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A maioria das grandes corporações tem processos anuais para alocar capital e outros recursos a todas as unidades de negócios e a iniciativas estratégicas no âmbito de toda a empresa. A prática comum é começar por uma estratégia ou “atualização estratégica”, desenvolver um plano financeiro de longo prazo (de três a sete anos) e elaborar um orçamento altamente detalhado para o primeiro ano do plano. Infelizmente, os processos costumam ser confusos e rígidos. Em geral, levam meses para ser iterados e geram uma montanha de detalhes que causam distração, além de não proporcionarem flexibilidade suficiente para ajustar a alocação de recursos ao longo do ano. O resultado é uma incapacidade de alinhar os recursos à estratégia.
Cada empresa enfrenta desafios únicos. Nem todas as medidas descritas neste artigo serão adequadas para todas as situações, e não existe uma lista universal de melhorias em processos. Porém, constatamos que, na maioria dos casos, os líderes seniores devem:
- No contexto da estratégia ou atualização estratégica, identificar a função de cada unidade de negócios na execução da estratégia da empresa (por exemplo, acelerar o crescimento, aumentar o retorno sobre o capital investido ou alienar ativos) e as 10 a 30 iniciativas mais importantes da empresa.
- Utilizar uma abordagem simplificada para desenvolver o plano financeiro de longo prazo da empresa, empregando um modelo de geradores de valor com poucas rubricas para cada unidade de negócios ou linha de produtos individual.
- Garantir que o plano financeiro de longo prazo aloque recursos às 10 a 30 iniciativas mais importantes da empresa.
- Alinhar o orçamento do próximo ano ao primeiro ano do plano financeiro de longo prazo.
- Seguir um cronograma de planejamento compacto.
- Adotar a flexibilidade dentro de cada ano, com frequência regular, para alocar mais (ou menos) recursos a iniciativas novas ou existentes.
Neste artigo, que faz parte de nossa série “Strategy to action” em curso, voltada a ajudar as empresas a melhorar a alocação de recursos, explicamos cada uma dessas seis melhorias críticas nos processos.
1. Identificar a função de cada unidade de negócios e as iniciativas empresariais mais importantes
Toda atualização estratégica deve abordar duas questões fundamentais: em primeiro lugar, qual é a função de cada unidade de negócios na execução da estratégia da empresa (por exemplo, acelerar o crescimento, aumentar o retorno sobre o capital investido ou alienar ativos) e, em segundo, quais iniciativas específicas são mais prioritárias para a empresa como um todo e para a unidade em questão. Nossa experiência indica que o número ideal está entre 10 e 30 iniciativas essenciais. Se a lista for maior, pode dispersar a atenção e tornar a gestão inviável. Se for menor, provavelmente deixará de fora algumas iniciativas importantes com as quais a alta gerência deveria estar envolvida.
Por exemplo, uma empresa pode anunciar que sua estratégia é crescer na América Latina. Talvez seja uma ideia excelente, mas, sem detalhes adicionais, não é possível executá-la. Os recursos não podem ser alocados a slogans. Como seria uma estratégia prática de crescimento na América Latina? Para começar, a empresa deve identificar os países específicos que serão seu foco. Em seguida, deve explicitar as principais considerações, como, por exemplo, se pretende entrar em um país por conta própria (talvez usando uma equipe de um país relativamente próximo onde já está presente), estabelecer uma parceria com um player presente nesse mercado ou fazer uma aquisição. A empresa também deve alocar o capital necessário a qualquer uma dessas opções (ou outras) à qual pretenda se dedicar. Mas só dinheiro não basta. Ela deve identificar qual unidade de negócios ou equipe prestará contas, nomear um líder de equipe em tempo integral, apresentar claramente os passos necessários (por exemplo, identificar metas e desenvolver relacionamentos) e garantir que a iniciativa não fique sem dinheiro ou sem a atenção da alta gerência.
2. Focar em um pequeno número de geradores de valor principais para o plano financeiro de longo prazo
Os planos financeiros de longo prazo da maioria das empresas incluem um número excessivo de rubricas. Esse tipo de detalhe retarda o processo, dificulta a iteração e pode obscurecer os verdadeiros geradores de valor.
