A pressão sobre os lucros dos varejistas nunca foi tão intensa. Enquanto alguns se esforçam a duras penas para extrair valor, os melhores já estão tomando a dianteira (Quadro 1). Ficarão para trás aqueles que se contentarem com os alvos mais fáceis ao combaterem as turbulências do setor, pois tentaram resolver seus problemas operacionais com soluções pontuais de efeito limitado. Os varejistas que realmente quiserem proteger suas margens e conquistar vantagem competitiva terão de adotar uma abordagem transformadora mais radical e mais abrangente.
Mais insights da McKinsey em português
Confira nossa coleção de artigos em português e assine nossa newsletter mensal em português.
Excelência e2e (end-to-end: de ponta a ponta) significa uma mudança paradigmática de mentalidade, mas funciona também como um manual de operações. Quando se busca resolver os problemas operacionais mais complexos do varejo, como a excelência e2e propõe, tratar o negócio “como um todo” é não só desejável, mas também um imperativo estratégico crucial para os varejistas, um modo de operar capaz de transformar suas operações e preservar a rentabilidade em um cenário econômico desafiador. Por que, então, todos os varejistas não adotam esse novo paradigma? Porque aplicar os princípios da excelência e2e às operações de varejo exige desmontar os silos da empresa que teimam em permanecer isolados, tanto funcional como metaforicamente. É uma tarefa hercúlea.
Para atingirem a excelência e2e, os varejistas precisam formar equipes multifuncionais, prover essas equipes com informações, ferramentas e tecnologias apropriadas utilizáveis em todas as funções, e comunicar uma missão compartilhada. As vantagens comerciais disso são incontestáveis: segundo nossa pesquisa, os varejistas que implementam soluções isoladas em cada função geralmente conseguem reduzir os custos em 5% a 10%, ao passo que uma transformação e2e gera uma redução de custos 10% a 15%, além de melhorar a experiência do cliente simplificando as operações.
Neste artigo, descrevemos três tipos de transformações e2e na cadeia de valor do varejo e identificamos algumas medidas que os varejistas podem implementar para tornar esse imperativo estratégico uma realidade.
Três problemas, três transformações e2e
Para alcançarem a excelência e2e na empresa como um todo, os varejistas devem começar atacando seus problemas mais difíceis com a adoção de princípios e2e em áreas específicas. Os três exemplos de transformação a seguir – melhorar a taxa de disponibilidade em estoque,1 otimizar a rede e conter o volume de devoluções – são questões multifacetadas para as quais não existe uma solução única. Também afetam vários pontos da cadeia de valor do varejo, desde fornecedores até clientes, o que faz com que sejam os candidatos ideais para uma transformação e2e.
Melhorar a taxa de disponibilidade em estoque
Durante o auge da disrupção no fornecimento provocada pela pandemia de COVID-19 em todo o mundo, produtos fora de estoque se tornaram uma dor de cabeça constante para clientes, varejistas e fornecedores. Oscilações na oferta global criaram um pronunciado “efeito ioiô”: lojas de artigos variados dos Estados Unidos, por exemplo, sofreram não só uma redução de estoque de quase 15%, mas também um aumento de 50% em seu estoque excedente – tudo isso em apenas um ano. Passados quatro anos, as prateleiras das lojas ainda têm espaços vazios que revelam escassez de produtos. Hoje, porém, as causas-raiz são mais variadas do que nunca e abrangem múltiplas funções. Os varejistas não podem culpar apenas a cadeia de suprimentos global, nem esperar que as equipes das lojas resolvam sozinhas os problemas de falta de estoque.
Certo varejista tentou resolver esse problema construindo uma minuciosa árvore de causas-raiz para monitorar produtos fora de estoque desde os fornecedores até as prateleiras das lojas (Tabela). Esse varejista conduziu essa análise item por item ao longo de toda a cadeia de valor para identificar os fatores que provocaram a escassez de cada SKU [unidade de manutenção de estoque].
