Não deve mais haver qualquer dúvida de que a experiência do cliente é um extraordinário fator de crescimento. Ao analisarmos o desempenho financeiro, entre 2016 e 2021, de 75 empresas que têm contato direto com o consumidor, constatamos que aquelas cuja experiência do cliente foi mais bem avaliada tiveram um crescimento da receita duas vezes maior que o de seus concorrentes.
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Não é mágica. Empresas que tratam bem seus clientes tendem a adquirir mais deles, a vender mais para cada um e a mantê-los por mais tempo do que empresas que não o fazem.
Nem é fácil. Tradicionalmente, os fatores que definem uma ótima experiência do cliente – por exemplo, serviço ágil e personalizado – sempre foram caros. Exigem um grande número de funcionários qualificados e motivados na linha da frente e dependem do suporte de gestores e especialistas atentos, bem como de amplos recursos técnicos para analisarem continuamente a sua base de clientes.
Neste momento, poucas organizações estão em condições de realizar grandes investimentos para expandir a função de serviços. Após dois anos de inflação elevada e taxas de juro crescentes, muitas empresas estão buscando cortar custos em todas as suas operações, não torná-las mais robustas. Os executivos estão hoje menos otimistas quanto à demanda dos consumidores e mais receosos de investirem em novas capacidades. Mesmo empresas que querem ampliar suas equipes de serviços têm encontrado dificuldades para contratar e reter pessoal adicional.
Existem tecnologias que podem ajudar
Diante desse cenário, muitas empresas têm recorrido à tecnologia para resolver o dilema entre custo e experiência do cliente. Avanços recentes em atendimento digital prometem melhorias drásticas de eficiência e produtividade, ao mesmo tempo em que permitem um tipo de personalização profunda capaz de transformar uma interação cotidiana com o cliente em uma experiência excepcional. A IA generativa (genAI), por exemplo, tem ajudado empresas a criar comunicações individualizadas com base nas preferências e no histórico de compras de cada cliente. Chatbots interativos acionados por IA e unidades de resposta audível (URAs)1 já conseguem solucionar consultas complexas com rapidez e de maneira amigável para o cliente. Com o avanço das tecnologias de chatbots, assistentes virtuais e URAs, o suporte ao cliente pode evoluir para um tipo de experiência que independe do canal utilizado graças à inteligência artificial. Nos bastidores, sistemas de gestão digital da força de trabalho permitem às empresas ajustar os horários de trabalho das equipes de serviços para darem conta das oscilações da demanda, enquanto os agentes de atendimento utilizam ferramentas de IA para fornecerem aos clientes respostas mais rápidas e precisas.
Na corrida para implementarem essas novas tecnologias, as empresas devem evitar as armadilhas que prejudicaram esforços anteriores de transformação digital. Numa pesquisa da McKinsey com líderes seniores em 2022, nove em dez afirmaram que suas organizações tinham empreendido pelo menos uma transformação digital de grande porte nos dois anos anteriores, mas os resultados haviam sido bastante inexpressivos, gerando apenas 31% do aumento de receitas esperado e alcançando só 25% da redução de custos prevista.
Quando uma empresa reflete sobre os motivos de uma transformação tecnológica não ter dado certo, certos padrões começam a surgir. Alguns são inerentes a qualquer esforço de mudança, como a falta comprometimento ou de alinhamento da alta liderança – o que pode procrastinar a tomada de decisões e tornar difícil criar e manter a dinâmica da transformação. Outro é a tendência de buscar “metas cintilantes” sem antes desenvolver as capacidades básicas necessárias para alcançá-las. Em muitas empresas, a transformação – seja o objetivo microssegmentar, desenhar serviços a partir da experiência do usuário, desenvolver talentos ou aprimorar o modelo operacional – acaba fracassando devido a esses problemas.
Mas outros padrões são peculiares a iniciativas de transformação digital – por exemplo, o excesso de cautela. Algumas empresas optam por avançar aos poucos, introduzindo gradualmente novas tecnologias em suas operações. Cada mudança visa resolver apenas um problema ou ponto nevrálgico específico. Isso talvez ajude a empresa a gerir seus custos e riscos, mas pode levá-la a desprezar oportunidades que exigem mudanças em grande escala – justamente aquelas que tendem a agregar mais valor no longo prazo.