Para ser eficaz, um plano financeiro de longo prazo precisa ser conciso. Por exemplo, não há necessidade de dez ou mais itens em despesas gerais e administrativas (G&A, na sigla em inglês); a rubrica de G&A pode ser autônoma. Na maioria dos casos, as demonstrações de resultados de cada unidade de negócios devem incluir apenas receitas, custo dos produtos vendidos, marketing e vendas, P&D e custos indiretos – sem aumentar o detalhamento. Uma empresa funciona com base em geradores de valor, não em itens contábeis. Um plano financeiro eficaz apresenta com clareza os geradores de valor mais importantes para cada unidade de negócios, destacando os poucos elementos-chave que são mais importantes para o crescimento lucrativo, o retorno sobre o capital e outros imperativos da empresa.
Quais são os principais geradores de valor? Pense em uma produtora cinematográfica: há muita coisa envolvida na criação de filmes de sucesso ao longo de um período de anos. Mas, indo direto ao ponto, seu modelo pode ser simplificado para a produção de três sucessos de bilheteria e cinco filmes menores. Seus principais geradores de valor são os orçamentos médios referentes aos filmes grandes e pequenos, aos custos de marketing e às despesas gerais. Uma empresa de assinatura de música, por sua vez, teria fatores-chave também compactos, mas completamente diferentes: o número de assinantes, a receita por cliente e a rotatividade de clientes.
Nossa experiência mostra que muitos líderes seniores rejeitam a ideia de manter a simplicidade, dizendo que é impossível resumir seus negócios a uns poucos fatores. Mas esses líderes se concentram tanto nos detalhas, que perdem o todo de vista – e subestimam o custo de analisar detalhes demais. Não é possível alcançar 100% de certeza em um negócio complexo; independentemente do setor, o panorama concorrencial está em constante mudança e, em geral, não pode ser previsto com precisão de alguns pontos percentuais. Analisar rubricas em excesso, por sua vez, consome um tempo que poderia ser mais bem gasto na gestão de problemas que têm mais impacto – além de gerar retornos decrescentes. Muitas vezes, os detalhes adicionais não trazem nenhum benefício.
Embora o número de rubricas deva ser reduzido ao mínimo, o número de unidades de negócios ou linhas de produtos deve ser suficiente para ajudar na alocação de recursos com base nas funções, objetivos e necessidades de cada unidade de negócios. Por exemplo, uma divisão com uma unidade de negócios em rápido crescimento e um negócio maduro ou em declínio deve ser dividido em dois negócios, de modo que a alta administração possa garantir que cada um tenha as metas e os recursos certos (mesmo que o líder da divisão continue responsável pela execução). Na prática, o plano financeiro de longo prazo de uma empresa de grande porte deve abranger, em geral, 20 a 50 linhas de produtos ou unidades de negócios.
3. Garantir que os recursos sejam alocados às prioridades mais importantes
Fazemos pesquisas com líderes seniores há anos, e a maioria deles relata que sua organização investe pouco. Investigando mais a fundo, isso geralmente significa que as empresas não alocam os recursos adequados às iniciativas estratégicas mais importantes, sobretudo às iniciativas de crescimento. Muitas vezes, o plano financeiro de longo prazo simplesmente se limita a estabelecer as metas e projeções financeiras referentes a cada unidade de negócios.
Uma abordagem mais eficaz é ter clareza com relação às metas e fazer com que o plano financeiro de longo prazo destaque os recursos específicos alocados às iniciativas de maior prioridade, sejam elas da empresa como um todo, sejam de uma unidade de negócios específica, para garantir que essas metas sejam atingidas. Em geral, isso exige que a empresa distribua os recursos entre suas unidades de negócio de forma diferente em relação aos anos anteriores, independentemente dos gastos históricos ou da “equidade”.
Por exemplo, uma grande empresa de bens de consumo embalados eliminou o nível “básico” de gastos de algumas de suas operações europeias antigas devido à falta de crescimento e aos retornos sobre o capital relativamente baixos. Então, ela alocou esses recursos a três iniciativas específicas na América Latina. E em uma varejista líder de mercado, o CEO garante pessoalmente todo o financiamento e a gestão das seis principais iniciativas da empresa, além de dedicar quase um dia por semana a essas iniciativas.
4. Alinhar o orçamento deste ano ao primeiro ano do plano financeiro de longo prazo
Um fato interessante é que o longo processo de planejamento financeiro costuma terminar com um orçamento do primeiro ano que não está vinculado ao plano financeiro de longo prazo; o que acontece é que o orçamento do primeiro ano geralmente fica mais próximo do orçamento do ano anterior. Em uma pesquisa realizada pela McKinsey com mais de 1,3 mil executivos, menos de um terço dos participantes relatou que os orçamentos de sua empresa eram semelhantes ou muito semelhantes aos de seus planos estratégicos mais recentes.1 Outro estudo revelou uma impressionante correlação de 90% nos gastos com investimentos de um ano para o outro.2 Embora seja de se esperar algum grau de correlação de um ano para o outro, é claramente impossível uma empresa realocar o capital de forma ousada (abordagem que, segundo nossa pesquisa, gera o maior valor para as empresas como um todo) quando ela continua alocando capital a basicamente as mesmas coisas.