Tabela
Cada função teve um papel crítico para melhorar a taxa de disponibilidade em estoque desse varejista. O pessoal de comercialização trabalhou de perto com as equipes da cadeia de suprimentos para otimizar o cronograma do plano de compras, o pessoal da cadeia de suprimentos trabalhou de perto com as equipes das lojas para aumentar a precisão da seleção de produtos para expedição [outbound pick] e melhorar os cronogramas de entrega, e as equipes das lojas trabalharam de perto com o pessoal de TI e de comércio eletrônico na implantação dos sistemas de monitoramento das prateleiras que as alertam quando é necessário repor produtos nas prateleiras ao longo do dia.
Ao identificar de quais maneiras específicas cada função pode impactar a taxa de disponibilidade em estoque, o varejista foi capaz de determinar os processos que precisavam ser aprimorados. Em nossa experiência, o aumento de um ponto percentual na taxa de disponibilidade em estoque (antes de qualquer substituição de produtos) pode gerar um incremento de 20 a 35 pontos-base nas vendas. Além disso, melhorar a taxa de disponibilidade em estoque aumenta comprovadamente a satisfação e a fidelidade do cliente, pois permite que os funcionários dediquem mais tempo a tarefas de atendimento direto em vez de ficarem caçando produtos nos depósitos. Isso pode também melhorar o estado de ânimo dos trabalhadores.
Otimizar o desenho da rede
Em geral, os varejistas avaliam a cada ano ou trimestre o desenho de suas redes de lojas e centros de distribuição para decidir onde investir em capacidade ou como ajustar o aluguel de imóveis subutilizados. Para tanto, costumam compilar informações de alto nível de toda a organização, como previsões de crescimento das vendas e planos de inaugurações e fechamentos de lojas. No entanto, os softwares de modelagem utilizados por muitos deles tendem a ser limitados, pois só conseguem processar dados relativos à otimização da cadeia de suprimentos de um único canal – por exemplo, apenas lojas físicas ou apenas e-commerce. Nossa experiência mostra que é possível extrair mais valor quando os varejistas consideram dados de todos os canais sobre a otimização da rede.
Certo varejista foi além da abordagem tradicional e aplicou princípios e2e à otimização da sua rede. Formou uma equipe multifuncional composta por líderes de comercialização, da cadeia de suprimentos e de finanças. A equipe reuniu informações das funções relevantes: por exemplo, o pessoal de comercialização apresentou dados sobre segmentação de produtos para ajudar a determinar o mix ideal de produtos em cada centro de distribuição, o departamento financeiro ofereceu previsões granulares de crescimento para ajudar a identificar onde seria preciso aumentar a capacidade física, e os funcionários das lojas forneceram estimativas detalhadas sobre mão de obra, o que permitiu entender melhor os custos de novas lojas e do centro de distribuição.
A inserção de todas essas informações em uma ferramenta customizável (desenvolvida para criar um software de modelagem mais avançado do que as opções prontas para uso) produziu resultados mais sofisticados. Além disso, o varejista também utilizou advanced analytics e gêmeos digitais para criar modelos do estado futuro ideal da rede, obtendo cerca de 20 cenários do tipo “e se…” para avaliação em diversos canais. (Alguns dos cenários envolviam situações hipotéticas como: “E se o mesmo centro de distribuição preenchesse tanto os pedidos de calçados como os de vestuário?” ou “E se montássemos um centro de distribuição nessa nova região?”) No caso dos pedidos online, a transformação e2e implementada cortou um dia inteiro do tempo entre o clique de compra e a entrega do produto – e reduziu em 10% os custos operacionais de ponta a ponta da cadeia de suprimentos.
Conter o número de devoluções
Devoluções são um dos problemas mais urgentes – e mais dispendiosos – que os varejistas de e-commerce e de moda enfrentam. Em 2023, os consumidores dos EUA devolveram 14,5% das vendas no varejo, totalizando impressionantes $743 bilhões em mercadorias devolvidas. (A taxa de devolução foi ainda maior nas vendas online: 17,6%.)
Varejistas que implementam soluções pontuais para conter o número de devoluções geralmente alcançam apenas melhorias incrementais – ou, pior, veem uma explosão dos custos em outras partes da organização. Por exemplo, certo varejista reduziu a janela de devoluções em 15 dias visando acelerar o giro do estoque. No entanto, embora tenha conseguido que os clientes devolvessem os itens menos dias após a compra, a empresa enfrentou uma onda de reclamações contra a nova política. O aumento no volume de chamadas ao call center resultou em custos mais altos, e a queda da satisfação dos clientes provocou uma queda das receitas. No final, o varejista acabou voltando à política antiga.
