Em outubro de 2024, mais de 9 mil players de todo o espectro do setor de seguros se reuniram na conferência anual de seguros ITC Vegas. O tema mais discutido na conferência, como era de se esperar, foi o uso da IA generativa (GenAI, na abreviatura em inglês) e suas possíveis implicações para o setor de seguros. Neste episódio do podcast McKinsey on Insurance, Matt Cooke, diretor global de marketing e comunicações da Prática de Serviços Financeiros da McKinsey, reuniu-se na ITC Vegas com Tanguy Catlin, sócio sênior da McKinsey, para uma discussão abrangente sobre a trajetória futura do setor, a manutenção da relevância em um mercado em transformação e a geração de valor com GenAI. A transcrição a seguir foi editada para maior clareza e concisão.
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Matt Cooke: A maior conferência de seguros do mundo parecia ser a oportunidade perfeita para discutirmos alguns dos maiores desafios e tendências do setor e o que provavelmente veremos nos próximos meses e anos. Vamos começar aqui na ITC 2024. O que você tem ouvido? O que há de novo este ano? O que provavelmente está por vir?
Tanguy Catlin: Muitas insurtechs [startups que usam tecnologia para inovar e otimizar o setor de seguros] estão focadas em casos de uso específicos, definidos de forma muito restrita. Isso cria um desafio para as seguradoras que precisam integrar vários casos de uso a fim de transformarem verdadeiramente uma jornada do cliente de ponta a ponta ou um domínio. Ainda há muito a ser feito para que as seguradoras aproveitem plenamente o valor que as insurtechs estão oferecendo. Mas estamos começando a ver o surgimento de plataformas que tornam a integração dessas insurtechs muito mais simples do ponto de vista tecnológico.
O grande tema deste ano é a GenAI. Muitas das insurtechs aqui presentes oferecem GenAI às seguradoras para transformarem aspectos do atendimento ao cliente em vendas, sinistros e subscrição. Há uma maior tendência ao surgimento de ecossistemas, em que vários participantes podem colaborar entre si para resolver problemas muito complexos, como o futuro da mobilidade ou a transformação real da experiência em sinistros.
Infelizmente, muitas seguradoras começam com uma definição incompleta de GenAI, o que limita sua capacidade de pensar na possibilidade que têm de usá-la adequadamente e de obter de valor dela.
Matt Cooke: Pensando nas linhas de seguros pessoais, empresariais e de vida, quais são as implicações da GenAI? Quais são as maiores oportunidades? Como veremos a evolução disso no ano que vem?
Tanguy Catlin: Infelizmente, muitas seguradoras começam com uma definição incompleta de GenAI, o que limita sua capacidade de pensar na possibilidade que têm de usá-la adequadamente e de obter de valor dela. A GenAI é diferente da IA tradicional e está em uma posição especial para resolver certos tipos de problemas – mas não todos. As seguradoras lidam com muitos problemas que exigem uma solução matemática. Para esses problemas, a IA tradicional é a opção certa. O que a GenAI faz é entender o contexto de uma maneira que abre portas para novos casos de uso.
Mesmo quando você usa grandes modelos de linguagem com a IA tradicional, é necessário criar um modelo para resolver um problema específico. Portanto, há pouquíssima escalabilidade, e cada modelo geralmente requer o uso de dados estruturados. Você precisa identificar o problema, criar um modelo e ingerir dados estruturados para obter um resultado. Com a GenAI, você vira o problema de cabeça para baixo. Você pega dados estruturados e não estruturados e cria um modelo enorme que pode ser usado para centenas ou mesmo milhares de aplicações diferentes. Você parte do modelo e pergunta: “Que problema eu quero resolver?”, em vez de partir de um problema e perguntar: “De que modelo eu preciso?”. Isso muda completamente a noção de escalabilidade. É isso que será transformador, mas significa que você precisa ter uma abordagem muito diferente da sua arquitetura para poder obter o valor da escalabilidade.
Muitas pessoas ainda falam de usar a GenAI para automatizar o que estão fazendo; por exemplo, automatizar um relatório para uma área financeira. Essa é a abordagem errada. A GenAI muda a sua maneira de interagir com os seus dados. Em vez de pedir um relatório, pense no diálogo que você poderá ter. Se você for o chefe de um call center, por exemplo, poderá perguntar: “O que aconteceu no meu call center hoje?”. E a GenAI vai lhe dar uma síntese. Aí você poderá dar um clique duplo e perguntar: “Por que mais pessoas faltaram?”. Quando tiver uma resposta, você poderá perguntar: “Com base nos dados que temos, que providências devo tomar?”. Isso tem a ver com engajamento e diálogo. Embora muitas pessoas falem sobre GenAI, acredito que é necessário um grau mais alto de maturidade e compreensão da tecnologia para definir a abordagem correta e captar seu valor.
