Eletrificação do calor para descarbonizar a indústria

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Atualmente, 37% do consumo global de energia ocorre na indústria,1 inclusive em setores como o químico, o de manufatura e o de papel e celulose, e impressionantes dois terços do consumo de energia industrial são voltados à geração de calor. Isso significa que a demanda de calor industrial equivale a mais de 20% do consumo global de energia,2 sendo que a grande maioria disso – em torno de 80% – é gerada por combustíveis fósseis.

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Diante de metas climáticas cada vez mais rigorosas, muitos players da indústria veem a descarbonização do calor como um desafio que requer atenção urgente. No entanto, a disponibilidade insuficiente de tecnologias de custo e nível de maturidade razoáveis, o capital limitado e a relutância em arriscar esse capital podem limitar o número de players dispostos a investir na eletrificação do calor em grande escala.

De acordo com um relatório recente do McKinsey Global Institute, quase metade da redução das emissões de CO2 relacionadas à energia depende do enfrentamento de desafios físicos, inclusive por meio do uso de fontes alternativas de calor na produção de materiais industriais.3 O presente artigo ilustra o potencial da eletrificação do calor para descarbonizar a indústria, explorando casos de uso em diversos setores, bem como as tecnologias subjacentes que estão disponíveis atualmente e as que estarão nos próximos anos. Também apresenta cinco questões estratégicas para ajudar os fabricantes de equipamentos originais (OEMs, na sigla em inglês) a determinar qual abordagem é mais adequada para seu caso.

Visão geral da descarbonização e da eletrificação do calor

A transição para a neutralidade de carbono (“net zero”, em inglês) é um dos maiores desafios de nossos tempos. Mais de 5 mil empresas de diversas as regiões e setores estabeleceram metas de redução de emissões,4 e os órgãos reguladores vêm tomando medidas decisivas. Por exemplo, a União Europeia pretende reduzir as emissões em 55% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050.5 Para atingir essa meta, o cronograma de expansão da oferta de energia verde precisa ser acelerado. Contudo, a infraestrutura da rede elétrica tem dificuldade para acompanhar as crescentes intermitências do suprimento proveniente de fontes renováveis, sem mencionar a distribuição por redes de baixa ou média tensão, às quais a maioria das indústrias está ligada.

Felizmente, os países e as operadoras de rede da Europa já anunciaram um aumento dos investimentos em infraestrutura de energia para dar suporte às ambições de neutralidade de carbono, tanto para geradoras de energia verde quanto para consumidores de pequeno e grande porte. De fato, as tecnologias necessárias para viabilizar a eletrificação no segmento industrial e, portanto, reduzir as emissões, já estão disponíveis e podem ser integradas à infraestrutura existente.

Além disso, existem vários outros caminhos para a descarbonização, como o hidrogênio e a captura e armazenamento de carbono (CCS, na siga em inglês), embora essas opções exijam a construção de infraestrutura e investimentos significativos. Ao mesmo tempo, a eletrificação pode ter um valor presente líquido (VPL) positivo.6

Os diferentes verticais da indústria também têm níveis variados de potencial de descarbonização, de acordo com seus requisitos de temperatura (Quadro 1). Por exemplo, os processos de alta temperatura requerem fontes de energia confiáveis, bem como tecnologias comprovadas para manter a continuidade das operações. Por outro lado, alternativas técnicas à queima de gás natural são relativamente escassas hoje em dia. Assim, os casos de uso mais adequados estão na faixa de baixa a média temperatura, como vapor de processo e ar quente.

Em termos gerais, os setores de manufatura, de alimentos e bebidas e de agricultura e silvicultura são os mais dependentes de processos com calor de baixa temperatura (menos de 200°C). Em particular, os setores de manufatura e de alimentos e bebidas podem ter um potencial significativo de eletrificação no curto a médio prazo, com taxas de eletrificação de 62% e 44% da demanda total de energia, respectivamente, até 2030.7 Por sua vez, os requisitos de temperatura são os mais altos em casos de uso nos setores químico, de ferro e aço e de minerais não metálicos, todos os quais exigem uma grande proporção de calor de temperatura média e alta (acima de 200°C).

Globalmente, a oportunidade total de eletrificação dos setores é significativa. Nossas projeções mostram que aproximadamente 4 bilhões podem ser investidos de 2024 a 2030 somente na UE-27 mais o Reino Unido. Isso pressupõe a continuidade da atividade tanto nos setores de emissões reduzidas quanto nos de difícil descarbonização, os quais enfrentam maior pressão concorrencial e desafios financeiros ao investirem em eletrificação.