Ações pontuais como estas não levam em conta consequências indesejadas ao longo da cadeia de valor e são agravadas pelo número elevado de handoffs2 entre funções (Quadro 2). Em qualquer processo de varejo, quanto mais handoffs, mais oportunidades para as coisas darem errado.
Vejamos como outro varejista lidou com o problema das devoluções utilizando uma abordagem e2e. Primeiro, esse varejista reuniu uma equipe multifuncional de líderes de áreas como comercialização e logística reversa para avaliar a situação atual das devoluções. A equipe entrevistou os vários stakeholders e definiu os handoffs entre funções para criar um mapa da logística reversa do processo.
Ao mapear o processo de devoluções, a equipe identificou cinco áreas em que informações eram compartilhadas no sistema, sete handoffs entre funções e vinte pontos de disrupção no processo que geravam um afluxo de devoluções e um acúmulo de mercadorias devolvidas no centro de distribuição. A equipe então elaborou uma solução para cada ponto de disrupção, priorizando soluções rápidas (por exemplo, automatizar a aprovação de devoluções). Com isso, o varejista triplicou a velocidade de destinação de estoque3 – que várias funções já entendiam e a partir da qual eram avaliadas. Essa abordagem também ajudou a impulsionar as vendas futuras, liberando 60% do capital que, de outra forma, ficaria preso em estoque morto.
A abordagem e2e não só melhorou imediatamente os KPIs, como também contribuiu para decisões operacionais que permitiram preservar esses ganhos no longo prazo. Durante a fase seguinte de negociações com fornecedores, as equipes de comercialização do varejista adicionaram novas cláusulas à política de devolução com base no exercício de mapeamento das devoluções que haviam realizado. Isso permitiu que a empresa recuperasse valor dos itens devolvidos e, ao mesmo tempo, otimizasse a experiência do cliente. Por sua vez, as equipes de experiência do cliente introduziram mudanças piloto no método de devolução para testar as reações do consumidor. E o varejista ainda desenvolveu um sistema de alerta automatizado para substituir os handoffs manuais entre as equipes.
O que a excelência de ponta a ponta exige
Como demonstram esses estudos de casos de transformação, a excelência e2e é ao mesmo tempo um modelo operacional e uma mudança de mentalidade que permite aos varejistas atender melhor os clientes, aprimorar as operações e impulsionar o crescimento das receitas e dos lucros. Varejistas que almejam a excelência e2e conseguem encontrar “interstícios” de valor – isto é, valor que fica obscurecido ou é perdido devido a processos opacos ou a handoffs ineficientes entre as equipes. No setor varejista, o valor não provém apenas da soma das partes da empresa; decorre também de suas funções trabalharem bem juntas.
Para tornar a excelência e2e uma realidade, os varejistas devem empreender as seguintes ações:
Alinhar toda a organização com uma meta em comum
O primeiro passo rumo à excelência e2e é a liderança da empresa definir uma meta que todos possam compartilhar e atingir, e a partir da qual possam ser avaliados. Essa meta deve ser endossada pelo CEO e pelo diretor de operações, cuja adesão ajudará a eliminar obstáculos, fortalecer a tomada de decisões e criar uma mentalidade focada em soluções que se disseminará pelo restante da organização.
Para identificar essa meta, o varejista deve realizar uma avaliação holística de suas operações para entender onde estão as oportunidades e identificar as áreas em que as complexidades e os custos são maiores. Uma vez identificadas as oportunidades e2e, os líderes devem se alinhar em torno das respostas a duas perguntas adicionais. A primeira é: A organização deve se dedicar integralmente a resolver um problema multifuncional específico ou deve efetuar uma transformação de ponta a ponta que busque solucionar vários problemas em paralelo?
Um exemplo de meta compartilhada seria a disponibilidade de produtos nas prateleiras. Do ponto de vista do cliente, a única métrica que importa é se um item estará disponível na prateleira da loja quando quiser comprá-lo. Para tanto, o varejista poderá fixar uma meta de “presença nas prateleiras” para toda a empresa, em vez de metas separadas para os centros de distribuição e para as lojas.
