Sua empresa será capaz de permanecer global? Como?

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As crescentes tensões geopolíticas estão testando a resiliência das organizações globais e a pondo à prova suas estratégias de crescimento. A alta gestão e o Conselho das empresas globais estão atentos às guerras na Europa e no Oriente Médio e à escalada da rivalidade entre Estados Unidos e China. E os líderes dessas empresas estão se perguntando: “Qual é o futuro das corporações globais? Será que precisamos mudar fundamentalmente nossas estratégias e estrutura?”

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Estas perguntas estão sendo feitas em um contexto de declínio perceptível na cooperação global para a paz e a segurança, e de abrandamento da cooperação em outras áreas, conforme refletido no novo barômetro de cooperação global divulgado pelo Fórum Econômico Mundial e a McKinsey em janeiro (Quadro 1). A intensidade e a duração dos conflitos em todo o mundo estão no nível mais elevado desde antes do fim da Guerra Fria: 183 conflitos ativos em 2023, quando o número de eventos violentos aumentou 28% e o de vítimas fatais 14% em relação ao ano anterior.

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Além disso, 2024 é um ano de eleições nacionais em mais de 60 países, quando quase metade da população mundial irá às urnas. Mesmo que apenas alguns desses pleitos levem a mudanças na liderança política e nas diretrizes públicas, os líderes empresariais não podem ignorar as incertezas políticas no contexto de uma ordem global em transformação.

Não chega a surpreender, pois, que os líderes empresariais vejam a geopolítica como o maior risco ao crescimento global e considerem as transições políticas como o principal risco emergente, de acordo com nossa mais recente pesquisa econômica global (Quadro 2). Esses líderes nos dizem que exigências regulatórias divergentes, o aumento dos riscos das empresas em mercados de várias regiões do mundo e a necessidade de estabelecer unidades locais genuínas sem gerar riscos indevidos para a matriz são as razões pelas quais hoje “a geopolítica suplanta os mercados de capitais”, como expressou um executivo com quem conversamos.

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Diante desse cenário, uma das principais perguntas estratégicas a que os líderes empresariais globais precisam responder hoje é: “Até que ponto minha organização é capaz de permanecer global?” O custo de uma resposta errada é alto, pois ativos, crescimento, criação de valor e, o mais importante, pessoas podem estar em risco. Ao mesmo tempo, as vantagens de uma resposta certa são palpáveis. Num contexto geopolítico em transformação, as organizações têm a possibilidade de se diferenciarem pela coragem estratégica com que enfrentam a volatilidade do momento atual.

Nossa análise mostra que os líderes empresariais devem adotar uma abordagem sistemática para construir o que designamos resiliência geopolítica. Um dos elementos dessa abordagem é o planejamento de cenários geopolíticos, que inclui uma avaliação dos chamados “cisnes negros, rinocerontes cinzentos e véus de prata”.1 Um segundo elemento envolve o aprimoramento da capacidade dos Conselhos de lidarem com riscos geopolíticos.

Há um outro aspecto da resiliência geopolítica que vem surgindo com cada vez mais frequência em nossas conversas com líderes empresariais e que denominamos “segmentação estrutural”. A segmentação estrutural descreve um conjunto de medidas que as empresas globais devem considerar para mitigar sua suscetibilidade geopolítica, tomar decisões locais bem informadas e abrir o caminho para um crescimento seguro e estável.

A seguir, definimos segmentação estrutural, identificamos questões que as empresas globais devem considerar ao calibrarem seus modelos operacionais, e apresentamos alguns exemplos específicos de empresas que estão implementando uma abordagem de segmentação. As conclusões baseiam-se em conversas nossas e de nossos colegas com líderes empresariais de todo o mundo, e também na análise dos movimentos estratégicos de mais de cem organizações globais.

A segmentação estrutural descreve um conjunto de medidas que as empresas globais devem considerar para mitigar sua suscetibilidade geopolítica, tomar decisões locais bem informadas e abrir o caminho para um crescimento seguro e estável.

