Inteligência artificial gerativa: um novo futuro para a moda

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Com o fim das fashion weeks da atual temporada em Londres, Milão, Nova York e Paris, as grifes estão trabalhando para produzir e vender os desenhos que acabaram de exibir nas passarelas – e já dão início às coleções da próxima temporada. No futuro, é perfeitamente possível que esses desenhos sejam criados combinando os dons de um diretor de criação e o poder da inteligência artificial gerativa, o que permitirá lançar produtos e acessórios no mercado mais rapidamente e vendê-los com mais eficiência, além de melhorar a experiência do cliente.

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Você com certeza já ouviu falar do ChatGPT da OpenAI, o chatbot de IA que se tornou uma sensação da noite para o dia e provocou uma corrida digital para criar e lançar concorrentes. O ChatGPT é apenas um exemplo de IA gerativa fácil de usar, uma tecnologia que consiste em algoritmos capazes de criar novos conteúdos – incluindo áudio, código de programação, imagens, texto, simulações e vídeos. Em vez de simplesmente identificar e classificar informações, a IA gerativa cria novas informações valendo-se dos chamados modelos de fundação, que são modelos de aprendizado profundo capazes de manejar várias tarefas complexas ao mesmo tempo [e treinados com quantidades gigantescas de dados]. Exemplos incluem o GPT-3.5 e o DALL-E. (Saiba mais sobre IA gerativa e machine learning em “What is generative AI?”1 e “Generative AI is here: How tools like ChatGPT could change your business”.)2

Embora a indústria da moda tenha ensaiado o uso de inteligência artificial básica e outras tecnologias de ponta – metaverso, tokens não fungíveis (NFTs), identidades digitais e realidade aumentada ou virtual vêm à mente –, até o momento ela teve pouca experiência com IA gerativa. É verdade que essa tecnologia incipiente só se tornou amplamente disponível há pouco e ainda está cheia de falhas, idiossincrasias e bugs preocupantes, mas tudo indica que será aprimorada com extrema rapidez e transformará a realidade de várias áreas do mundo dos negócios. Nos próximos três a cinco anos, segundo análise da McKinsey, a IA gerativa deverá contribuir pelo menos US$ 150 bilhões, chegando talvez a $275 bilhões, para os lucros operacionais dos setores de vestuário, moda e artigos de luxo. Seja codesenhando ou acelerando os processos de desenvolvimento de conteúdo, a IA gerativa abre novos espaços para a criatividade. É capaz de incorporar todas as formas de dados “não estruturados” – texto bruto, imagens e vídeos – e produzir novos e variados tipos de mídia, desde roteiros já finalizados até desenhos 3D e modelos virtuais realistas para campanhas em vídeo.

Ainda estamos nos primórdios dessa nova era, mas já surgiram alguns incontestáveis casos de uso de IA gerativa na moda. (Muitos dos quais também se aplicam aos setores adjacentes de artigos de beleza e de luxo.) Em inovação de produtos, marketing, vendas e experiência do cliente, em particular, essa tecnologia deverá ter impacto significativo e ser mais viável de implementar no curto prazo do que em outras áreas da cadeia de valor da moda. Neste artigo, esboçamos alguns dos casos de uso mais promissores e indicamos não só as medidas que os executivos podem tomar desde já, como também os riscos que precisarão ser considerados.

De nossa perspectiva, a IA gerativa não é apenas automação, pois o que faz é aumentar e acelerar a realidade, o que vale dizer que oferece aos profissionais de moda e ao pessoal de criação as ferramentas tecnológicas para realizarem certas tarefas incomparavelmente mais rápido, permitindo que dediquem mais tempo a fazer as coisas que só os seres humanos são capazes de fazer. Isso também significa criar sistemas que atendam melhor os clientes. Aqui está por onde começar.

Entenda os casos de uso

A IA gerativa tem o potencial de afetar todo o ecossistema da moda. As empresas de moda podem utilizar essa tecnologia para criar desenhos que vendam mais, reduzir custos de marketing, hiperpersonalizar a comunicação com os clientes e acelerar os processos. Também podem reconfigurar a cadeia de suprimentos e a logística, as operações das lojas e as funções organizacionais e de suporte (ver coluna lateral, “Casos de uso de IA gerativa no mundo da moda”).

Desenvolvimento e inovação de produtos

Em vez de confiarem apenas em relatórios de tendências e análises de mercado para decidir os desenhos da coleção da próxima temporada, tanto os varejistas de moda de massa como os diretores criativos das marcas de luxo podem utilizar a IA gerativa para analisar em tempo real vários tipos de dados não estruturados. A IA gerativa pode, por exemplo, agregar rapidamente e realizar análises dos sentimentos do cliente a partir de vídeos nas mídias sociais, ou modelar tendências a partir de fontes variadas de dados sobre o consumidor.