Embora o orçamento do primeiro ano deva ser mais detalhado do que o plano financeiro de longo prazo, as receitas brutas, os lucros e os fluxos de caixa de cada unidade devem sempre corresponder aos do primeiro ano do plano de longo prazo. Duas técnicas são úteis para que isso aconteça. Em primeiro lugar, comece a elaborar o orçamento com base no ano inicial do plano financeiro, e não no orçamento do ano anterior ou nos resultados do ano atual. Em segundo, defina que somente o CEO e o CFO terão autoridade para aprovar diferenças em relação ao plano de longo prazo. Sem esse rigor, a alocação de recursos tende a se dissipar em meio às incertezas.
5. Compactar o cronograma de todo o processo de planejamento
O planejamento financeiro pode ser uma história sem fim. Uma equipe sênior começa com uma atualização estratégica no primeiro trimestre, seguida de um plano financeiro de longo prazo que se inicia no segundo trimestre e termina no final do terceiro trimestre. Por outro lado, a definição do orçamento do próximo ano começa no terceiro trimestre e se estende até a virada do ano – ou mesmo depois. Esse cronograma prolongado gera retrabalho desnecessário, aumenta a complexidade e diminui o valor da força motriz que obriga à tomada de decisões sobre as iniciativas e geradores de valor mais importantes.
O processo de alocação de recursos deve ser sincronizado e o mais curto possível, com cada etapa levando no máximo dois meses. Essas etapas devem ser agendadas para o mais tarde possível no ano e, simultaneamente, disponibilizar tempo suficiente para análises rigorosas e debates importantes. O processo todo também deve ocorrer sem interrupções.
O processo de uma varejista de bens de consumo serve de exemplo de um cronograma de alocação de recursos ineficiente. A empresa realiza sua atualização estratégica anual em abril ou maio e o planejamento financeiro de longo prazo em setembro e outubro. Finalmente, após mais dois meses de hiato, o processo orçamentário ocorre de dezembro a março, referente ao ano civil que já começou. Cada etapa do processo leva um tempo excessivo e é claramente desconectada das demais. Em contraste, uma empresa de bens de consumo embalados exibe um cronograma de alocação de recursos bem mais eficaz. Ela inicia em maio sua atualização estratégica anual, a qual orienta o plano financeiro estratégico de longo prazo e o processo de alocação de recursos conduzido de junho a setembro. O plano financeiro estratégico de longo prazo flui para o processo orçamentário anual, que começa em outubro e termina em novembro.
Um processo que vai de maio a novembro é melhor do que um que se estende por todo o ano e entra no seguinte; entretanto, ele ainda pode ser aprimorado significativamente. Em primeiro lugar, qualquer lacuna nos processos deve ser eliminada; quanto mais tempo um plano fica parado, mais obsoleto e menos urgente se torna. Em segundo, os tomadores de decisões precisam reconhecer que múltiplas iterações consomem seu tempo – eles devem avaliar o plano em uma ou duas rodadas, investindo esforços iniciais para garantir que não haja um número excessivo de versões preliminares. Por fim, o segundo trimestre é simplesmente cedo demais para começar; ele cria uma margem desnecessária, em detrimento de prazos mais rígidos e maior foco.
O cronograma preciso vai variar de acordo com a empresa – o que, por sua vez, depende de seu setor (as empresas de tecnologia, por exemplo, são bem mais rápidas). Mas, parafraseando o velho ditado, não há melhor incentivo do que um prazo apertado – como 24 semanas para concluir uma atualização estratégica, um plano financeiro de longo prazo e o primeiro ano do orçamento do próximo ano. Na maioria dos casos, a empresa deve iniciar sua atualização estratégica logo após o meio do ano e terminá-la antes do final do terceiro trimestre; deve começar a preparação de seu plano financeiro estratégico de longo prazo imediatamente após a atualização ser finalizada; e depois, assim que o plano estratégico de longo prazo estiver concluído, deve partir para a elaboração do orçamento do próximo ano. No caso de uma empresa cujo ano fiscal coincide com o ano civil, o processo começaria após o meio do ano e terminaria em meados de dezembro (quadro). Em todos os setores, os CFOs de empresas com cronogramas mais compactos relatam um desempenho superior ao das outras empresas em várias dimensões.3
6. Adotar a alocação de recursos durante todo o ano
Os orçamentos nunca são perfeitos – o que é exatamente o que se espera, já que as circunstâncias mudam ao longo do ano. Para muitas empresas, a abordagem da flexibilidade dentro de cada ano envolve alocar recursos para cada líder de divisão ou unidade, concedendo a eles o direito de decisão para realocarem entre as linhas que controlam, conforme achem adequado. Isso, no entanto, cria um incentivo perverso para que as divisões ou unidades de negócios acumulem recursos de que não precisam, gastem-nos em itens de menor prioridade ou, pior ainda, invistam menos em iniciativas estratégicas para atingir metas de curto prazo.
