Os líderes de atendimento ao cliente estão tendo seu maior desafio em décadas. Precisam preparar sua empresa para um futuro movido a IA e, ao mesmo tempo, atingir metas comerciais difíceis e corresponder às expectativas cada vez mais altas dos clientes. Nossa última pesquisa global indica que muitas empresas estão tendo dificuldades em todas essas frentes.
As grandes disrupções são sempre dolorosas, e a transição de um paradigma de atendimento dominado por atendentes humanos para um conduzido por tecnologias de IA pode ser a maior disrupção da história do atendimento ao cliente. Será que as organizações conseguirão encontrar uma rota para um atendimento ao cliente digitalizado e hipereficiente, mantendo, simultaneamente, o contato pessoal e a capacidade de resposta que os clientes exigem?
Neste exato momento, muitos líderes de atendimento ao cliente estão se sentindo aprisionados em uma terra de ninguém. A tecnologia possibilitou uma evolução substancial de suas operações, e o ambiente de call center tradicional está caminhando a passos largos para virar coisa do passado. No entanto, quando esses modelos movidos a tecnologias digitais apresentam um desempenho inferior – o que é frequente –, as empresas precisam dominar abordagens totalmente novas da melhoria do desempenho, em conjunto com seu kit de ferramentas tradicional.
Para piorar as coisas, os executivos dizem que a maioria dos desafios destacados em nossa última pesquisa continua presente hoje (vide box “O atendimento ao cliente no centro das atenções”). Entre esses desafios estão o aumento do volume de chamadas telefônicas, os altos graus de perda de funcionários e a escassez permanente de talentos. Enquanto isso, algumas das maiores organizações de tecnologia voltadas ao consumidor em nível mundial atingiram uma qualidade excepcional no atendimento digital ao cliente, o que vem elevando as expectativas dos clientes em todos os lugares, fator que aumenta ainda mais a pressão sobre a liderança e a equipe de atendimento ao cliente nas outras empresas.
Nossa pesquisa revela três temas de grande importância que estão entre as principais preocupações dos líderes de atendimento ao cliente. Em primeiro lugar, as prioridades deles estão passando de um foco muito intenso na experiência do cliente para uma abordagem multidimensional que também enfatiza as metas de receita e a transformação tecnológica. Em segundo, eles estão trabalhando arduamente no desenvolvimento de ecossistemas movidos a IA e preparados para o futuro para suas operações. Por fim, estão reforçando suas capacidades ao investirem em programas de capacitação dos funcionários e desenvolverem relacionamentos de terceirização mais fortes.
Mudança das prioridades das operações principais
Em 2016, quando começamos a monitorar as perspectivas dos líderes de atendimento ao cliente, as prioridades deles eram claras. A experiência do cliente estava em primeiro lugar, seguida de longe pela melhoria operacional, a transformação tecnológica e a geração de receita – nessa ordem.
Nos últimos sete anos, essas prioridades convergiram (Quadro 1). A geração de receita, que foi mencionada por cerca de um em cada 20 líderes de atendimento ao cliente em nossa primeira pesquisa, vem ganhando importância continuamente de lá para cá. Hoje, ela é prioridade para um terço desses líderes. Porém, nos últimos dois anos, as melhorias tecnológicas e operacionais registraram os aumentos mais rápidos. A expectativa de que a área de atendimento ao cliente seja capaz de fazer tudo e de fazê-lo bem nunca foi tão alta.
Os líderes também entendem que precisam interagir com os clientes para cativá-los. Atualmente, apenas 11% dos entrevistados dizem que reduzir o volume de contatos é importante para eles, uma queda de 20 pontos percentuais em 12 meses. Aliás, 57% dos líderes preveem que o volume de chamadas telefônicas aumentará até 20% dentro de um ou dois anos.
Outras pesquisas indicam que esses líderes estão certos em manter o foco na interação pessoal direta, mesmo nos casos em que muitos de seus clientes são jovens nativos digitais. Em pesquisa recente da McKinsey com 3,5 mil consumidores, entrevistados de todas as idades disseram que as chamadas telefônicas ao vivo estavam entre suas maneiras preferidas de entrar em contato com as empresas para obter ajuda e suporte. Essa descoberta valeu até mesmo para os consumidores da geração Z, de 18 a 28 anos, uma coorte que prefere mensagens de texto e redes sociais para comunicações interpessoais.
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Há também indícios de que os consumidores mais jovens estão ficando cansados do paradigma do autoatendimento digital. Uma empresa de serviços financeiros relata que seus clientes da geração Z são 30% a 40% mais propensos a telefonar do que os da geração do milênio e usam o telefone com a mesma frequência que os da geração do pós-Segunda Guerra Mundial, também conhecidos como baby boomers. Clientes do segmento premium de todas as idades também preferem o telefone, sendo que muitos afirmam que o suporte por chamadas telefônicas ao vivo faz parte do serviço premium pelo qual estão pagando.
