Estamos vivendo uma era de desafios e oportunidades sem precedentes. A crise climática, os problemas globais de saúde e as mudanças nos valores sociais estão subvertendo as prioridades individuais. A globalização e a geopolítica deslocam as placas tectônicas do mundo. O modo como vivemos e trabalhamos vai sendo constantemente reinventado por avanços na tecnologia e por novas gerações que já “nasceram digitais”.
Mais insights da McKinsey em português
Confira nossa coleção de artigos em português e assine nossa newsletter mensal em português.
Como os líderes devem enfrentar este momento? Como deve ser a liderança em um momento no qual turbulência e disrupção são a norma?
A resposta a estas perguntas não pode ser dissociada da resposta a uma outra: Como deve ser uma organização capaz de prosperar em tempos tão instáveis? Durante décadas, as organizações foram projetadas e gerenciadas para o ambiente industrial. Buscavam preservar a estabilidade, a escala e a previsibilidade, e seu foco era maximizar os ganhos dos acionistas. Mas dedicavam pouca atenção ao impacto – muitas vezes não intencional – de suas ações sobre o mundo externo. Não mais. Muitas organizações têm decidido que essa abordagem é inadequada para os desafios complexos de hoje e que é particularmente inadequada para as inúmeras demandas sociais que as empresas precisam agora considerar.
Mas começa agora a emergir lentamente uma nova forma de organização e gestão. Acreditamos que essa nova abordagem tenha atingido um ponto de inflexão a partir do qual mais e mais empresas se juntarão às pioneiras que já pegaram a onda.1 Organizações como Allianz, Haier, Microsoft e Nucor estão transformando seus setores com uma nova abordagem organizacional que visa ser aberta, fluida e adaptável; que multiplica a energia coletiva, a paixão e as capacidades de seu pessoal; que reimagina a estratégia; e que busca entregar mais valor a todos os stakeholders. O foco desse novo modelo é uma aspiração arrojada: o crescimento sustentável e inclusivo. As empresas pioneiras estão desenvolvendo novas arquiteturas em que redes colaborativas de equipes autogeridas trabalham em ciclos rápidos e focam a criação de valor para os stakeholders. Suas culturas promovem uma forma de trabalho mais aberta, colaborativa e emergente. Acima de tudo, a adoção desse novo tipo de modelo muda completamente a maneira como seus líderes devem atuar.
Estamos passando de uma era de líderes-indivíduos para uma era de equipes de liderança em rede dirigindo as organizações. O antigo modelo hierárquico de liderança é cada vez mais visto como um obstáculo para atender às complexas demandas das organizações atuais. É verdade que as empresas que hoje buscam prosperar ainda precisam de líderes individualmente responsáveis por suas funções – mas a liderança em si já reside em equipes de líderes atuando a serviço da organização. Equipes de liderança de alto desempenho sempre superarão a capacidade de seus membros. O novo modelo tem um propósito e um foco claros: beneficiar todos os stakeholders ao permitir que as pessoas trabalhem e aprendam juntas para construir e operar um sistema de criação de valor em evolução constante.
A nova abordagem exige dos líderes que façam mudanças evolutivas fundamentais, muito além da simples expectativa de desenvolver habilidades adicionais continuamente. Na verdade, eles têm que se reimaginar, empreendendo um trabalho interior que mude sua mentalidade e sua consciência e os permita enxergar o mundo de uma maneira nova; têm que repensar suas interações, papéis e formas de trabalhar como membros de equipes de liderança; e têm que reinventar suas organizações e os setores em que operam.
Reimaginando a liderança: cinco mudanças críticas
Durante décadas, os atributos considerados essenciais para uma empresa ser bem-sucedida espelharam as qualidades valorizadas em seus líderes: focar a lucratividade, exigir resultados, exercer autoridade e controle, e competir acirradamente. Hoje, porém, se uma organização quiser prosperar, todas essas características de liderança precisam evoluir.
Para os líderes, isso significa realizar cinco mudanças fundamentais em sua mentalidade e forma de trabalhar (veja tabela). Essas mudanças não implicam abandonar as habilidades tradicionais. Pelo contrário, estão baseadas nessas habilidades, mas permitem expandir substancialmente a capacidade de liderar. Em outras palavras, o líder deve “ir além” da norma corrente “rumo a” ambições mais evoluídas necessárias para liderar organizações prósperas na nova era disruptiva. Definimos assim essas cinco mudanças: ir além do lucro rumo ao impacto; ir além das expectativas rumo à integralidade; ir além do comando rumo à colaboração; ir além do controle rumo à evolução; e ir além da competição rumo à cocriação. Juntas, estas cinco mudanças redefinem a liderança para uma nova era.