Para se preparar para mudanças inevitáveis no número de recursos necessários e disponíveis durante o ano, somente os líderes seniores, no nível da empresa, devem ter autoridade com relação a uma flexibilidade significativa na alocação de recursos. Um comitê de investimento que inclua o CEO e CFO (e, idealmente, apenas um a três membros votantes adicionais, com o CEO tendo o voto final), deve se reunir mensalmente para tomar decisões importantes sobre os investimentos dentro de cada ano.4 Essas reuniões mensais devem ser voltadas à tomada de decisões, e não a atualizações de progresso ou análises gerais. A pauta deve abordar somente os assuntos que requerem uma decisão – e o resultado nunca deve ser “decidir tomar uma decisão”. As principais decisões que o comitê pode tomar durante essas reuniões podem envolver a alocação de recursos financeiros a projetos estruturados em etapas (“stage-gated”) ou projetos aprovados provisoriamente durante o processo de planejamento anual, a interrupção de projetos que provavelmente não atingirão seus objetivos e a aprovação de novos projetos que tenham surgido após o ciclo de planejamento anual.
A flexibilidade geralmente requer a criação de uma reserva de recursos financeiros não alocados que podem ser usados durante o ano em novas iniciativas não previstas durante o processo de planejamento. As retiradas da reserva devem ser autorizadas somente pelo CEO ou pelo comitê de investimento e precisam atender a critérios bem-definidos – p. ex., a confirmação de que a liberação é para uma iniciativa estrategicamente vital ou para cobrir custos externos essenciais, como uma resposta a desastres naturais. Embora não exista uma porcentagem universalmente aplicável ao valor “certo” a reservar, uma diretriz geral é separar de 5% a 20% do orçamento da empresa. Para empresas que operam em setores com prazos de execução de projetos mais longos e volatilidade de mercado mínima, como empresas de serviços públicos, uma reserva estratégica de cerca de 5% do orçamento pode ser suficiente. Por outro lado, setores caracterizados por rápidas mudanças de mercado e alocação fluida de recursos, como o de software, podem considerar uma reserva de aproximadamente 20% mais apropriada. As empresas de bens de consumo embalados, por exemplo, podem se deparar com uma campanha recém-lançada que não atinge as metas ou com um concorrente que lança um novo produto que os líderes seniores não previram. À medida que surjam essas situações, o comitê de investimento deve realocar recursos rapidamente, abrindo oportunidades para outros negócios e iniciativas ao longo do ano.
Alguns projetos são mais fáceis de estruturar por etapas durante o ciclo formal de planejamento, como no caso de empresas farmacêuticas que se preparam para fazer investimentos significativos em marketing assim que as aprovações regulatórias são obtidas. Outras alocações de capital podem ser aprovadas apenas provisoriamente porque exigem análise adicional (por exemplo, prova de conceito de uma nova tecnologia ou decisões de perfurar um depósito de gás ou petróleo); nesses casos, o comitê de investimento deve reter esse capital para alocação durante o ano. O segredo é incorporar a flexibilidade. Um processo eficaz de alocação de recursos prevê mudanças e mantém uma frequência pelo menos mensal – idealmente, ainda maior.
Os processos de transformação de estratégias em ações devem ser radicalmente simples. Os processos mais eficazes definem claramente a estratégia e a função de cada negócio na consecução dessa estratégia, identificam os geradores de valor mais importantes, garantem que as iniciativas mais importantes tenham os recursos de que precisam, fazem questão de que o orçamento esteja alinhado ao primeiro ano do plano financeiro de longo prazo e cumprem um cronograma de planejamento compacto, além de adotarem a flexibilidade dentro de cada ano e demonstrarem essa flexibilidade. Afinal, gerir uma grande corporação já é algo suficientemente complicado.