Contudo, essas descobertas não apontam para um futuro no qual os clientes farão contato apenas por telefone. Embora clientes de todas as gerações priorizem o suporte de uma pessoa de carne e osso, eles também desejam a flexibilidade de usar canais diferentes de acordo com suas necessidades. Os serviços de chat digital alcançaram um alto grau de aceitação por todas as gerações, e o e-mail continua sendo importante, sobretudo para os consumidores mais velhos (Quadro 2).
A necessidade de se destacar no atendimento por vários canais cria desafios adicionais para os líderes de atendimento ao cliente, sobretudo quando o orçamento está apertado. Além disso, 37% dos participantes de nossa pesquisa dizem que os custos ainda são uma prioridade básica. Essa tensão está levando as empresas a buscar um controle dos custos do atendimento ao cliente de maneiras que vão além da redução do volume de chamadas, sendo a automação e a terceirização as ferramentas mais citadas.
A criação de um ecossistema de IA preparado para o futuro
As tensões no atendimento contemporâneo são observadas claramente nas maneiras pelas quais as empresas abordam as tecnologias digitais avançadas. Nossa pesquisa mostra que o digital já se tornou um diferencial decisivo. Entre os participantes da pesquisa que indicam que suas operações estão apresentando um desempenho melhor do que o esperado, mais da metade revela altos graus de integração digital. Os setores bancário, de telecomunicações e de viagens e logística sobressaem nesse aspecto.
Todavia, essas empresas de alto desempenho são minoria. Somente 8% dos entrevistados da América do Norte relatam uma satisfação maior do que a esperada com o desempenho de seu atendimento ao cliente. Na África, na Europa e no Oriente Médio, a cifra é 5%. Entre as organizações que relatam um desempenho dentro ou abaixo do esperado, mais de 80% dizem também que sua integração digital é parcial ou baixa.
Os líderes concordam que precisam acertar no digital. Mais da metade dos participantes de nossa pesquisa preveem que a proporção de contatos recebidos por meio de canais digitais superará 40% nos próximos três anos.
A inteligência artificial desempenhará um papel decisivo nos futuros ecossistemas de atendimento ao cliente. Nossos entrevistados já estão implantando ferramentas de IA em uma variedade de aplicações, como chatbots e sistemas automatizados de resposta por e-mail, treinamento e suporte para atendentes de call center, análises de back office e tomada de decisões.
Nos últimos 12 meses, a disponibilidade de poderosas ferramentas de IA generativa (gen AI, na abreviação em inglês de “generative AI”), sobretudo os grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) capazes de analisar e responder a texto ou fala não estruturados, abriu novas possibilidades para a tecnologia no atendimento ao cliente. Mais de 80% dos entrevistados já estão investindo em gen AI ou preveem fazê-lo nos próximos meses, sendo que os líderes destacaram uma ampla gama de possíveis aplicações.
Uma subsidiária europeia de um banco global substituiu seu chatbot baseado em regras para interação com os clientes, já bem estabelecido, por um novo sistema baseado na tecnologia de gen AI. Sete semanas após o lançamento, o chatbot de IA foi 20% mais eficaz em responder às consultas dos clientes do que a ferramenta antiga. O banco já identificou um roteiro de melhorias que pode dobrar o desempenho do sistema nos próximos meses.
As empresas pioneiras na adoção da gen AI estão bastante ambiciosas com relação ao potencial da tecnologia. O executivo encarregado do atendimento ao cliente em uma grande organização global nos disse prever que 100% das interações com os clientes envolverão IA nos próximos anos, usando uma combinação de tecnologias como novos assistentes virtuais, ferramentas de auxílio ao atendente e análises de voz baseadas em IA.
Na maioria das empresas, no entanto, a revolução no atendimento ao cliente por meio da gen AI ainda é incipiente. Os líderes destacam vários problemas que estão dificultando a integração dessas tecnologias a seus processos e fluxos de trabalho atuais. Entre os problemas estão desafios técnicos relacionados à implantação e ao ganho de escala; preocupações referentes à segurança, à proteção e à governança; e dificuldades na definição dos resultados desejados ou do caso de negócios dos investimentos em gen AI (Quadro 3).
Repensar as habilidades
Hoje em dia, os departamentos de atendimento ao cliente carecem de muitas das habilidades cruciais para prestar um serviço excelente e fazer a transição para um mundo mediado pelo digital e movido a IA. Em parte, isso se deve ao fato de que os líderes de atendimento ao cliente estão tendo de se esforçar para continuar no mesmo lugar. Devido aos níveis recordes de perda de funcionários após a pandemia de COVID-19, os supervisores passaram grande parte do tempo entrevistando novos profissionais e mantendo-os atualizados. Eles passaram menos tempo orientando suas equipes preexistentes, problema exacerbado pela introdução de esquemas de trabalho híbrido e remoto. Durante anos, alguns atendentes e líderes de equipe trabalharam com pouca interação ou receberam pouco coaching de seus superiores.