Tecnologias de eletrificação do calor: a opção de descarbonização industrial para o aqui e agora

As tecnologias de calor empregadas hoje se dividem em duas categorias: a das caldeiras e a dos fornos ou aquecedores de processo (vide Box “Temperatura do calor e tipos de equipamento”). As caldeiras são majoritariamente alimentadas por gás e dominam os níveis de baixa a média temperatura até 500°C para gerar vapor ou aquecer óleo térmico. Por outro lado, as temperaturas mais altas são atingidas direta ou indiretamente por meio de fornos ou aquecedores de processo.

Uma ampla gama de tecnologias maduras de eletrificação disponíveis hoje pode atender a determinadas aplicações de calor em diferentes faixas de temperatura e casos de uso. A título de exemplo, as bombas de calor podem cobrir temperaturas baixas (até 150°C), enquanto a tecnologia de recompressão mecânica de vapor (MVR, na sigla em inglês) pode cobrir temperaturas superiores a essa.8 As caldeiras elétricas podem cobrir as mesmas faixas de temperatura que as caldeiras a gás, abrangendo toda a faixa que vai até 500°C. Os aquecedores turbo e os de indução podem cobrir temperaturas que chegam a exceder 1.000°C, dependendo da configuração técnica.

Entre as opções de eletrificação (excluídas aplicações de alta temperatura em indústrias pesadas, como fornos elétricos a arco, fornos de craqueamento elétricos ou fornos de calcinação), nossas projeções mostram que cinco tecnologias principais – bombas de calor, aquecedores de indução, MVR, caldeiras elétricas e aquecedores turbo – podem atender a mais de 80% do mercado em todos os setores (Quadro 2). As características técnicas de cada uma delas são determinadas principalmente pelo nível de temperatura, pelos meios de saída e pela maturidade em escala industrial. Todas as tecnologias podem ser complementadas por sistemas de armazenamento de energia térmica que permitiriam a captura de eletricidade intermitente.

Aplicações de bombas de calor industriais já foram implementadas na indústria. Um setor compatível é o de alimentos e bebidas, no qual 40% da demanda de energia é destinada à geração de vapor,9 sendo que mais de 80% desse vapor é gerado atualmente por meio de caldeiras convencionais ou de energia elétrica e calor combinados.

Nesses casos, as bombas de calor são a tecnologia ideal para a descarbonização quando são competitivas em termos de custo e acessíveis do ponto de vista do capital. Esse é particularmente o caso dos setores em que predominam os processos de baixa temperatura. As cervejarias são um exemplo. Na produção de cerca de 500 mil hectolitros, são utilizados aproximadamente 7 gigawatts-hora (GWh) de energia para a geração de vapor na sala de brassagem (maceração, purificação e fervura) a até 120°C. Outros 2 GWh são necessários para o vapor no processo de fermentação (filtragem, desalcoolização e aquecimento de curta duração) a até 95°C. Por fim, a sala de engarrafamento requer cerca de 5 GWh por ano para limpeza, envase e pasteurização de garrafas, a temperaturas de até 70°C. Portanto, a geração de vapor em cervejarias pode ser totalmente descarbonizada nos dias de hoje com as tecnologias de bombas de calor industriais existentes e com sinergias substanciais entre os processos.

Juntamente com as tecnologias de calor descarbonizado a jusante em processos industriais, a oferta de infraestrutura de calor elétrico e de energias renováveis precisa ser desenvolvida significativamente. Por exemplo, um forno de craqueamento elétrico piloto na Europa com 25 megawatts (MW) de capacidade exigiria, teoricamente, cerca de 16 turbinas eólicas com capacidade de 5 MW cada (indicativo apenas da produção de energia, sem considerar as intermitências) e baterias para cobrir a produção intermitente de energias renováveis. Substituir um forno de craqueamento comum de tamanho industrial de aproximadamente 600 a 800 MW por uma versão elétrica movida a energias renováveis intermitentes exigiria uma potência duas ou três vezes maior. Além disso, de 20% a 30% do custo do projeto para melhorias na infraestrutura – como novos transformadores ou conexões com a rede, dependendo da localização do forno de craqueamento elétrico – deve ser incluído no cálculo e requer o apoio de parceiros de serviços públicos (locais) em processos de licenciamento às vezes demorados.

Para a parcela restante do mercado, a geração e a recuperação de calor requerem tecnologias como aquecedores resistivos, elevadores de pressão de vapor limpo ou pré-aquecedores de ar. Todas essas tecnologias precisarão ser aplicadas dentro do processo, e será necessário construir infraestrutura para respaldar o aumento de escala da tecnologia.