Segmentação estrutural para construir resiliência geopolítica

Durante os últimos 25 anos, as fronteiras geográficas praticamente deixaram de existir para as empresas. Várias delas construíram cadeias de suprimentos complexas, que enviavam componentes e produtos a todas as partes do mundo, muitas vezes entrecruzando o globo repetidamente. Com sabedoria, estabeleceram centros globais de P&D, criaram stacks de tecnologias específicas para uso de toda a organização, democratizaram o acesso a dados, consolidaram entidades jurídicas e cultivaram uma cultura corporativa unificada.

Entretanto, a premissa de um mundo totalmente globalizado (que está por trás desses movimentos) está agora sendo posta em questão. E as empresas têm de reagir à altura. Os contextos jurídico, regulatório, econômico, político e social estão mudando. Cada vez mais, as empresas buscam uma abordagem integrada que lhes permita tomar medidas coordenadas em seis domínios: operações (incluindo cadeias de produção e de suprimentos); P&D; tecnologia e dados; estrutura das entidades jurídicas; capital; e pessoas. Em cada um destes domínios, a tendência das organizações é: ou se (re)comprometer com a globalidade ou segmentar estruturalmente suas atividades em mercados geopoliticamente distantes.

A segmentação estrutural pode assumir diversas formas ao longo de um continuum. Uma segmentação estrutural completa significa a instalação de atividades paralelas em vários locais do mundo. As fábricas, por exemplo, talvez passem a produzir apenas para as regiões onde estão localizadas, as quais muitas vezes têm grande “distância geopolítica”2 do mercado doméstico original da empresa.

Como alternativa, algumas empresas estão retornando a seu país de origem ou transferindo operações para países mais alinhados geopoliticamente, pelo menos no caso de alguns domínios selecionados, enquanto buscam preservar suas conexões globais – por exemplo, alojando a maior parte das tecnologias no país de origem e mantendo uma mínima presença viável em países geopoliticamente distantes. Na sua forma mais extrema, contudo, isso pode exigir grande mudanças, como alojar toda a P&D no país de origem.

O objetivo é reagir às novas realidades geopolíticas e, simultaneamente, preservar os benefícios de uma presença global e aproveitar as oportunidades do crescimento resiliente. Entretanto, assim como o planejamento de cenários não é uma bola de cristal, a segmentação estrutural não é uma varinha de condão. Mas é uma opção estratégica e operacional que as empresas devem contemplar se quiserem sobreviver e prosperar na nova era. Existem várias maneiras de uma corporação multinacional se segmentar, mas as seis principais são as seguintes:

Reconfigurar as cadeias de produção e de suprimentos para torná-las mais resilientes

As crescentes rivalidades geopolíticas e as disrupções induzidas pela COVID-19, pelas condições climáticas e pelos conflitos internacionais tornaram as cadeias de suprimentos uma questão prioritária para a alta gestão e o Conselho das empresas. As organizações estão hoje implementando ou examinando uma variedade de estratégias de segmentação que levem em conta tanto suas suscetibilidades geopolíticas como o grau de concentração de suas cadeias de produção e de suprimentos.

Algumas empresas têm reagido reconfirmando seu compromisso com uma abordagem global. Isso não significa que decidiram ignorar a nova ordem mundial, mas sim que estão avançando para uma maior diversificação estratégica, ou seja, estão deixando de lado uma cadeia de suprimentos global e concentrada em prol de um modelo que aprovisiona e produz em uma gama maior de mercados ao redor do mundo. A ideia é que uma rede de conexões mais ampla – e, possivelmente, mais global – acrescentará resiliência, visto que não dependerá de uma só região ou país.