Ir além de… | Rumo a… | |||
---|---|---|---|---|
O que focamos | Como gestores, entregamos lucros aos acionistas, com mentalidade de preservação | Lucro | Impacto | Como visionários, gerar impacto holístico para todos os stakeholders, com mentalidade de possibilidade |
Como criamos valor | Como planejadores, competimos pelo valor existente por meio da vantagem, com mentalidade de escassez | Competição | Cocriação | Como arquitetos, cocriar novo valor por meio da reimaginação, com mentalidade de abundância |
Como organizamos | Como diretores, comandamos através de hierarquias estruturadas, com mentalidade de autoridade | Comando | Colaboração | Como catalisadores, colaborar em redes autônomas, com mentalidade de parceria |
Como realizamos nosso trabalho | Como controladores, administramos mediante previsões detalhadas, com mentalidade de certeza | Controle | Evolução | Como coaches, evoluir por meio de aprendizado rápido, com mentalidade de descoberta |
Como nos apresentamos | Como profissionais, atendemos às expectativas, com mentalidade de conformidade | Expectativas | Integralidade | Como seres humanos, ser o melhor de nós mesmos, com mentalidade de autenticidade |
O que focamos: indo além do lucro rumo ao impacto
Para onde vai a organização e o que ela busca realizar? Durante décadas, as empresas professaram um foco exclusivo em maximizar os lucros para os acionistas. Embora continue sendo necessário, pois as organizações não conseguirão levantar capital se não gerarem retornos atraentes para os investidores, isso não é mais suficiente. Hoje as organizações têm que ir além dos lucros e buscar maximizar o valor e o impacto para todos os stakeholders – o que inclui contribuir para a sociedade e para um planeta saudável.
Para garantirem que suas empresas efetuem essa mudança com sucesso, os líderes precisam evoluir, deixando de ser gestores que buscam melhorias incrementais para se tornarem visionários com a coragem de elaborar um propósito vibrante e de imaginar e buscar o futuro com ousadia—ingredientes essenciais para avançar do desempenho mediano para o sucesso das empresas do quintil superior.2 Da perspectiva da liderança, os seguintes componentes precisam estar presentes:
- Alinhar as pessoas a uma aspiração e a um propósito claros e compartilhados.
- Definir o valor a ser criado para todos os stakeholders, medido pelas principais métricas operacionais e financeiras.
- Contribuir positivamente para a sociedade em geral e o ambiente natural.
Intenções ousadas moldaram a ascensão da Netflix. Quinze anos atrás, seu negócio consistia em enviar DVDs para a casa dos clientes. Cinco anos antes, porém, o cofundador e então CEO Reed Hastings havia articulado claramente um futuro bem diferente: “O sonho para daqui a 20 anos… é ter uma empresa global de distribuição de entretenimento que ofereça um canal exclusivo para produtores e estúdios de cinema.”3
Os líderes da Netflix incorporaram à cultura da empresa esse compromisso com a visão, o propósito e o impacto nos stakeholders. Assim, quando a Netflix começou a oferecer streaming direto para os consumidores, cancelou a distribuição de DVDs e lançou seu próprio braço de produção, os funcionários souberam que estavam realizando uma ambição ousada. Com isso, a Netflix criou enorme valor para todos os stakeholders – clientes, investidores, criadores, produtores, atores e roteiristas. Em 2019, a produção já representava 44% de seus negócios e, em seis anos, a empresa triplicou a receita, multiplicou os lucros por 32 e valorizou suas ações com um CAGR de 57% (em comparação com 11% das empresas do S&P 500).
Você está pensando com suficiente ousadia? Nem toda empresa será a próxima Netflix, mas qualquer empresa pode ser ousada. O CEO de certa empresa industrial sentiu que a organização havia estagnado estrategicamente, apesar de meses de deliberações. Em um retiro estratégico de dois dias, pediu à alta liderança que olhasse retrospectivamente a história da empresa. Todos então se deram conta de que o sucesso passado viera de alguns movimentos ousados por parte dos fundadores – movimentos que haviam definido o setor. Mas depois que a empresa decidiu abrir o capital, os líderes ficaram presos ao ciclo trimestral de atender às expectativas de resultados dos acionistas. Quando olharam para trás, adquiriram a coragem de buscarem um legado próprio, igualmente capaz de moldar o setor, e criaram um ecossistema de aprendizagem para revitalizar vários ramos da metalurgia.