Os diretores criativos e suas equipes podem inserir esboços e os detalhes desejados – como tipo de tecido, paletas de cores e padrões – em uma plataforma movida por IA gerativa, que criará automaticamente uma variedade de desenhos, permitindo que os estilistas brinquem com uma enorme variedade de estilos e aparências. A equipe poderá, então, desenhar novos itens com base nesses resultados, colocando o toque final da grife em cada um deles. Isso abre as portas para o lançamento de produtos inovadores de edição limitada (que ainda poderão ser resultado da colaboração de duas marcas). Óculos, por exemplo, poderão ser desenhados para cada pessoa por meio de tecnologias de reconhecimento facial movidas por IA gerativa, que escanearão a topografia facial do cliente e farão os devidos ajustes às suas preferências de estilo e tamanho.

Esse cenário se tornou realidade em dezembro de 2022, quando um grupo de estilistas do Laboratory for Artificial Intelligence in Design (AiDLab) de Hong Kong organizou um desfile de moda apresentando desenhos criados por IA gerativa.3 Utilizando ferramentas de empresas de tecnologia como Cala, Designovel e Fashable, já existem estilistas que estão se valendo do poder da IA gerativa para suscitar novas ideias, experimentar inúmeras variações de desenho (sem terem que produzir amostras dispendiosas) e acelerar enormemente seus processos. Para as empresas de beleza, a IA gerativa também oferece uma oportunidade para que as marcas identifiquem novas formulações de produtos, potencialmente ajudando a reduzir os custos dos testes em laboratório.

Marketing

Executivos e agências de marketing podem utilizar a IA gerativa no brainstorming de estratégias de campanhas e na criação de conteúdos para campanhas de produtos (ou até mesmo de avatares virtuais para cada canal de marketing) – tudo com extrema rapidez.

Em marketing, tirar a sorte grande pode muitas vezes ser uma questão de sorte. Veja o caso do TikTok: não existe uma fórmula única para viralizar na plataforma. O que acontece é que, quanto mais você produzir, maiores serão suas chances de se tornar um trending topic e promover a consciência de marca e as vendas. A utilização de uma plataforma de IA gerativa para criar vídeos curtos para o TikTok ou outras mídias sociais poderá economizar tempo e reduzir os custos de produzir conteúdo. Além disso, a IA gerativa é capaz de reconhecer padrões e tendências em conteúdos virais e criar novos conteúdos compatíveis com as especificações dos profissionais de marketing.

Esses exercícios podem ajudar as equipes internas de marketing a gerenciar sua carga de trabalho e, ao mesmo tempo, evitar que terceirizem trabalho para agências de criação. Contudo, os profissionais de marketing devem ter cuidado com essa abordagem, pois tentar alcançar os consumidores reproduzindo o que outras marcas fizeram pode prejudicar a identidade da sua e dissipar a exclusiva proposta de valor que levou anos para ser construída.

A IA gerativa também pode ser aplicada à personalização das comunicações com o cliente. O faturamento de empresas que sabem personalizar a comunicação com o cliente pode ser 40% superior ao de empresas que não o fazem, segundo pesquisa da McKinsey.4

Várias startups – CopyAI, Jasper AI e Writesonic, para citar apenas algumas – são pioneiras em personalização em escala do marketing por meio da IA gerativa. Essas ferramentas transformam as tarefas cotidianas de um profissional de marketing. Por exemplo, ele ou ela poderá agora escolher o tipo de conteúdo que deseja criar (e-mail, longa postagem em blog ou qualquer outro), digitar um comando que descreva o que deseja e especificar o público-alvo e outros parâmetros (como o tom da mensagem) que ajudem a alinhar as comunicações de marketing com a marca; a ferramenta de IA oferecerá então um leque de opções para escolher.

Essas ferramentas são mais úteis quando aplicadas aos canais de marketing do fundo do funil (aqueles utilizados principalmente para incentivar conversões em venda), não às comunicações mais prestigiosas de construção da marca. Os profissionais de marketing continuarão sendo necessários para descrever o tipo de comunicação desejada e para editar o resultado proposto pela ferramenta de IA.

Vendas e a experiência do consumidor

Hoje, os chats movidos por IA gerativa, que utilizam um processamento mais poderoso da linguagem natural para entenderem e interagirem melhor com os humanos, já são mensuravelmente melhores que chats de IA existentes. Dito isso, porém, não existe (ainda) um chatbot infalível de IA gerativa para as empresas – os chatbots atuais e demais ferramentas de geração de texto ainda cometem erros ocasionais que podem levar a desastres graves no atendimento ao cliente. Em breve, porém, essa tecnologia permitirá que os agentes de suporte ao cliente terceirizem consultas complexas – por exemplo, utilizando chatbots para dar respostas personalizadas em vários idiomas.