Capacitar os líderes para se conectarem com todos na organização
A segunda pergunta, que costuma ser mais desafiadora do que decidir quais problemas abordar, é: Como organizar e capacitar a equipe e2e? Essa equipe deve ser formada por líderes com influência em todas as funções, que sejam profundos conhecedores de suas respectivas áreas e demonstrem uma atitude positiva. Sem esse tipo de liderança, o isolamento das funções e as hierarquias departamentais acabarão predominando, diminuindo a eficácia da transformação e2e. Estabelecer uma cadência regular de “war rooms” ou reuniões rápidas semanais [stand-ups] pode contribuir para manter os líderes trabalhando em sincronia. Além disso, essas equipes de liderança poderão convocar forças-tarefa adicionais com profunda experiência em problemas específicos e capazes de implementar novos processos com eficiência.
Visto que as transformações e2e são implementadas concomitantemente com as operações do dia a dia, os líderes de empresas varejistas devem abrir tempo e espaço para suas equipes equilibrarem as prioridades da transformação e2e com as suas tarefas cotidianas. Nos casos bem-sucedidos de transformação que presenciamos, os líderes permitiram que suas equipes dedicassem metade do tempo a projetos e2e e a outra metade às obrigações diárias. Isso assegura que os funcionários continuarão fazendo o que suas funções requerem (algo que não ocorre com equipes de transformação separadas) enquanto colaboram no projeto maior de transformação. Se isso não acontecer, a transformação e2e pode acabar ficando em segundo plano no longo prazo face a tarefas mais urgentes.
Priorizar a transparência dos dados
A transparência dos dados permite que os varejistas identifiquem as causas-raiz de problemas, quantifiquem impactos e priorizem soluções. Contudo, tornar os dados transparentes e acessíveis em uma organização varejista é também uma tarefa bastante difícil, especialmente se as principais funções adotarem uma visão míope do negócio e definirem métricas acanhadas de sucesso. Por exemplo, um estabelecimento poderá medir a taxa de preenchimento de pedidos de um centro de distribuição para certo subconjunto de fornecedores, mas ignorar a taxa total de preenchimento de todos os centros de distribuição para outros fornecedores. Esse tipo de visão em túnel pode levar a uma série de problemas, como desequilíbrios de estoque ou ineficiências de custo.
Para assegurar a transparência dos dados, os varejistas devem definir métricas multifuncionais de compreensão universal que possam ser adotadas por todas as funções e pelas quais prestarão contas (por exemplo, dias de estoque disponíveis, que tanto as funções da cadeia de suprimentos como as de comercialização precisariam entender.) Uma maneira de alcançar isso é “casar os dados” das diversas funções de varejo, o que normalmente requer a integração de múltiplos sistemas. No exemplo da taxa de disponibilidade em estoque, os varejistas precisariam casar a contagem do estoque do centro de distribuição com a contagem do estoque perpétuo das lojas – uma cifra bastante variável – para que os centros de distribuição pudessem reabastecer as lojas com maior precisão. Os varejistas também precisarão conhecer como funcionam os handoffs de dados e as possíveis falhas ou problemas de tradução que ocorrem entre sistemas e equipes.
Implantar soluções de tecnologia avançada
Ferramentas de tecnologia avançada podem impulsionar a integração das unidades de negócio e assegurar que os novos processos sejam sustentáveis. Por exemplo, para melhorar a taxa de disponibilidade em estoque (sempre uma boa candidata a transformações e2e), ferramentas de advanced analytics poderão extrair dados do estoque perpétuo, de pontos de venda e de pedidos online para prever quando um item ficará fora de estoque, alertando as lojas para tomarem providências. A IA generativa, por sua vez, poderá analisar as reclamações feitas ao call center a fim de identificar problemas de entrega, enquanto algoritmos de machine learning aprimorarão as previsões de ponta a ponta de promoções complexas.
Uma transformação de ponta a ponta muda a forma como os varejistas aproveitam oportunidades de aumentar suas margens e promover a colaboração entre silos funcionais isolados – não apenas melhorando as operações comerciais, mas também criando um ambiente capaz de atrair os melhores talentos. Se combinarem metas claras e compartilhadas, a equipe certa e uma mentalidade holística que considere a empresa como um todo, os varejistas certamente estarão aptos a resolver problemas operacionais persistentes – e lançar os alicerces para o sucesso futuro.