Como nos apresentamos: indo além das expectativas rumo à integralidade
Qual versão de si mesmo você traz para o trabalho? Muitos líderes adotam uma atitude de “no trabalho, eu sou o meu cargo e o que faço”. Não é fácil buscar uma autenticidade pessoal mais profunda, mas esta é uma evolução necessária para os líderes de hoje – uma que irá se tornar cada vez importante nos próximos anos, à medida que a automação aumenta o valor do trabalho inerentemente humano.
Os líderes de hoje devem ir além de sua identidade como profissionais e se apresentar como seres humanos, com a coragem de serem – e de serem vistos como – uma pessoa completa, melhor e autêntica. É altamente desafiador. Implica não só admitir e reconhecer a essência interior mais profunda dos outros, como também não ter medo de revelar a própria essência, incluindo aspectos que talvez sejam excêntricos ou peculiares. A intenção é ir além dos relacionamentos meramente transacionais, que começam e acabam quando uma tarefa começa ou acaba, e dedicar tempo a conhecer os outros e se conectar com eles em um nível humano, compartilhando valores, crenças, esperanças e medos, permitindo que todos revelem a grandeza que existe em cada um de nós. As seguintes práticas de liderança podem favorecer essa mudança:
- Expandir a percepção e a consciência – o estado interior, o contexto externo e uma perspectiva verdadeiramente sistêmica.
- Adquirir maior constância emocional, ter uma gama mais variada de reações e saber adaptar-se a novas situações.
- Praticar o bem-estar como uma habilidade – física, emocional, mental e espiritual.
O que dificulta essa mudança é que, sendo programados para sobreviver, nossas reações baseadas no medo nos remetem a velhos hábitos numa tentativa de restaurar uma (falsa) sensação de certeza. Em outras palavras, quanto mais crucial for a adaptabilidade, menos somos capazes de praticá-la. Por outro lado, se conseguirmos evoluir, deixaremos para trás um estado em que o medo limita nossas crenças e maneiras de pensar e atingiremos um estado em que é possível acessar nossa paixão, sabedoria, criatividade, relações e expertise mais profundas. Aproveitar todo o potencial humano é o motivo pelo qual empresas voltadas para o futuro se esforçam tanto para criar ambientes de pertencimento e segurança psicológica e para fomentar relacionamentos compassivos nas equipes.
Em uma multinacional de Singapura que fornece aos usuários serviços financeiros, de entrega e de mobilidade, os líderes se viram em uma situação familiar a altos executivos de qualquer empresa de hipercrescimento. Ao preparem a IPO da jovem organização, eles se sentiram incapazes, exauridos e limitados pela falta de experiência. A solução? A empresa investiu em quase 100 líderes e suas equipes ao longo de 18 meses, ajudando-os a avançar rumo à integralidade e à autenticidade. O esforço permitiu que eles cultivassem a autoconsciência, se apresentassem tal como realmente eram, capacitassem outros, construíssem uma cultura de feedback e promovessem a segurança psicológica. Armados com maior autenticidade, resiliência pessoal e adaptabilidade, os jovens líderes reagiram bem à pressão de conduzirem suas equipes a uma IPO bem-sucedida durante a pandemia global.
Você permite que a esperança e o medo tenham voz? Esperança e medo fazem parte da condição humana e do curso usual dos negócios. Você reconhece isso e conversa a respeito com suas equipes? O CEO de uma empresa de engenharia decidiu encorajar um engajamento mais sincero e vulnerável compartilhando seus próprios sentimentos de frustração e impotência. Refletindo sobre sua herança como CEO de terceira geração de uma empresa familiar, ele admitiu que seu desejo de agradar os investidores havia prejudicado o propósito maior da organização. Essa atitude de vulnerabilidade ajudou a alta liderança a se tornar mais aberta e sincera, o que possibilitou um novo nível de autenticidade no diálogo.