Há quatro aplicações principais da GenAI nos diferentes setores. Como o modelo de linguagem dela é muito bom, as primeiras aplicações estão no campo da tecnologia. Você pode usar a GenAI para criar programas de computador ou para pegar um programa escrito em uma linguagem, como COBOL, e convertê-lo para outra linguagem, como Java. A maioria das seguradoras está fazendo isso.
A segunda é a criatividade. A GenAI cria vetores que têm um contexto que ela pode utilizar, quando você fornece mais contexto, para criar conteúdo de qualidade que pode ser altamente personalizado. As áreas de gestão e síntese de conhecimentos são muito relevantes para o setor de seguros. Nos processos de sinistros e subscrição, precisamos acessar informações que, por sermos um setor regulamentado, estão hospedadas em muitos domínios e aplicativos diferentes. A GenAI é incrivelmente eficaz para encontrar as informações certas, extrair sentido delas e fornecê-las de forma sintetizada para que possam ser consumidas pelas pessoas. Isso aumenta a rapidez com que você pode integrar novos funcionários a um call center, subscrever uma apólice e melhorar a qualidade dos seus serviços para os sinistrados.
A última é o atendimento ao cliente. É importante treinar ou substituir um ser humano na interação com os clientes. A GenAI tem a capacidade de ser multimodal, o que significa que pode emular empatia, e está prestes a transformar a nossa abordagem das interações com os clientes.
Em muitas seguradoras, a GenAI será fornecida pelas plataformas usadas por elas em áreas tradicionais, como RH e finanças. As seguradoras se diferenciarão na subscrição e nos sinistros, pois precisarão criar esses aplicativos por conta própria. Vi algumas maneiras incríveis de melhorar os fluxos de trabalho na subscrição. Na área de sinistros, a GenAI pode ser usada para tudo, desde determinar coberturas até garantir que a abordagem de lesões corporais esteja em total em conformidade com a regulamentação. Em muitas aplicações que estão surgindo, as seguradoras precisam desenvolver as soluções em vez de obtê-las de plataformas.
Precisamos ter uma conversa real sobre a importância do avanço do nosso setor e sobre a capacidade de reagirmos às mudanças.
Matt Cooke: Agora, em termos de maturidade de uso, em que ponto estamos hoje no setor? Obviamente, a evolução é constante, mas quanto progresso você acha que o setor provavelmente fará? Onde está agora e como é provável que avance no próximo ano?
Tanguy Catlin: O ritmo de desenvolvimento e aprimoramento da GenAI é diferente de tudo que já vi. O surgimento do que chamamos de agentes de IA – entidades analíticas que têm a capacidade de aplicar discernimento humano e orquestrar tarefas aproveitando outros modelos para resolver problemas complexos dos clientes – é transformador. Então, por um lado, o progresso é muito rápido. Por outro, é muito lento, porque o progresso é proporcional à adoção que conseguimos fomentar. A tecnologia está fazendo um enorme progresso; somos capazes de resolver problemas que, há apenas dois ou três anos, estavam fora de cogitação, mas promover mudanças no comportamento humano é muito mais difícil. Pela nossa experiência, a adoção da GenAI e a mudança comportamental exigem um investimento de três a quatro vezes mais tempo e recursos, inclusive capital, do que a parte técnica.
Matt Cooke: Vamos passar para as linhas pessoais. Recentemente, as seguradoras e resseguradoras dos EUA enfrentaram dois grandes furacões na Flórida em um período de duas semanas. O setor de seguros ainda está trabalhando intensamente na situação pós-desastre na região. Alguns mercados do mundo deixarão de ser seguráveis? Como as mudanças climáticas afetam os prêmios e a cobertura?
Tanguy Catlin: Em primeiro lugar, eu gostaria de expressar empatia e compaixão por todos os afetados. O motivo pelo qual eu adoro este setor é o fato de acreditar que somos movidos por um propósito, e o nosso propósito é fazer as pessoas se reerguerem; espero que, coletivamente, consigamos fazer isso.
Dito isso, vou começar por um ponto para reflexão. Nos EUA, a porcentagem de perda resultante de um evento catastrófico que é coberta pelo seguro, em comparação com a parte não coberta, está em queda acentuada há 80 anos. Se formos além dos eventos catastróficos, há muitos riscos que estão surgindo agora – segurança cibernética, riscos políticos e propriedade intelectual, por exemplo –, para os quais o nosso setor ainda não é capaz de fornecer soluções que atendam às necessidades da sociedade. Precisamos ter uma conversa real sobre a importância do avanço do nosso setor e sobre a capacidade de reagirmos às mudanças, inclusive as mudanças climáticas. Quanto às soluções que temos que encarar, precisamos pensar em promover a proteção, tentando preparar as pessoas para alguns desses eventos melhor do que preparávamos antes. Isso significa trabalhar com os órgãos reguladores. As taxas, os preços e a cobertura nem sempre são adequados, e os órgãos reguladores têm um papel a desempenhar nisso. As seguradoras precisarão continuar otimizando o risco de concentração, a cobertura dos produtos e vários outros elementos.