As empresas multinacionais que, ao invés, optam pela segmentação estrutural das operações querem preservar a produção e os suprimentos mesmo que uma região seja cortada ou isolada. Essas empresas vêm tentando se instalar, em maior ou menor grau, em múltiplas regiões. Algumas declararam uma estratégia “no mercado, para o mercado”, e construíram cadeias de produção e de suprimentos localizadas para que, na medida do possível, a oferta no mercado em que atuam corresponda à demanda nesse mercado. Outros optaram por uma estratégia market-plus, o que vale dizer, uma forte presença e uma vigorosa cadeia de suprimentos numa região – tanto para fins domésticos como para exportação – suplementadas por importações e exportações de/para outras regiões, conforme necessário.

Poucas empresas pensam em consolidar toda a sua produção em um só local ou em transferi-la inteiramente de uma região para outra. Geralmente, isso só ocorre se poucas linhas de produtos forem afetadas, quando então o foco são as partes mais sensíveis da cadeia de suprimentos. E, em termos práticos, visto que toda cadeia de suprimentos físicos começa no ponto onde os recursos são extraídos da Terra, existe um limite natural para o quanto a empresa é capaz de relocalizar tal cadeia.

Apesar disso, muitas empresas estão considerando algum grau de segmentação estrutural. Um levantamento recente realizado pelo Banco Central Europeu sobre multinacionais com operações significativas na União Europeia constatou que, por exemplo, 42% delas planejavam transferir para nações amigas [friend-shore] sua produção nos cinco anos seguintes (comparado com apenas 11% que afirmaram ter feito isso nos cinco anos anteriores). Tendências semelhantes podem ser vistas nas cadeias de suprimentos. Em nossa pesquisa de 2023 com líderes dessas cadeias, dois terços dos entrevistados afirmaram que, no ano anterior, haviam preferido se abastecer com fornecedores mais próximos dos seus locais de produção.

Embora a reconfiguração da presença da empresa e da sua cadeia de suprimentos possa segmentar o risco geopolítico, isso implica custos e complexidade. Algumas organizações talvez tenham dificuldades para reproduzir sua rede de fornecedores em novos mercados devido a fatores como escassez de mão de obra ou limitações da infraestrutura. Para outras, os esforços de diversificação podem simplesmente transferir os riscos da concentração de uma categoria de fornecedores para outra, sem reduzir significativamente os riscos gerais. Um terceiro desafio é o que poderíamos chamar de aderência das cadeias de suprimentos. Por exemplo, embora muitas multinacionais estejam expandindo sua presença em regiões como o Sudeste Asiático, proporcionalmente as exportações da China para as economias da ASEAN também continuam aumentando. Isso faz com que, em certas cadeias de suprimentos, as multinacionais utilizem cada vez mais componentes fabricados na China.

Criar um cordão de isolamento em torno da P&D

Com a tecnologia sendo uma prioridade para líderes políticos e empresariais de todo o mundo, as multinacionais precisam adaptar a pegada de sua P&D. Já não podem contar com livre acesso a talentos e precisam agora equilibrar fatores geopolíticos, regulatórios, reputacionais e comerciais. Com isso, talvez tenham de enfrentar questões como, por exemplo, onde empreender P&D, quem irá empreendê-la e com quem devem compartilhá-la.

Num extremo do espectro da segmentação estrutural estão algumas empresas que buscam distribuir a P&D em várias regiões. Certa importante empresa em ciências da vida, por exemplo, optou por empreender esforços paralelos de P&D em dois mercados diferentes e geopoliticamente distantes um do outro. Dessa forma, foi capaz de assegurar acesso aos melhores talentos em cada mercado e preservar – e possivelmente aumentar – sua flexibilidade para desenvolver produtos que atendam aos variados requisitos locais.

Outras empresas estão transferindo ativos de volta para seus mercados de origem. As principais empresas de tecnologia sensível ou sigilosa dos EUA estão concentrando seus cientistas no próprio país ou em nações amigas, retirando-os totalmente de mercados geopoliticamente distantes.