Como organizamos: indo além do comando rumo à colaboração
Ao longo do século 20, as organizações adotaram estruturas matriciais cada vez mais complexas sustentadas por silos isolados e hierarquias opacas. Essa abordagem está ossificada. Novas formas de organizar o trabalho estão surgindo que eliminam os gargalos organizacionais e permitem que as pessoas atuem juntas com muito mais eficiência. A substituição de hierarquias fechadas por uma rede de equipes autônomas que trabalham juntas com transparência, confiança e colaboração oferece às empresas um modelo organizacional mais adaptável e poderoso.
Essa mudança exige que os líderes deixem de ser diretores que recebem e dão instruções hierarquia acima e hierarquia abaixo para se tornarem catalisadores que capacitam e orientam equipes autogeridas, promovendo a conexão, o diálogo e a cooperação através das fronteiras organizacionais tradicionais. Essa abordagem mais evoluída cultiva a confiança, o respeito e a compaixão; requer que se abra mão do poder que vem com a autoridade posicional e que se adote uma postura bem mais aberta; e favorece a conexão humana dentro das equipes e entre as hierarquias formais. As seguintes práticas de liderança podem ajudar a impulsionar a mudança:
- Encorajar e capacitar pessoas em pequenas equipes empreendedoras autorreguladas.
- Promover transparência e colaboração horizontais em toda a rede e fora dela.
- Passar de uma hierarquia de líderes individuais para redes de equipes de liderança.
A empresa de serviços financeiros Aon é um bom exemplo de líderes que atuam como catalisadores, com mentalidade de parceria, para moldar uma organização colaborativa em rede. Construída por meio de aquisições, a Aon tornou-se essencialmente uma federação de feudos, nos quais cada líder sentia que suas relações com clientes eram apenas suas e buscava expandir apenas os próprios negócios, o que levava à duplicação de esforços e à falta de coordenação na empresa como um todo. Os líderes seniores queriam preservar tal empreendedorismo, mas reconheciam que era preciso abandonar a cultura de silos e inculcar uma de colaboração. Lançaram o “Aon United”, programa para colocar os clientes no centro de tudo o que faziam, promover o apoio mútuo de todos na organização em prol dos clientes e inovar em escala para atender às necessidades dos clientes.
Não foi tarefa fácil. Demorou anos até que a Aon se adaptasse plenamente ao novo modelo colaborativo; a empresa chegou a investir no desenvolvimento e treinamento de mais de 10.000 colegas. O objetivo era mudar mentalidades e comportamentos antigos e formar redes baseadas na confiança atuando entre as várias regiões e linhas de produtos. Outro objetivo era ir além do trade-off entre regiões e produtos com a adoção de uma mentalidade de parceria e colaboração, e a formação de equipes multidisciplinares focadas nos clientes integrando conhecimentos sobre regiões e sobre produtos. Hoje se espera que os líderes dediquem um dia por semana a ajudar colegas fora de sua área.
O impacto foi considerável e permitiu à Aon integrar uma federação de 60 submarcas em uma única organização global com 50.000 funcionários em 120 países, aumentando seu valor de mercado de $6 bilhões em 2005 para $50 bilhões em 2020. A Aon hoje vê sua ética colaborativa como uma vantagem competitiva fundamental: há apenas uma demonstração de resultados para toda a empresa; o modelo de atendimento ao cliente foi padronizado; e a linguagem do “nós… nosso” passou a ser encorajada no lugar de “eu… meu”.
Você tem equipes de líderes ou redes de equipes de liderança? Onde você se encontra em um espectro que vai de um grupo de líderes a uma verdadeira equipe de liderança? Percebendo a necessidade de transformar os negócios e a organização, a líder de certa unidade de negócio percebeu que a própria equipe de liderança constituía uma barreira importante. Cada líder se dedicava apenas a proteger e defender a função que liderava, tornando difícil alinhar a equipe e iniciar uma transformação que abrangesse a unidade inteira. Ela então iniciou uma jornada com a equipe que visava fortalecer a confiança, trazer à tona as crenças restritivas e compromissos inconscientes que mantinham os líderes presos a esse padrão, e explorar novas mentalidades e práticas. Com o progresso da jornada, todos garantiram que agora sua prioridade máxima era agir como membros da equipe de liderança da unidade. Com isso, a natureza da equipe de liderança mudou profundamente: de dirigir e gerenciar para arquitetar, catalisar e treinar. Os cargos, metas, incentivos e responsabilidades também foram ajustados para reforçar, em vez de enfraquecer, o verdadeiro trabalho em equipe. Essa transição – de uma equipe de líderes para uma verdadeira equipe de liderança – transformou toda a organização.