O setor tem o enorme desafio de educar os motoristas sobre como as ações deles estão aumentando os riscos significativamente.
Matt Cooke: Quero passar para a questão da mobilidade. O setor automotivo está cada vez mais próximo da direção autônoma. Quais são as últimas novidades? O que isso significa para as seguradoras?
Tanguy Catlin: Com sensores e softwares, os carros estão adquirindo a capacidade de se controlar por si próprios. E a questão é se devemos contratar o seguro por meio de seguradoras ou já embutido no carro, oferecido no ponto de venda pela própria montadora. Muitas montadoras têm marcas tão fortes quanto as das seguradoras, se não mais fortes. Elas têm acesso a dados que, quando combinados com dados de sinistros, permitem que tenham ou criem uma vantagem de preço. Elas têm um controle muito melhor da cadeia de valor de consertos quando há um sinistro e têm a possibilidade de reduzir o custo. Ao mesmo tempo, as montadoras não estão prontas para investir boa parte de seu capital no fornecimento de seguros. E as seguradoras precisam [de acesso a dados comportamentais e veiculares, bem como a dados de sinistros] para poderem subscrever e precificar melhor os riscos.
O segundo ponto é que entre 94% e 96% dos acidentes de carro são causados por erro humano, e a tecnologia deve ser capaz de superar a maioria desses erros. Embora a frequência de acidentes tenha diminuído, a gravidade aumentou. Em parte, isso se deve ao fato de o preço dos carros ter aumentado drasticamente, e não há consertos baratos. O conserto de um para-choque ou de um para-brisa custa uma fortuna hoje, porque há sensores embutidos. Ainda não conseguimos lidar com a curva de custos dos seguros.
Mas a frequência de acidentes não diminuiu tanto quanto deveria levando-se em conta toda a tecnologia embutida os carros. Isso se deve ao fato de os comportamentos humanos serem afetados pela distração hoje em dia. O setor tem o enorme desafio de educar os motoristas sobre como as ações deles estão aumentando os riscos significativamente. São necessárias mais colaborações em todo o ecossistema, mas o fundamental será o acesso aos dados para que possamos transmiti-los aos consumidores de uma forma que eles possam entender.
O que está acontecendo agora é que as seguradoras vêm buscando maneiras de obter mais eficiência do capital que estão empregando.
Matt Cooke: Vamos passar agora para o ramo de seguros de vida. As populações estão envelhecendo em muitos países, inclusive nos grandes. O que as seguradoras de vida podem oferecer de forma realista às pessoas de 50, 60 e 70 anos?
Tanguy Catlin: Vamos começar entendendo para que o seguro de vida foi concebido, como era a sociedade naquela época, como é a sociedade hoje, quais são as tendências e como o setor precisa evoluir. Logo após a Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, as pessoas não precisavam se preocupar muito com a aposentadoria, e o seguro de vida era, na verdade, uma proteção contra a morte para a família. Atualmente, menos pessoas se casam, e se casam muito mais tarde. Em geral, ambos os companheiros têm emprego e têm filhos em menor quantidade e muito mais tarde na vida do que antigamente. A necessidade de cobertura de morte é muito menor, porque as pessoas estão vivendo muito mais. Além disso, os custos da saúde aumentaram substancialmente. Partindo desses princípios básicos, o setor de seguros precisará encontrar maneiras de ser relevante nos ramos de aposentadoria, saúde e gestão de patrimônio.
Matt Cooke: Estamos vendo as principais seguradoras dos EUA e da Europa implementarem uma abordagem de ciclo virtuoso com três elementos: distribuição em escala, investimentos melhores e uma nova flexibilidade na obtenção de capital. Poderia falar um pouco sobre o futuro dessa tendência, na sua visão?
Tanguy Catlin: O que está acontecendo agora é que as seguradoras vêm buscando maneiras de obter mais eficiência do capital que estão empregando. A tendência de gerar valor por meio da gestão de ativos e passivos veio para ficar. Durante muito tempo, as seguradoras de vida conseguiram gerar valor buscando diversificação em passivos. Agora que o setor está percebendo que há sinergias entre gestão de ativos e passivos, essa tendência vai se acelerar e, desconfio, diferenciar os vencedores dos perdedores no futuro.