Olhando para o futuro, há inovação em andamento em tecnologias emergentes, como tochas de plasma – que estão na fase de P&D para aplicações de alta potência – e aquecedores de indução. Portanto, há um claro potencial para a adoção de tecnologias voltadas a eletrificar processos de alta temperatura para cimento (que usam fornos de calcinação) e produtos químicos (que usam fornos de craqueamento elétricos). Aliás, a BASF, a SABIC e a Linde ativaram recentemente a primeira unidade de demonstração, em nível mundial, de grandes fornos de craqueamento a vapor aquecidos eletricamente. Os dois fornos são capazes de processar quase 4 toneladas de matéria-prima de hidrocarbonetos por hora, consumindo um total de 6 MW de energia renovável. No geral, a tecnologia tem o potencial de reduzir as emissões de CO2 em 90% em comparação com os fornos de craqueamento a vapor convencionais.10

Diferentes ações a serem cogitadas pelos OEMs

Muitas tecnologias de eletrificação do calor estão competindo em determinados casos de uso, e a tecnologia “vencedora” ainda não foi determinada. As tecnologias que os OEMs escolherão dependerão de três aspectos: 1) o nível de maturidade alcançado no mercado quando este acelerar, provavelmente após 2030; 2) a configuração individual de calor e os meios de saída em uma instalação industrial; e 3) os requisitos específicos do processo – por exemplo, o requisito de aquecimento rápido em soluções de backup, que favoreceria uma caldeira elétrica em vez de uma bomba de calor.

Com isso em mente, os OEMs de tecnologias de calor descarbonizado podem responder às perguntas a seguir para determinar qual é a jogada certa para sua empresa.

Escolha do portfólio: você é um player especializado ou oferece um portfólio amplo?

Alguns players optam por focar em uma única tecnologia e se destacam em termos de confiabilidade, atendimento, especificações técnicas e fatores de redução de custos para se tornarem os melhores da categoria e conquistarem projetos de referência críticos nas etapas iniciais. Isso também permite que as empresas desenvolvam capacidades de integração em diferentes setores.

Outros podem ter como objetivo crescer e se tornar grandes players, capazes de oferecer uma gama mais ampla de tecnologias. Isso pode permitir que os OEMs ajudem os players industriais a pensar na otimização de seus sistemas de energia em sentido mais amplo e na elaboração de planos abrangentes para a descarbonização de suas instalações industriais e seus processos. Em alguns casos, isso requer tecnologias combinadas, como recuperação de calor, bombas de calor, MVR e caldeiras elétricas. Exemplificando, as bombas de calor costumam funcionar bem no setor de alimentos e bebidas, pois permitem a transição de vapor para água quente (muitos processos não requerem temperaturas superiores a 100°C). Ademais, podem ser necessárias caldeiras elétricas como backup ou redundância para o vapor devido à sua capacidade de arranque rápido. Todas essas tecnologias precisam ser integradas individualmente e, portanto, os players com portfólio amplo podem oferecer capacidades e serviços de consultoria em diferentes setores industriais.

Escolha da tecnologia: você quer inovar ou dar escala?

Os OEMs com profunda expertise técnica, mentalidade inovadora e disposição para assumir riscos podem aproveitar oportunidades como pioneiros, oferecendo novas tecnologias para aplicações não abordadas anteriormente, sobretudo em processos térmicos de alta temperatura. Essas empresas provavelmente estarão bem-posicionadas para se beneficiar de margens altas e possíveis oportunidades de negócios.

Dito isso, posicionar-se como inovador em processos térmicos de alta temperatura é uma jogada de alto risco e alta recompensa. Apesar do fato de que a inovação provavelmente será impulsionada pelo amadurecimento das tecnologias de alta temperatura, a maioria das tecnologias de eletrificação de alta temperatura ainda não está madura, no momento, sem prova de conceito ou pilotos de pequena escala e sem aplicações de tamanho comercial (como fornos de craqueamento elétricos ou fornos de calcinação elétricos). Além disso, é necessária uma reformulação abrangente dos processos petroquímicos, de cimento e de metais.