Existem atualmente serviços que designam um “representante” de IA gerativa para uma marca, que elucidará dúvidas dos clientes por e-mail, chat, mensagens de texto e/ou plataformas próprias da empresa. Esses serviços ajudam a reduzir o tempo de espera no atendimento ao cliente e os prazos de resposta.

Os agentes de IA gerativa também podem atender a marcas de luxo, principalmente quando se trata de “clientelização”, ou fidelização preferencial, uma estratégia de varejo pela qual os vendedores estabelecem um relacionamento próximo e duradouro com os clientes mais afluentes a fim de incentivá-los a comprar e fortalecer sua lealdade à marca. (Compras apenas com hora marcada em butiques de luxo, por exemplo, fazem com que marcas sofisticadas atinjam uma taxa de conversão em venda de 60% a 70%.)5 Esse processo continua sendo primordialmente analógico e manual, depende de os vendedores manterem contato com os clientes por meio de uma variedade de plataformas de mensagens ou textos, e é limitado pois só funciona quando esses vendedores estão trabalhando. Por sua vez, as ferramentas que utilizam IA gerativa podem dar continuidade à conversa ou fazer recomendações de estilo mesmo depois que o comprador sai da loja, orientar os vendedores como engajar os clientes, personalizar as comunicações com clientes específicos e analisar os perfis dos consumidores e as interações online em tempo real.

Em julho de 2022, a varejista de roupas Stitch Fix disse que estava realizando experiências com o GPT-3 e o DALL-E 2, o gerador de IA capaz de converter texto em imagem, para aumentar as vendas e a satisfação do cliente com serviços melhores de definição de estilo. Esses modelos gerativos estão sendo testados para ajudar os estilistas a interpretar com rapidez e precisão grandes volumes de feedback dos clientes e a selecionar os produtos que eles terão maior probabilidade de comprar. Por exemplo, a ferramenta de IA poderia analisar todos os comentários de um cliente, que talvez cheguem a centenas de mensagens de texto, solicitações por e-mail, avaliações de produtos e postagens online. Se esse cliente fizer observações frequentes sobre, digamos, o “ótimo caimento” ou a “cor divertida” de determinado estilo de calça, o DALL-E gerará imagens de calças que correspondam às suas preferências e desejo de compra. E o estilista então buscará peças semelhantes no estoque da Stitch Fix e recomendá-las a esse cliente.

Provadores virtuais são outro exemplo de como a IA gerativa pode melhorar as vendas e a experiência do consumidor. A Veesual, com sede em Paris, permite que os clientes de grifes que vendem por comércio eletrônico escolham o modelo e as peças de roupa desejadas e as experimentem virtualmente.

Como começar

Por mais instigante que a tecnologia de IA gerativa possa ser, as empresas devem avançar com cautela antes de confiarem suas tarefas essenciais inteiramente a ela. Por outro lado, deixar de explorar as possibilidades que essa tecnologia oferece pode ser igualmente arriscado, dado o ritmo em que está evoluindo e o crescimento explosivo da base de usuários. Portanto, os executivos devem começar a pensar hoje como seus negócios poderão utilizar a IA gerativa. Aqui estão algumas medidas que os líderes podem adotar para começar.

Guiar-se pelo valor

Os líderes das empresas de moda precisam definir como a IA gerativa pode oferecer o máximo valor. O melhor é começar observando quais áreas – desenho criativo, comercialização, campanhas em passarelas ou “clientelização” – mais se beneficiariam da IA gerativa. Deve-se então priorizar os casos de uso de IA gerativa que serão buscados com base no nível de impacto que podem ter nos negócios. Dentre essas medidas de impacto estariam melhorar os índices de satisfação do cliente e reduzir o tempo de espera no atendimento ao cliente.

Uma vez identificado o valor, os casos de uso também devem ser priorizados conforme a viabilidade de implementar cada um deles, pois determinar o quanto a IA gerativa será integrada ao processo depende de vários fatores, entre eles as habilidades técnicas da equipe. Em seguida, as equipes devem criar um roadmap de curto prazo para testar e validar cada caso de uso, considerando desde já quais seriam as metas de longo prazo (por exemplo, construir uma plataforma de desenho gerativo que possa ser atualizada e utilizada por estilistas a cada nova temporada).

Embora seja tentador divertir-se um pouco com as possibilidades da IA gerativa, aproveitar o seu pleno poder requer extrema diligência. Os executivos de moda precisam intencionalmente criar ferramentas capazes de agregar valor, em vez de ficarem experimentando indiscriminadamente com as ferramentas existentes.