No meio do espectro, há empresas que mantêm operações de P&D em mercados geopoliticamente distantes da matriz, mas introduzem mecanismos rigorosos de proteção. Estes incluem restrições em áreas tecnológicas que concernem a rivalidade estratégica entre nações ou que tenham aplicações com múltiplos usos (como é o caso da computação quântica e da IA aplicada).

As empresas que se valem dessas estratégias muitas vezes descobrem que são capazes não só de mitigar os riscos, mas também de obter uma vantagem competitiva. Uma presença local de P&D pode tornar seus produtos mais compatíveis com as preferências dos consumidores deste ou daquele mercado e alimentar a estratégia de crescimento local de uma organização global. Embora as abordagens variem, o fator motivador é o mesmo: construir resiliência geopolítica e, ao mesmo tempo, manter a dianteira na inovação.

Eliminar riscos dos stacks de tecnologias e dos repositórios de dados

Um conjunto [stack] unificado e global de tecnologias já foi visto como fonte de vantagem competitiva para empresas que buscam escalabilidade de baixo custo para vencer. Agora, porém, essa estratégia está sob pressão de todos os lados: a proliferação no mundo inteiro de leis de proteção de dados, privacidade e produção local; as crescentes ameaças do roubo de dados, da inserção de tecnologias malévolas e da espionagem; e preocupações sobre a concentração excessiva de dados em mercados onde ameaças já existem.

Com isso, as empresas estão revendo o stack de tecnologias que utilizam e estudando como readequar sua maneira tradicional de encarar a gestão da tecnologia e dos dados. Algumas estão optando por otimizar sua presença global sujeitando-se às regulamentações locais, mesmo que isso implique alojar serviços tecnológicos em mercados de alto risco e aceitar os riscos geopolíticos adicionais correlatos. Por exemplo, certa empresa líder no setor de bens de consumo aproveitou uma modificação nas leis locais para adequar seu sistema de e-commerce aos hábitos do país, melhorando assim a experiência do cliente naquele mercado e ficando em dia com a nova legislação.

Um conjunto unificado e global de tecnologias já foi visto como fonte de vantagem competitiva para empresas que buscam escalabilidade de baixo custo para vencer. Agora, porém, esta estratégia está sob pressão de todos os lados.

Cada vez mais e de variadas maneiras, outras empresas têm buscado segmentar estruturalmente seus stacks de tecnologias. Coletivamente, esses movimentos visam adaptar a localização das tecnologias e dos dados às exigências geopolíticas e regulatórias. Muitas têm adotado a segmentação estrutural não apenas para prover as regiões em que atuam, mas também como uma abordagem holística para gerenciar riscos geopolíticos em geral, inclusive aqueles relacionados ao roubo de propriedade intelectual e à apropriação de dados.

Uma possibilidade é investir numa estrutura de TI inteiramente local e manter dados sensíveis afastados dos mercados de alto risco. Nossa pesquisa mostra que muitas empresas norte-americanas, desde firmas de private equity até serviços profissionais, estão estudando ativamente ou já executando medidas para segregar seu stack de tecnologias em regiões sensíveis – uma decorrência da escalada das rivalidades geopolíticas e das novas expectativas dos clientes e dos stakeholders públicos.

Mesmo as empresas que não chegaram a se adaptar totalmente aos mercados locais estão introduzindo mudanças na arquitetura e armazenando seus dados em nações geopoliticamente próximas de seu país de origem – ainda que sujeitas à legislação local. O objetivo das empresas que adotam esta abordagem é criar uma mínima presença tecnológica viável em países geopoliticamente distantes que cumprirá as leis de dados e privacidade desses países. Assim, provedores de serviços na nuvem podem, por exemplo, desenvolver novos processos de governança de plataformas ao mesmo tempo em que desconectam alguns mercados dos backbones de sua infraestrutura global. Empresas de software em áreas avançadas como IA, internet das coisas e computação de borda [edge computing] estão separando essas capacidades sensíveis das suas ofertas globais, muitas vezes em parceria com provedores locais, para gerir a segurança das informações.

