis viram esse potencial e estão levando a gen AI a áreas nas quais os dados são mais desestruturados. Entre elas estão as áreas de desenvolvimento de produtos e atividades relacionadas a procurement, como na visão de Ni Jun referente ao auxílio a projeto, capacitação de pessoal com auxílio a técnicos, chatbots de instrução de POPs e treinadores personalizados, e na implementação de tecnologia com casos de uso como copilotos de desenvolvimento de software – uma das implementações mais comuns da gen AI.

Esses tipos de casos de uso podem permitir que transformações digitais robustas aconteçam mais rapidamente do que no prazo de dois a três anos considerado ideal de acordo com o pensamento convencional. Assim, não é de admirar que 100% dos novos Faróis – conhecidos por desejarem a velocidade e a escala da Indústria 4.0 – tenham pelo menos um piloto de gen AI em andamento; alguns têm mais de cinco.

Seguindo rapidamente para além dos pilotos também em gen AI

Em 2019, quando os casos de uso de IA aplicada eram predominantemente pilotos e POCs, muitas fábricas ainda estavam construindo seus alicerces de dados e tecnologia, verificando quais novas habilidades suas forças de trabalho precisavam ter e desenvolvendo estratégias para uma implementação bem-sucedida. Na época, a liderança exercida pelos Faróis consistia em levar novos casos de uso a gerar impacto real, mesmo depois de, possivelmente, muitos pilotos. Avanço rápido para hoje: os Faróis estão ainda mais à frente e, às vezes, simplesmente pulam os pilotos. Aliás, o tempo que os novos Faróis levam para implementar novos casos de uso de IA caiu quase 25% em comparação com as coortes anteriores. Isso significa que a linha de partida de tecnologias emergentes como a gen AI está muito mais à frente do que a da IA aplicada cinco anos atrás.

A ACG Capsules é um excelente exemplo de implantação acelerada de gen AI. Buscando atender às necessidades, em processo de mudança, de conjuntos de habilidades dos funcionários de manufatura, a empresa desenvolveu e implantou em apenas duas semanas um assistente de gen AI para fazer interface com POPs e políticas.

Em meras cinco semanas, depois de alguma aprendizagem por transferência, além de ajustes finos, o assistente de gen AI já estava sendo usado por quase três quartos dos operadores e técnicos para fundamentar as ações de manutenção e conformidade. Como consequência, a ACG registrou uma redução de 40% no MTTR e no tempo de inatividade não planejado.


As unidades de produção dos Faróis ressaltam o potencial da IA na manufatura, e essas empresas estão tirando proveito da vantagem que desenvolveram. Para recuperarem o atraso, os seguidores rápidos precisarão fazer movimentos ágeis e criteriosos para corrigir deficiências críticas – não apenas tecnológicas, mas também estratégicas e humanas. Não há tempo a perder.

Para obter mais informações sobre o relatório completo do Fórum Econômico Mundial no qual este artigo se baseia, vide Global Lighthouse Network: Adopting AI at speed and scale, Fórum Econômico Mundial, dezembro de 2023.

No artigo final desta série, exploraremos os seis recursos que os Faróis desenvolveram para implantar a IA com velocidade e em escala.

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