Tendo em mente esses aspectos, os players do setor de tecnologia podem executar projetos-piloto em parceria com players industriais estabelecidos. Um bom exemplo disso é a parceria entre a ABB e a Coolbrook, que visa descarbonizar as indústrias pesadas combinando a tecnologia RotoDynamic da Coolbrook com os ativos e capacidades da ABB em motores, eletrônica de potência e automação de processos, com o objetivo final de comercializar a tecnologia da Coolbrook e, por fim, dar escala a ela.11

Como alternativa, os OEMs podem decidir se concentrar em tecnologias comprovadas e maduras, expandindo-as e desenvolvendo economias de escala. Esses players talvez enfrentem mais concorrência, mas com menos risco tecnológico e de projeto. Isso se aplica principalmente às tecnologias de baixa a média temperatura.

Foco no mercado: qual região geográfica é a mais adequada?

Os OEMs provavelmente precisarão determinar em quais regiões e setores industriais desejam focar. Entre as regiões geográficas, há diferenças em termos do ambiente regulatório, do financiamento e apoio estatal e da atratividade financeira, de acordo com os preços do combustível e do carbono. No caso de algumas tecnologias, a viabilidade financeira já foi alcançada ou está em vias de ser alcançada devido aos preços favoráveis dos combustíveis (por exemplo, gás versus eletricidade) e aos esquemas de carbono de países selecionados, principalmente na Europa (outras regiões, como a América do Norte, ainda estão mais distantes devido aos baixos preços dos combustíveis fósseis). Entretanto, há exemplos de medidas destinadas a acelerar a eletrificação nos Estados Unidos. Um deles é a Lei de Edifícios Totalmente Elétricos da cidade de Nova York, que determina que todos os edifícios novos devem usar aquecimento e aparelhos domésticos elétricos.12

Da mesma forma, os clientes tendem a ser diferentes dentro de cada setor. Os OEMs podem encontrar grandes players industriais que necessitam de centenas de MWs de geração de calor e pequenos players locais com presença mais fragmentada no mesmo setor – por exemplo, grandes produtores de laticínios versus pequenas cervejarias locais, no setor de alimentos e bebidas.

Abordagem mercadológica: como abordar os clientes em potencial?

O sucesso no mercado de eletrificação do calor industrial requer um profundo entendimento das necessidades e dos principais critérios de compra dos clientes. Historicamente, a maioria dos players do setor industrial contava com soluções de aquecimento baseadas em combustíveis fósseis; assim, muitos precisam adquirir confiança antes de mudar para novas tecnologias. Isso exigirá que eles se informem sobre o desempenho e a confiabilidade dessas tecnologias e obtenham transparência com relação ao desempenho e aos riscos comerciais, como as mudanças nas regulamentações e o impacto nos preços dos combustíveis. No futuro, os players poderão determinar com mais precisão as necessidades dos clientes realizando análises de sensibilidade do custo nivelado do calor com base em modelos de simulação.

Ademais, os players de tecnologia podem cogitar a possibilidade de ampliar suas ofertas, fornecendo tecnologia e prestando serviços correlatos de consultoria técnica. Esses serviços podem incluir a oferta de um roteiro estruturado de descarbonização com priorização dos principais processos a serem descarbonizados ao longo da cadeia de valor, com opções de reforma ou eficiência energética e, no caso de investimento em novos ativos de eletrificação, com consultoria em integração de processos e requisitos de infraestrutura. Internamente, isso exigirá uma força de vendas proativa no campo, com um profundo conhecimento dos processos necessários.

Em resumo, os principais elementos de uma abordagem mercadológica são pesquisa de mercado (os principais vetores dos setores e necessidades dos clientes), parcerias de entrega (fornecedores de energia, empresas de engenharia e empreiteiras de construção) e vendas técnicas (equipes de vendas especializadas com suporte pós-venda para proporcionar alta confiabilidade). Serviços digitais para operações otimizadas de ativos de calor também são úteis nas estratégias mercadológicas. Sobre esse aspecto, nossas pesquisas mostram que o calor como serviço dentro dos processos industriais é menos adotado do que a geração no local com tecnologias de calor e energia combinados (CHP, na sigla em inglês). Porém, devido ao capital adicional necessário e às novidades técnicas que acompanham as tecnologias de eletrificação, os clientes industriais com requisitos de alta confiabilidade talvez prefiram modelos de calor como serviço.


O desafio da descarbonização é significativo, mas os líderes industriais podem começar a eletrificar a indústria hoje mesmo. O primeiro passo é fazer um levantamento da infraestrutura existente e dos requisitos de investimento, após o que os líderes podem determinar quais caminhos de descarbonização são viáveis. A partir daí, os OEMs podem começar a responder a perguntas estratégicas para seus negócios, o que exigirá uma avaliação cuidadosa e a tecnologia certa. Em última análise, acertar nesses passos pode significar a diferença entre estar à frente do mercado ou ficar para trás.

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