Como realizamos nosso trabalho: indo além do controle rumo à evolução
Hoje, as empresas líderes buscam se tornar organizações capazes de aprender e estão incessantemente evoluindo, explorando, ideando, experimentando, ampliando ou diminuindo sua escala, executando e abandonando muitas atividades diferentes ao mesmo tempo. Por acelerarem as mudanças e permitirem que surpresas e inovações positivas floresçam, seu desempenho é consistentemente superior ao de empresas sempre focadas em colocar em prática o plano “perfeito”.
Estamos vivendo uma mudança profunda no modo como realizamos nosso trabalho: os líderes estão deixando de ser controladores, com mentalidade de certeza, para se tornarem coaches que atuam com uma mentalidade de descoberta e promovem continuamente a rapidez na exploração, na execução e na aprendizagem. Líderes e equipes de liderança devem aprender a definir e trabalhar com vistas a obter resultados (não a atingir indicadores-chave de desempenho tradicionais), a promover a experimentação rápida, a aprender com vitórias e derrotas, e a gerenciar riscos de maneira diferente, por meio de testes, aprendizagem e adaptação rápida. Entre as práticas de liderança que permitem essa mudança estão:
- Atuar em ciclos curtos de decisão, ação e aprendizagem.
- Repriorizar regularmente o portfólio de iniciativas para simultaneamente executar os negócios de hoje, cocriar os negócios de amanhã e abandonar os negócios de ontem.
- Engajar e liderar as pessoas, ajudando-as a entender – e a se entusiasmar com – o fato de que mudanças significativas serão agora uma constante.
A empresa de softwares financeiros Intuit realizou tal mudança quando se viu estagnando após o sucesso inicial do seu software de gestão financeira para consumidores. Os líderes seniores decidiram dobrar a aposta em clientes, inovação e desenho, promovendo uma mudança de cultura para o design thinking e a experimentação, tendo o “aprender rápido” e o “errar rápido” no seu cerne.4
Os altos executivos, a começar pelo CEO, tornaram públicas as suas próprias avaliações de desempenho, admitindo erros e buscando feedback. Os funcionários foram autorizados a dedicar 10% do seu tempo não estruturado a experimentações, e as boas ideias recebiam financiamento. A tomada de decisão foi simplificada e acelerada, com responsabilidades claras e processos baseados em dados e diálogo. Essas mudanças ajudaram a empresa a se tornar uma organização altamente inovadora e capaz de aprender, com mais de 1.800 experimentos em execução a qualquer momento. Na década que findou em 2019, a empresa dobrou seus clientes para 50 milhões, duplicou sua receita, triplicou seus lucros e aumentou seu valor de mercado de $10 bilhões para $60 bilhões.
Você tem ajudado as pessoas a experimentar e aprender? Às vezes, o caminho para a inovação é conectar-se com o passado; outras vezes, é conectar-se com o futuro. A equipe financeira de uma empresa de hospitalidade, por exemplo, reconheceu que o detalhamento de seus planos e meios de controle era exagerado. Percebeu também que isso decorria de uma necessidade de certeza e perfeição que, por sua vez, provinha de expectativas (possivelmente imaginárias) do que a alta gerência e o Conselho esperavam dela. A diretora financeira desafiou sua equipe a se tornar uma fonte de energia positiva e inovação, e liderou pelo exemplo, embora houvesse dúvidas se a alta liderança da empresa apoiaria tal mudança. Mas funcionou: em poucas semanas, a equipe renovara sua energia e descobrira dezenas de maneiras para a empresa reduzir custos, acelerar ações e agregar mais valor.
Como criamos valor: indo além da competição rumo à cocriação
A criação de valor para os stakeholders é o cerne de toda organização. Durante décadas, as empresas se concentraram em gerar vantagem competitiva para obter um share cada vez maior do valor de mercado existente. Ainda que em tempos de rápida comoditização e de produtos com ciclos de vida cada vez mais curtos continue sendo essencial oferecer aos clientes mais valor do que outras opções que eles venham a considerar, as organizações precisam ir muito além do foco na vantagem competitiva. Elas precisam reimaginar seus modelos de negócio e os ecossistemas do setor para criar novos níveis de valor para os clientes e outros stakeholders.