Criar distanciamento decisório por meio de entidades jurídicas

Muitas organizações estão repensando o papel das entidades jurídicas e como estas podem ajudar a enfrentar os desafios geopolíticos. Líderes empresariais que reconsideraram a estrutura organizacional citam exigências regulatórias divergentes, aumento dos riscos da empresa no mercado em que ela atua e o desejo da empresa de ser vista como uma protagonista local.

Um exemplo de segmentação jurídica é uma empresa internacional de material bélico que redesenhou suas entidades de modo a poder operar como uma empreiteira local em seus principais mercados. A liderança é exercida e as decisões são tomadas a nível local, e somente o capital próprio permanece sob controle da matriz.

No entanto, distanciar-se da matriz pode trazer todo um conjunto de novos desafios: as funções são duplicadas, os custos aumentam, a apetência por riscos da matriz e das unidades locais diverge, a cultura global pode deteriorar e eficiências são perdidas.

Além dessas ramificações, existe o risco de que segmentação em entidades não seja suficiente para contrabalançar os riscos geopolíticos, pois a entidade mãe e a entidade segmentada ainda poderão ser vistas como a mesma coisa – só que agora com governança e controles de risco potencialmente inadequados.

Em vista disso, algumas empresas foram mais longe, julgando que a onipresença da matriz era insustentável. Um importante escritório de advocacia, por exemplo, criou unidades autônomas para operações fora do seu país de origem. As maiores firmas de capital de risco também desmembraram seus negócios regionais em novas entidades com marcas próprias e Conselhos locais. Nesses casos, é claro, os benefícios de operar em escala global desaparecem e, às vezes, em certos mercados, uma unidade de negócio totalmente separada pode acabar se transformando num poderoso concorrente.

Também é possível que uma mesma empresa tenha de empreender mais de um desses movimentos, diferenciados conforme o mercado, em várias partes do mundo. Por exemplo, uma das maiores empresas mundiais de alimentos e bebidas está tentando retomar a posse de uma de suas franquias locais no Oriente Médio; também entrou como sócia minoritária em uma joint venture com uma operadora local na China e aumentou sua participação ao notar a necessidade de consolidar a parceria para continuar capturando o aumento da demanda num mercado importante; por fim, vendeu suas operações na Rússia, saindo totalmente do negócio, após a invasão da Ucrânia, citando a crise humanitária provocada pela guerra e o ambiente imprevisível que fez com que a continuação das operações se tornasse insustentável e incompatível com seus valores. Seja como dona de negócios ao redor do mundo, ou formando parcerias estratégicas locais, ou deixando totalmente um mercado, essa empresa soube lidar com uma geopolítica multifatorial e personalizar e evoluir sua abordagem em mercados essenciais – um nível de agilidade que as empresas globais talvez precisem desenvolver.

Proteger o capital investido em regiões geopoliticamente distantes

Mudanças geopolíticas afetam os fluxos de capital. O Fundo Monetário Internacional, por exemplo, relata que há uma associação entre o aumento da distância geopolítica entre duas nações e a diminuição dos investimentos. Desde 2015, os investimentos diretos na China e na Rússia caíram vertiginosamente em decorrência da redução de gastos nas economias avançadas da Ásia, Europa e Estados Unidos. Por outro lado, os fluxos para outras economias em desenvolvimento aumentaram, notadamente para a África, a Índia e países europeus em desenvolvimento (Quadro 3).

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Em tal ambiente, muitas empresas globais têm preferido alguma forma de segmentação estrutural e reforçado a ótica geopolítica pela qual examinam as decisões de capital – seja a intensividade de capital de seus modelos de negócio ou as estruturas de capital pelas quais elas são financiadas.

Outras estão utilizando uma estratégia de localização, ajustando seus financiamentos de modo que as entradas e saídas de caixa sejam expostas a condições geopolíticas semelhantes: por exemplo, financiar a compra de aeronaves arrendadas a companhias aéreas de um país endividado com bancos desse mesmo país.