Algumas empresas fazem o oposto e acreditam que esta ou aquela tecnologia será uma solução mágica para todos os seus desafios operacionais. Tentam consertar tudo com uma única ferramenta. Mas esta abordagem é duplamente ineficaz, pois não só não corrige os processos subjacentes, como também força as equipes a adotarem ferramentas que talvez não sejam as mais apropriadas para os desafios que enfrentam.
Construindo uma organização de serviços dotados de inteligência artificial
Na próxima onda de transformações digitais em serviços possibilitadas pela inteligência artificial, as empresas poderão evitar essas armadilhas se fizerem certo três coisas essenciais. Primeiro, implantar as tecnologias certas, no momento certo, da forma certa. Segundo, integrar a utilização de novas tecnologias com alavancas já comprovadas de aprimoramento dos negócios. Por fim, equipar seu pessoal com as competências e capacidades necessárias para utilizarem a tecnologia.
Adote as tecnologias certas, no momento certo, da forma certa
Serviços digitais eficazes não devem ser baseados em uma só tecnologia, e sim criados a partir de uma variedade de ferramentas e componentes tecnológicos. Caberá aos funcionários escolher a ferramenta certa para cada tarefa. Por exemplo, as tecnologias de genAI proporcionam às empresas uma nova e poderosa maneira de resumir e processar mensagens e outros tipos de informação em linguagem natural. No entanto, se uma tarefa exigir o processamento de dados estruturados, a automação robótica dos processos pode ser uma solução mais rápida, econômica e confiável. Na verdade, a implantação de tecnologias de forma integrada pode ajudar a amplificar seu impacto, como ilustram os exemplos de organizações abaixo.
Escolher o momento certo é muito importante na adoção da tecnologia, pois cada fase do processo de transformação tem um foco diferente e exige ferramentas tecnológicas diferentes. De modo geral, essas fases são: diagnóstico, planejamento e implementação. A fase de diagnóstico permite compreender o pleno potencial da organização. O foco da fase de planejamento é a otimização das operações e a elaboração de estratégias para avançar. E a fase de implementação envolve a escala, a sustentação e o aprimoramento das operações.
Por fim, é imprescindível que as tecnologias selecionadas sejam implantadas com um modelo operacional apropriado. Para tanto, certas decisões precisam ser tomadas: Prosseguir com uma prova de conceito ou realizar uma compilação completa? Adquirir licenças ou utilizar os serviços de um integrador de sistemas? A introdução correta das tecnologias garantirá uma implementação tranquila e minimizará as disrupções. Durante a fase de diagnóstico, por exemplo, os insights obtidos a partir dos processos poderão levar à implantação de tecnologias de hiperautomação (como reconhecimento óptico de caracteres, OCR, ou o processamento inteligente de documentos) ou de outras ferramentas (como machine learning, plataformas low-code ou no-code para criação de soluções, e gêmeos digitais) necessárias para atender a necessidades operacionais específicas. Além disso, para ajudar a superar possíveis desafios ao longo da jornada de implementação, deve ser escolhida uma unidade de negócio que ofereça oportunidades suficientes e tenha uma liderança comprometida.
Certa firma norte-americana de gestão de patrimônio implantou uma série de tecnologias para aumentar significativamente a eficiência e reduzir os custos. Cinco processos operacionais foram automatizados de ponta a ponta, começando com extração de documentos, verificação e ingestão de dados em todos eles. O ponto de partida foi uma avaliação de cima para baixo do potencial de automação de cada função e a utilização de ferramentas direcionadas de mineração de tarefas, o que permitiu ver claramente o esforço manual envolvido no processamento de milhares de documentos e formulários de instrução ano após ano. Em seguida, foi desenvolvido um sistema de prova de conceito com tecnologia OCR capaz de extrair e classificar dados manuscritos, combinada com a automação robótica de processos para validar esses dados e inseri-los em sistemas subsequentes. Essa automação radical também incluiu tecnologia de machine learning, o que permite que os processos internos sejam ajustados continuamente para melhorar o desempenho.