Saber quais são os riscos e fazer planos para mitigá-los

Em artigo anterior, listamos alguns dos riscos de utilizar a IA gerativa. Um deles é que os parâmetros legais pertinentes ainda estão em aberto. Se até estilistas às vezes são criticados por criarem obras plagiadas e desenhos imitativos, determinar quem possui a propriedade intelectual e os direitos criativos de obras geradas por IA (que podem ser baseadas em fontes de dados multimodais – como coleções anteriores de outros estilistas) terá que ser decidido caso a caso até que existam fortes precedentes legais. Por exemplo, embora não envolva IA gerativa, a grande batalha jurídica entre a Hermès e o artista Mason Rothschild em torno dos NFTs MetaBirkin, em que um juiz decidiu que os NFTs infringiam a marca registrada da Hermès, mostra o quanto as grifes podem se enredar em dilemas legais com o surgimento de novas tecnologias.

Outro risco refere-se aos vieses e à probidade dos sistemas de IA gerativa, principalmente quando houver conjuntos de dados tendenciosos, que poderão até ameaçar a reputação de marcas que dependem dessa tecnologia. Por exemplo, se uma ferramenta de geração de imagens produzir uma campanha publicitária com representações impróprias ou ofensivas que acabem sendo compartilhadas ao redor do mundo, a reputação da marca certamente sofrerá. Em tais casos, colocar a culpa na IA da empresa, numa tentativa de controlar os danos, fará pouco para acalmar a ira dos consumidores.

Existe também o risco de que os funcionários que utilizam a IA gerativa não estejam plenamente cientes de suas deficiências e não verifiquem os possíveis erros introduzidos pela tecnologia. Neste caso, a empresa precisa treinar regularmente os funcionários e fornecer-lhes os recursos necessários para que saibam como utilizar a tecnologia.

Embora os riscos sejam inevitáveis, os executivos podem mitigar seu impacto instituindo um processo que, ao lidar com eles, assegure a integridade ética e o controle da qualidade.

Recapacitar a força de trabalho

As ferramentas de IA gerativa têm o potencial de agregar valor a inúmeras áreas distintas da empresa; é, portanto, fundamental educar e treinar os funcionários na correta utilização dessa tecnologia – incluindo estilistas, profissionais de marketing, vendedores e representantes de atendimento ao cliente.

Algumas empresas já introduziram treinamentos focados em IA. A Levi Strauss, por exemplo, lançou em 2021 um treinamento intensivo para capacitar funcionários não técnicos a utilizarem machine learning nos processos de desenho da empresa. Ao concluírem o programa, estão aptos a criar novas ferramentas de IA que sejam relevantes para seu trabalho.6 Um dos objetivos da Levi’s com o programa é ampliar a diversidade de funcionários com conhecimento técnico para trazer à tona problemas que funcionários com experiência em tecnologias tradicionais talvez não enxerguem. O programa também ajuda equipes com especializações distintas – equipes de desenho e de engenharia, por exemplo – a se comunicarem melhor e encontrarem pontos em comum. Além disso, a Levi’s verificou que o programa também contribui para a retenção de funcionários.7

Uma força de trabalho com mais intimidade com IA dará um novo significado à colaboração. Os líderes devem se perguntar: “Como devemos definir as responsabilidades e como as funções técnicas e não técnicas podem atuar em conjunto?” As equipes de desenho e de engenharia de software talvez possam organizar reuniões semanais de liderança para elaborar uma estratégia de roadmaps e sessões de trabalho trimestrais envolvendo ambas: o pessoal de desenho poderá explicitar quais são os insights e ferramentas de que necessitam (uma ferramenta que gere variações de desenho a partir de um esboço, talvez) e o pessoal de engenharia fornecerá essas ferramentas.

Firmar parceria com o suporte técnico certo

Não há dúvida de que as empresas de moda terão que investir em sua força de trabalho para alavancar a IA gerativa, mas isso não significa que terão que criar aplicativos ou modelos de fundação por conta própria. Pelo contrário, os líderes das empresas de moda podem firmar parceria com empresas e especialistas de IA gerativa para obterem resultados rápidos. Um executivo da indústria da moda poderá firmar parceria com uma empresa (Microsoft ou OpenAI, por exemplo) que forneça novas tecnologias ou recursos de suporte (como computação na nuvem ou APIs).


Embora os casos de uso potenciais da IA gerativa estejam vindo à tona a passos rápidos, o futuro dessa tecnologia nos setores de vestuário e artigos de luxo ainda está sendo construído. Mas experimentar hoje essas novas ferramentas significa abrir infinitas possibilidades amanhã.

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