Uma alternativa é a empresa voltar-se para seu país de origem, removendo capital de regiões geopoliticamente mais distantes. Para manterem suas conexões nesses mercados, algumas empresas têm optado por parcerias e jogadas ecossistêmicas, afastando-se de investimentos diretos e tangíveis de capital. O objetivo é mitigar o risco de ficar com ativos encalhados ou depreciados,3 e ao mesmo tempo trazer para um empreendimento os talentos, redes e capitais do mercado local. Outra possibilidade em mercados de alto risco é a indisponibilização de capitais mediante eventos de liquidez – como IPOs, transações particulares ou vendas de ações – que podem até mesmo envolver outros investidores internacionais que, geopoliticamente falando, sejam menos distantes do mercado em questão. Por exemplo, em países de geopolítica instável, várias empresas globais de bens de consumo têm vendido ou arrendado seus ativos fixos (como fábricas e armazéns) a parceiros locais de confiança mediante contratos de longo prazo que asseguram a estabilidade da cadeia de suprimentos.

Tornar pessoas e conexões mais seguras

Em que medida uma organização conseguirá manter-se global é uma questão delicada, principalmente se envolver pessoas e cultura. Para garantir a segurança de sua força de trabalho, ela precisa encontrar equilíbrio. Deve preservar princípios já consolidados de conectividade global e uma cultura corporativa unificada. Ao mesmo tempo, deve atentar para a necessidade crucial de manter programas robustos de triagem de pessoal e monitoramento de riscos internos, tranquilizando stakeholders preocupados com a situação geopolítica quanto à adequação de seus processos de pessoal.

A realidade é que muitas multinacionais não têm escolha senão instituir algum grau de segmentação estrutural do seu pessoal; cada vez mais, é algo que muitos stakeholders exigem, sejam eles autoridades governamentais ou clientes. Algumas medidas nesse sentido incluem: transferir funcionários para outros locais de trabalho, modificar as diretrizes e protocolos de viagem para separar grupos de funcionários por região, limitar o acesso aos dados de redes globais em certos mercados, e criar firewalls que impeçam certas informações de serem compartilhadas fora do mercado.

A realidade é que muitas multinacionais não têm escolha senão instituir algum grau de segmentação estrutural do seu pessoal; cada vez mais, é algo que muitos stakeholders exigem, sejam eles autoridades governamentais ou clientes.

Empresas que chegarem à conclusão de que devem implementar esse tipo de abordagem precisam fazê-lo com cuidado para não discriminarem grupos de funcionários, corroendo assim a estrutura global da organização. Uma pesquisa anterior da McKinsey mostrou que organizações capazes de operar como “uma só empresa” têm 2,3 vezes mais probabilidade de estarem no quartil superior de saúde e bom desempenho organizacional. Desse modo, uma multinacional poderá, por exemplo, optar por restringir discussões sobre questões geopolíticas sensíveis à alta liderança da matriz, ou à alta gestão deste ou daquele país, evitando inflamar as emoções das pessoas e correr o risco de vazamentos que provocariam uma reação negativa do mercado.

Além disso, dado o grau de especulação e inquirição interna que tais abordagens de segmentação podem gerar, as multinacionais precisam pensar a fundo sobre maneiras de continuarem a promover um sentimento de conectividade global – não apenas por razões culturais, mas também para a retenção de talentos. Uma importante empresa norte-americana nos disse que buscou reforçar a coesão cultural convidando para a matriz todos os novos funcionários de um mercado geopoliticamente distante para que pudessem aprender juntos e estabelecer vínculos.

Os líderes empresariais sabem que organizações saudáveis, inclusivas e com vínculos profundos são capazes de lidar melhor com mudanças e crises externas. Hoje, porém, o desafio é como promover um senso de inclusão e conectividade quando a mitigação dos riscos geopolíticos exigir que a organização segmente seu modelo operacional global de maneiras que tendem a gerar um distanciamento entre as pessoas.