O novo sistema totalmente automatizado foi escalado e implementado em toda a empresa, possibilitando uma reestruturação das operações de back-office e a eliminação de erros nas etapas seguintes. A empresa reinventou sua central de processamento de correspondência e digitação de dados como um centro de controle de qualidade de dados digitais, transferindo mais de 70% de seus funcionários para outras funções. A mudança também teve impacto positivo direto na experiência do cliente, pois o processamento digitalizado mais ágil reduziu o tempo entre a solicitação e a abertura de uma conta, por exemplo, e permitiu identificar erros quase instantaneamente, muitas vezes ainda na presença do cliente.
Corrija e reinvente os processos à medida que vão sendo digitalizados
A tecnologia não é capaz de resolver problemas causados por processos de serviços mal configurados. Como também não faz sentido criar processos rápidos, ágeis e eficientes que sejam insatisfatórios para o cliente. É por isso que transformações tecnológicas bem-sucedidas exigem uma integração perfeita entre a tecnologia e as alavancas tradicionais de aprimoramento dos negócios.
O primeiro passo é entender e simplificar os processos existentes. Para tanto, é preciso gerenciar a demanda e eliminar tarefas desnecessárias utilizando ferramentas de mineração, descoberta e documentação de processos. Ao se criar uma linha de base do estado atual dos processos e otimizar diretrizes internas, inputs, exceções e serviços, a complexidade poderá ser drasticamente reduzida.
Em seguida, é fundamental orquestrar e digitalizar os processos. Com o redesenho dos fluxos de trabalho e a criação de saídas digitais estruturadas, o número de handoffs2 pode ser reduzido, permitindo que as informações fluam mais facilmente. Por sua vez, a utilização de ferramentas como processamento de linguagem natural, OCR, chatbots e formulários online possibilita gerar entradas digitais estruturadas.
Após serem simplificados e digitalizados, a automação e a integração dos processos são os próximos passos essenciais. A automação de componentes específicos de um processo pode ser alcançada mediante desenho e configuração de bots, APIs e microsserviços, especialmente no caso de atividades regidas por regras conhecidas, enquanto algoritmos de machine learning podem ser treinados para lidar com atividades regidas por regras complexas ou desconhecidas. As empresas precisam assegurar que a camada fundamental seja capaz de dar suporte a essas tecnologias.
Por fim, a reorganização e a capacitação da força de trabalho completam o ciclo de transformação. Algumas dessas mudanças são estruturais, visando otimizar o desenho organizacional e melhorar a eficiência por meio da centralização ou do offshoring. As demais dizem respeito a mentalidades, habilidades e capacidades, que examinaremos a seguir.
Certa empresa multinacional de serviços profissionais decidiu aprimorar de ponta a ponta seu centro de suporte tecnológico ao back-office. Começou utilizando IA para realizar uma análise profunda de milhares de pontos de dados em quatro canais: chamadas telefônicas, chat, e-mail e uma ferramenta de gerenciamento de casos. Foram processadas centenas de horas de atividade dos agentes para entender como eles distribuíam seu tempo entre as diferentes aplicações e tentar identificar quais eram os pontos nevrálgicos. Esses insights foram então utilizados para melhorar o desempenho em três dimensões: experiência do cliente, processos e pessoas.
A empresa adotou uma combinação de IA generativa, IA conversacional e tecnologias de mineração de tarefas para identificar como o pessoal de suporte técnico poderia aproveitar melhor o seu tempo. Descobriu-se, por exemplo, que os melhores agentes utilizavam o “tempo morto” durante uma chamada para revisar chats e documentação de outros casos. Assim, por meio de ferramentas de mineração de tarefas aliadas a diagnósticos tradicionais de atendimento ao cliente, a empresa conseguiu identificar vários atalhos e “macetes” que os melhores agentes utilizavam para solucionar problemas comuns. Compartilhar essas abordagens com os demais agentes permitiu que estes também resolvessem os problemas dos clientes mais depressa, reduzindo o tempo médio de atendimento.
Equipe seu pessoal com as capacidades e habilidades certas
As pessoas são o ingrediente secreto de qualquer transformação digital. Uma pesquisa da McKinsey sobre implementações digitais bem-sucedidas constatou que, comparadas com seus pares, as melhores empresas têm 1,6 vez mais probabilidade de atingir suas metas relativas a pessoas – que incluem, por exemplo, iniciativas de capacitação em larga escala, melhorias na experiência dos funcionários e gestão eficaz de talentos, entre outras.