Essa mudança exige que os líderes evoluam, deixando de ser planejadores que atuam sob o pressuposto da escassez de oportunidades e recursos para se tornarem arquitetos que moldam novos modelos e sistemas de negócio, e que compreendem e fazem bom uso da abundância de oportunidades e recursos disponíveis. Para muitas equipes de liderança, porém, isso representa uma mudança radical no foco principal e no conteúdo do seu trabalho: da otimização e execução táticas para um pensamento estratégico profundo, exploração e conexão social. Entre as práticas de liderança que compõem essa mudança estão:
- Gerar uma plataforma forte e estável de competências essenciais que agreguem valor.
- Criar valor aplicando essas competências essenciais a um portfólio de negócios em constante evolução, seja organicamente ou por meio de iniciativas sistemáticas de fusão e aquisição.
- Ampliar o valor por meio de parcerias criativas com fornecedores e concorrentes de modo a moldar e expandir os ecossistemas da organização no setor.
Quase uma década atrás, o DBS – Banco de Desenvolvimento de Singapura – estabeleceu a meta audaciosa de ser reconhecido, até 2020, como o melhor banco do mundo. Sua abordagem não foi perguntar “O que o banco quer fazer?”, mas sim “Como tornar a relação dos clientes com o DBS algo fácil, divertido, conveniente e alegre?” Uma parte da resposta consistiu em criar uma mentalidade de ecossistema tendo o banco ao centro – uma plataforma, não um produto – e em a liderança adotar uma mentalidade de criação e abundância. Em 2017, o DBS lançou uma plataforma com 150 APIs [interfaces de programação de aplicativos, que permitem que sistemas se comuniquem entre si]; cinco anos depois, esse número crescera para 1.000 APIs e mais de 400 parceiros. O banco conquistou novos clientes por meio desses parceiros, expandindo suas atividades para imóveis, automóveis, viagens e serviços públicos.
O DBS transformou a organização e gerou extraordinário impacto. Isso é o que pode acontecer quando uma empresa adota as cinco mudanças de mentalidade moderna que discutimos.
- Visionários gerando impacto para todos os stakeholders, com mentalidade de possibilidade. Os líderes do DBS primeiro redefiniram sua visão para o banco: ser uma empresa de tecnologia que torna as interações bancárias divertidas. Equipes foram incumbidas de articular essa visão mediante mudanças de mentalidade e de comportamento.
- Seres humanos sendo o melhor de si mesmos, com mentalidade de autenticidade. Os líderes perceberam que a cultura e a liderança estavam deixando o banco para trás. Focaram a criação e incorporação de capacidades transformacionais em toda a organização, ancorados em uma mentalidade de crescimento. A mudança permitiu que as pessoas deixassem de lado crenças restritivas e explorassem sua profunda paixão e engenhosidade a fim de oferecer uma nova forma de serviços bancários aos clientes.
- Catalisadores colaborando em redes autônomas, com mentalidade de parceria. O empenho em se tornar uma plataforma de tecnologia implicou transformar o DBS em uma organização horizontal, com equipes de ponta a ponta reagindo rapidamente para atender às necessidades de clientes e funcionários. Os líderes identificaram e aprenderam com as jornadas das 100 equipes de maior impacto e aceleraram essas lições em toda a organização. Promoveram a segurança psicológica em cada equipe e ampla colaboração e diálogo entre elas.
- Coaches evoluindo por meio da aprendizagem rápida, com mentalidade de descoberta. A organização exigiu das equipes sprints transformacionais de dois a três meses, assegurando-lhes um “tempo na varanda”, isto é, tempo para se reunirem e refletirem em pequenos grupos retrospectivos. Essa abordagem transformacional das equipes sincronizou bem com a nova prática de ciclos rápidos de aprendizagem e um temperamento de coaching.
- Arquitetos cocriando novo valor por meio da reimaginação, com mentalidade de abundância. O DBS foi além do foco em produtos e criou uma plataforma, adotando uma abordagem de ecossistema otimizada para solucionar tanto as “coisas a fazer” como os problemas que afligiam os clientes.
Transformando a liderança para transformar a organização
Transformar a organização em uma entidade próspera, capaz de gerar crescimento sustentável e inclusivo, requer também uma transformação abrangente da liderança, começando com uma rede de alto nível de equipes de liderança. Em termos mais específicos, geralmente isso requer o envolvimento dos três níveis superiores da organização: a equipe de liderança corporativa, as equipes de liderança das principais unidades funcionais e de negócio, e as equipes de liderança das unidades primárias de cada uma das unidades principais, além de grupos de governança entre as unidades. Em organizações de grande porte, isso pode envolver os 500 a 1.000 líderes mais seniores da empresa.