A rotatividade de pessoal já diminuiu, e dois em cada três líderes entrevistados em nossa última pesquisa dizem que a capacitação e a recapacitação estão entre as maiores prioridades. As empresas destacam uma série de benefícios que resultam de programas eficazes de capacitação e recapacitação, como elevação do moral dos funcionários, aumento da produtividade e adoção mais rápida de novas tecnologias e maneiras de trabalhar. A tecnologia, por sua vez, está transformando os programas de capacitação. Vinte e um por cento dos líderes nos dizem que já estão usando ferramentas baseadas em IA para treinar e apoiar sua equipe de atendimento ao cliente.
Os sistemas de apoio a atendentes com base em IA já estão se tornando uma ferramenta fundamental para as empresas que buscam oferecer um serviço pessoal extremamente eficaz a clientes exigentes. Esses sistemas podem ajudar os atendentes a solucionar consultas complexas logo no primeiro contato, reduzindo, simultaneamente, os custos de atendimento e melhorando a experiência do cliente.
Uma empresa global de equipamentos de construção, por exemplo, usa um sistema de gen AI para ajudar sua equipe de call center a navegar por milhares de páginas de documentação de suporte técnico. O sistema seleciona os passos apropriados para resolver o problema de um cliente em segundos, com base em perguntas de texto livre inseridas pelo atendente e em informações de referência, como os números de série de veículos e peças. A ferramenta reduziu o tempo médio de resolução de cerca de 125 minutos para alguns segundos e, atualmente, está gerando uma economia de € 150 mil a € 300 mil por dia com a redução do tempo de inatividade dos ativos.
Em outros lugares, as empresas estão usando a IA para transformar sua maneira de gerenciar e apoiar os atendentes. Novas ferramentas baseadas em IA podem otimizar a previsão do volume de chamadas, por exemplo. Essa abordagem ajudou uma empresa a melhorar a precisão das previsões em sete pontos percentuais, reduzindo pela metade o trabalho necessário para gerenciar os cronogramas e as capacidades da equipe. A mudança elevou os níveis de atendimento ao cliente em mais de 10%, ao mesmo tempo em que reduziu em mais de 5% os custos do pessoal e das horas extras.
As empresas também estão buscando externamente maneiras inovadoras de preencher lacunas de capacidade. A terceirização, antes considerada principalmente uma forma de reduzir custos, é vista cada vez mais como uma boa fonte de habilidades adicionais e de capacidades de inovação. Cinquenta e cinco por cento das empresas de nossa pesquisa terceirizam atualmente parte de suas operações de atendimento ao cliente e, destas, 47% preveem aumentar sua terceirização nos próximos dois anos.
As relações de terceirização também estão se aprofundando, sendo que os entrevistados nos dizem que agora estão usando sua terceirização de processos de negócios para uma série de atividades que vão muito além do tratamento tradicional de chamadas e e-mails. Entre essas atividades estão serviços de gestão de conteúdo e marketing digital, tratamento de pagamentos e desenvolvimento de ferramentas de atendimento ao cliente baseadas em IA. Seguindo o modelo estabelecido pelos principais players dos setores de produtos industriais, dispositivos médicos, software e comércio eletrônico, algumas empresas já estão trabalhando com parceiros de terceirização para criar polos globais de inovação que impulsionarão o desenvolvimento de tecnologias de atendimento ao cliente de última geração.
Nossa pesquisa indica que os departamentos de atendimento ao cliente estão se movendo a duas velocidades diferentes. Na faixa de alta velocidade, as empresas de melhor desempenho têm aproveitado as oportunidades oferecidas pelos avanços nas tecnologias digitais. Com uma priorização implacável, elas estão investindo capital para aumentar a eficiência e a excelência dos serviços em toda a jornada do cliente. As melhores já se reformularam em torno de plataformas digitais altamente integradas. A título de exemplo, uma empresa de alto desempenho com mais de 5 mil atendentes está a caminho de efetuar 75 melhorias na experiência digital este ano.
Outras empresas ainda estão transitando na faixa de baixa velocidade, com dificuldade para encaixar uma colcha de retalhos de soluções digitais pontuais em ecossistemas de atendimento preexistentes. Sem saberem onde investir seus recursos, elas estão presas em um ciclo de adaptação contínua do sistema sem um roteiro ou destino claro.
Em 2024, organizações de ambos os tipos talvez precisem mudar sua posição na rodovia. A gen AI está estabelecendo um novo patamar de desempenho, produtividade e personalização no atendimento ao cliente, e os futuros departamentos de atendimento totalmente movidos a IA operarão de maneira muito diferente em relação aos de hoje. É hora de as empresas enxergarem seus ecossistemas de atendimento com um novo olhar. Elas devem formular uma perspectiva independente com relação às mudanças nas expectativas de seus clientes e ao papel da IA avançada em sua organização. O futuro do atendimento ao cliente está chamando. Os líderes devem responder com uma visão ousada e um cronograma de mudanças ambicioso.