À medida que a tecnologia avança, aumenta a importância da gestão e capacitação de talentos. Organizações que já progrediram na implementação da IA esperam requalificar grande parcela de sua força de trabalho ao longo dos próximos três anos e 73% delas pretendem aprimorar as competências de mais de 30% do seu pessoal nesse período.
Numa empresa digitalizada, a força de trabalho precisa ter as ferramentas certas, bem como as habilidades, fluxos de trabalho e recursos de apoio necessários para utilizá-las corretamente. Por exemplo, a maioria dos funcionários do setor de serviços não possui competência avançada em programação de computadores, mas existem plataformas digitais que exigem pouco ou nenhum conhecimento de codificação, permitindo que profissionais não especializados analisem dados ou automatizem tarefas.
A tecnologia também está mudando os métodos práticos e teóricos que as empresas tradicionalmente utilizam para aprimorar as competências de seus funcionários. A aprendizagem teórica por meio cursos de treinamento ou fóruns esporádicos está cedendo lugar a experiências de aprendizado contínuo. Antes, o processo de capacitação envolvia workshops ou eventos especiais, que muitas vezes eram realizados anualmente e duravam uma semana. Mas essa abordagem vem sendo substituída por métodos mais tecnológicos, sessões de microaprendizagem e módulos imersivos online – recursos mais personalizados que utilizam extensas bibliotecas e tecnologias avançadas.
Por sua vez, a aprendizagem prática também está passando por uma transformação, deixando de lado exercícios baseados na observação em prol de ensinamentos baseados em dados. No passado, o coaching no próprio trabalho era conduzido por amostragem ou algum outro tipo de observação presencial (como sessões de acompanhamento de chamadas). Hoje o coaching é bem mais preciso e mais dependente de dados, e utiliza ferramentas analíticas alimentadas por algoritmos de machine learning baseados em técnicas de processamento de linguagem natural. Isso permite personalizá-lo a partir de métricas de desempenho individual.
Uma força de trabalho engajada e motivada no atendimento ao cliente é fundamental para o bom desempenho de longo prazo da empresa. Os princípios comprovados de gestão lean – como foco implacável na eliminação de desperdícios e defeitos e no aprimoramento contínuo baseado nas percepções dos funcionários da linha de frente – continuam sendo essenciais no mundo da inteligência artificial. A única diferença está nas ferramentas disponíveis para coletar insights e realizar melhorias. Soluções de baixa tecnologia, como manuais de apoio ou ajustes das diretrizes, podem agora ser complementadas por soluções digitais construídas, testadas, implantadas e mantidas por funcionários da linha de frente.
As tecnologias digitais avançadas podem abrir caminho para organizações de serviços alcançarem uma meta intrincada: oferecer experiências melhores aos clientes a um custo menor. Muitas organizações já estão utilizando tecnologias inovadoras de IA num regime de colaboração entre as funções operacionais e de TI. Elas anteveem um mundo onde as decisões e as jornadas dos clientes ao longo de todo o fluxo de valor serão aumentadas pela inteligência artificial, onde ferramentas de genAI tornarão possíveis novos níveis de inteligência e personalização nessas jornadas e onde tecnologias de suporte inteligentes e em tempo real transformarão os agentes de atendimento em “super-humanos bem informados” focados no conhecimento e na criação de valor.
Entretanto, o caminho para um modelo de serviços de alta tecnologia está repleto de desafios. Para que funcione, as empresas precisam escolher as tecnologias certas, implementá-las na fase apropriada da transformação e aplicá-las da forma correta.
Precisam também pensar além da tecnologia, seja aplicando ferramentas digitais lado a lado com metodologias tradicionais de transformação e aprimoramento, seja capacitando suas equipes para adotarem a melhoria contínua. Se isso for bem feito, a excelência em serviços digitais poderá criar um ciclo virtuoso e assim liberar recursos para investimentos em melhorias e inovações nos serviços, diferenciando a organização de seus concorrentes, promovendo o crescimento e contribuindo para uma vantagem competitiva sustentável.