Talvez o mais importante seja que essa mudança deve ser voluntária. A maioria de nós não pode ser instruída a mudar, de modo que um bom processo de transformação terá que ser desenvolvido de forma emergente, permitindo que as pessoas reconheçam que estarão em melhor situação – individual e coletivamente – se se transformarem. Somente assim começarão a aceitar e adotar individualmente novas mentalidades, capacidades e práticas; a cocriar e implementar novas definições para cargos de liderança, planos de carreira, incentivos e a gestão do desempenho, que passa a ser focada na atuação das redes de equipes de liderança; e a reimaginar os negócios, organizações e ecossistemas de modo a possibilitar novos níveis de desempenho e impacto.
Um programa de transformação da liderança concebido para engajar e transformar a alta liderança de uma empresa global poderá incluir os seguintes elementos:
- Descoberta e desenho iniciais. Monte uma equipe de transformação da liderança para orientar o esforço, definir as metas e o impacto desejado, e criar a arquitetura geral do programa de transformação. Nessa fase inicial, avaliar a prontidão dos líderes também é fundamental. As equipes precisam saber em que pé estão hoje e onde gostariam de estar para realizar todo o seu potencial.
- Introdução imersiva. Uma experiência introdutória de, talvez, três a quatro dias com grupos mistos de líderes de todas as partes da empresa cativará esses líderes, catalisará os avanços e insights iniciais, e gerará impulso e conexão.
- Jornadas da equipe de liderança. Isso significa apoio de coaching para cada equipe de liderança na rede, começando pelas pioneiras, em três níveis: para cada líder dentro da equipe, para a equipe de liderança como um todo e para o modo como a equipe de liderança engaja as pessoas tanto dentro da unidade organizacional que lidera como entre as fronteiras organizacionais tradicionais.
- Jornada coletiva. Esta jornada é a transformação da hierarquia gestora tradicional (politizada e em silos isolados) em uma rede de equipes de liderança plana, aberta e colaborativa que abranja toda a empresa e que, com o tempo, evolui para uma comunidade de liderança atuando com a nova abordagem em todas as partes da organização.
- Desenvolvimento interno de profissionais. Uma comunidade interna de coaches de transformação da liderança pode ajudar a dimensionar a nova abordagem de liderança para líderes informais, de nível médio e da linha de frente na empresa inteira.
À medida que os líderes forem se tornando mais autoconscientes e adotarem novas mentalidades e práticas mais capacitadoras, eles desenvolverão sua capacidade adaptativa ao aplicarem essas práticas para reimaginar como trabalham dentro de cada equipe de liderança e em uma rede de equipes de liderança. Eles trabalharão coletivamente para desenvolver sua fundação, modelo operacional e modelo de negócio a fim de que a organização prospere. Seu progresso na construção de uma organização próspera mediante a transformação coletiva da liderança deve ser medido em três níveis, cada um baseado no anterior: mudanças na mentalidade e no comportamento da liderança, lançamento ou aceleração de iniciativas de transformação empresarial e organizacional, e impacto holístico para todos os stakeholders.
A história está repleta de casos em que o impossível, ou mesmo o inimaginável, se torna realidade. Quando esses momentos acontecem, as barreiras mentais e emocionais se rompem, permitindo que outros façam o mesmo. Já temos visto algumas organizações evoluírem e se transformarem para atender às demandas do crescimento sustentável e inclusivo. Mais e mais empresas agora seguirão seu exemplo.
Os líderes que desenvolverem as novas capacidades e mentalidades discutidas neste artigo poderão ser de enorme valia a qualquer organização como catalisadores e facilitadores da criação de valor. A jornada emergente da transformação da liderança convida os líderes seniores a adotarem e aplicarem novos princípios e práticas a si mesmo, a suas equipes e à organização como um todo. E quando já demonstrarem novas mentalidades e comportamentos, terão condições de aproveitar as reservas de energia, a paixão e a engenhosidade da organização; de aprimorar e acelerar todo o portfólio corporativo de iniciativas de desempenho e transformação; e de revelar novos níveis de valor para clientes, funcionários, investidores e outros stakeholders.