Novos mecanismos de segmentação estrutural

De modo geral, verificamos que as empresas costumam assumir uma de duas posturas – reafirmar seu compromisso com uma única estratégia global ou avançar para a segmentação estrutural – para nortear suas decisões em cada uma das seis dimensões. Dito isto, todas elas têm flexibilidade para adotar uma abordagem particular para todas as áreas ou, ao invés, um conjunto mais variado de táticas.

Embora as circunstâncias de cada empresa – e, por conseguinte, também a sua resposta ideal – sejam diferentes, alguns arquétipos começam a surgir. Mesmo empresas com poucos ativos são capazes gerar grandes receitas se o mercado em que atuam requerer um número limitado de ativos. Talvez decidam adotar uma abordagem global tanto para as operações como para o capital, visto que seus riscos são inerentemente menores, podendo ainda segmentar os stacks de tecnologias e as estruturas de entidades jurídicas de modo a aumentar sua agilidade num contexto geopolítico volátil. Cada vez mais, empresas que fazem uso intensivo de capital estão introduzindo (ou pelo menos pensando seriamente em como introduzir) uma maior segmentação em várias dimensões (operações e cadeias de suprimentos em particular), muitas vezes adotando uma estratégia market-plus. As franquias financeiras constituem um caso especial: se a tomada de decisões for delegada para entidades regionais semiautônomas e se estas captarem capital na própria região, será possível realizar um tipo de segmentação que não só reduzirá os riscos geopolíticos como também acelerará o crescimento.

As opções de empresas com presença de longa data em mercados geopoliticamente distantes são mais complexas, pois suas posturas efetivas resultam de decisões tomadas ao longo das três últimas décadas. Em vista dos custos em que incorreram para estabelecer essa presença, é mais provável que mantenham suas posturas atuais ou que realizem mudanças mais incrementais – com a segmentação começando pelas bordas, dimensão por dimensão. O resultado é uma estratégia mista: por exemplo, segmentação do stack de tecnologias concomitante com o fortalecimento de uma abordagem global para pessoas, P&D e capital.

Ao definirem suas posturas, os líderes empresariais precisam considerar tanto a gestão dos riscos como a estratégia de crescimento – e a viabilidade de execução, é claro. Embora as decisões sobre segmentação estrutural tendam a ser as mais divulgadas e comentadas, nem todas são tomadas para reduzir os riscos; muitas delas visam, ao menos em parte, permitir estratégias de crescimento mais customizadas a cada local – e, portanto, mais resilientes em mercados geopoliticamente distantes.

Por fim, embora essas dimensões da segmentação estrutural se desenrolem no nível do mercado, determinar onde um mercado começa e onde termina exige certa reflexão. Em outras palavras, a segmentação visa um só país, alguns países (e, nesse caso, os países podem ser tratados em conjunto ou cada um exige posturas distintas?) ou uma vasta faixa do mundo?


Para os líderes que hoje têm de lidar com a alta volatilidade do cenário geopolítico, a máxima de Peter Drucker é mais pertinente do que nunca: “O maior perigo em tempos de turbulência não é a turbulência; é agir com a lógica do passado”.

A segmentação estrutural é a lógica do presente, que os líderes empresariais devem explorar tanto para enfrentar adversidades geopolíticas como para assegurar o crescimento. Na verdade, a nova geopolítica e a nova geometria do comércio global exigem que os líderes empresariais efetuem cálculos multifatoriais e, por vezes, desenvolvam abordagens de segmentação estrutural diferenciadas para cada mercado. Contudo, a segmentação estrutural não é uma fórmula mágica para eliminar todos os riscos. Regiões geopoliticamente distantes, por sua própria natureza, implicam riscos, mas também oportunidades. E as empresas multinacionais precisam estar preparadas para ter seus modelos operacionais globais examinados mais de perto, com maior rigor, não importa quão criteriosa seja a abordagem de segmentação que venham a adotar.

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