O mundo do trabalho está enfrentando uma transição histórica. Segundo um estudo recente do McKinsey Global Institute, Jobs lost, jobs gained: Workforce transitions in a time of automation, até 2030 cerca de 375 milhões de trabalhadores—ou aproximadamente 14% da força de trabalho global—poderão ter de mudar de categoria ocupacional à medida que a digitalização, a automação e os avanços em inteligência artificial causam disrupções no mundo do trabalho. Veremos mudanças importantes no tipo de habilidades que passarão a ser necessárias para as empresas, com implicações profundas para o rumo de carreiras individuais no futuro.
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Qual a dimensão deste desafio? Em termos de magnitude, é similar à mudança do trabalho agrícola para a manufatura, ocorrida em larga escala no início do século 20 na América do Norte e na Europa e, mais recentemente, na China. Mas, se considerarmos as pessoas que precisam buscar novos empregos, estamos entrando em um território desconhecido. As transformações da força de trabalho ocorridas no passado se deram ao longo de muitas décadas, o que deu tempo aos trabalhadores mais velhos de se aposentarem e aos novos integrantes da força de trabalho de se prepararem para a transição a novos setores em expansão. No entanto, a velocidade das mudanças hoje é potencialmente muito maior. A tarefa a ser enfrentada por todas as economias – em especial as mais avançadas – será provavelmente a de retreinar e realocar milhões de trabalhadores de meia idade e em meio de carreira. Como observado no relatório do MGI, “há poucos casos conhecidos em que as sociedades conseguiram retreinar com sucesso um número tão expressivo de pessoas”.
Até o momento, a crescente conscientização em relação ao tamanho da empreitada ainda precisa ser traduzida em ações concretas. De fato, o gasto público com treinamento e suporte para a força de trabalho vem sendo reduzido continuamente há anos na maior parte dos países membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Da mesma forma, os orçamentos de treinamento das empresas tampouco parecem estar aumentando. Mas é provável que isto venha a mudar rapidamente.
Segundo um estudo recente da McKinsey, dentre as empresas na linha de frente, os executivos cada vez mais veem o investimento em retreinamento e na “reciclagem das habilidades” dos funcionários existentes como sendo uma prioridade urgente dos negócios—e eles também acreditam que isto é uma questão que as empresas, e não os governos, devem capitanear. Nossa pesquisa, que foi a campo no final de 2017, reuniu mais de 1.500 respondentes dos setores privado, público e terceiro setor de diferentes regiões em todo o mundo e de diversos segmentos da economia. A análise apresentada a seguir foca nas respostas de cerca de 300 executivos de empresas com receita anual superior a US$100 milhões.
Dentre este grupo, 66% consideram que “lidar com as lacunas em potencial nas habilidades de automação/digitalização” de sua força de trabalho é uma atividade incluída, no mínimo, em sua lista das “dez principais prioridades”. Quase 30% dos entrevistados coloca este item na categoria das cinco principais prioridades (Quadro 1). Por trás deste sentido de urgência está o ritmo acelerado das transformações que vêm ocorrendo nas empresas. Ao olhar para os últimos cinco anos, somente cerca de 33% dos executivos em nossa pesquisa declararam que a mudança tecnológica havia feito com que retreinassem ou substituíssem mais de ¼ de seus funcionários. Mas quando olham para os próximos cinco anos, a narrativa muda.
Um total de 62% dos executivos acredita que precisará retreinar ou substituir mais de 25% de sua força de trabalho no período entre hoje e 2023 devido aos avanços em automação e digitalização. A ameaça parece maior nos Estados Unidos e na Europa (64% e 70%, respectivamente) do que no resto do mundo (somente 55%) – e é sentida de forma especialmente aguda pelas maiores empresas. Nas empresas com receita anual superior a US$ 500 milhões, 70% dos executivos acredita que a disrupção tecnológica dos próximos cinco anos afetará mais de ¼ de seus funcionários.
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Apropriadamente, esta percepção aguçada do desafio à frente é acompanhada de um forte sentido de responsabilidade. Ainda que eles claramente não tenham a expectativa de resolver isso sozinhos – será fundamental, por exemplo, estabelecer parcerias criativas com uma ampla gama de parceiros relevantes – por uma razão de quase 5:1, os executivos de nossa última pesquisa acreditam que as empresas, e não os governos, os educadores ou os trabalhadores individualmente, devem liderar o processo de tentar solucionar a iminente lacuna de habilidades. Esta é a visão de 64% dos executivos do setor privado nos Estados Unidos que consideram esta questão como uma de suas dez principais prioridades; na Europa, este número corresponde a 59% (Quadro 2).
Em termos de soluções, 82% dos executivos em empresas com receitas anuais superiores a US$100 milhões acreditam que retreinamento e desenvolvimento de novas habilidades devem ser considerados ao menos como metade da solução para lidar com a questão da lacuna de habilidades. Dentro deste consenso, entretanto, surgem diferenças regionais bastante evidentes. Um total de 94% dos pesquisados na Europa insistiram em dizer que a resposta seria mesclar em partes iguais contratação e retreinamento, ou usar principalmente o retreinamento; já nos Estados Unidos, a parcela deste campo foi de 62% – um percentual ainda robusto, porém menos impressionante. Por outro lado, 35% dos americanos acreditavam que o desafio deveria ser solucionado exclusivamente por meio da contratação de novos talentos, em comparação aos meros 7% que pensavam assim na Europa (Quadro 3).
Agora, a má notícia: somente 16% dos líderes empresariais do setor privado se sentem “muito preparado” para lidar com lacunas de habilidades em potencial, com aproximadamente o dobro deste percentual se sentindo “um pouco despreparado” ou “muito despreparado”. A maior parte dos entrevistados declarou-se “um pouco preparado” – o que não é exatamente uma declaração que inspira muita confiança.
Quais as principais barreiras? Cerca de 33% dos executivos sente uma necessidade urgente de repensar e aperfeiçoar sua infraestrutura atual de RH. Muitas empresas também estão penando para entender de que forma os novos papéis a serem desempenhados no trabalho irão mudar e quais os tipos de talento necessários nos próximos 5-10 anos. Alguns executivos que consideram isto como prioridade máxima – 42% nos EUA, 24% na Europa e 31% no resto do mundo – admitem que hoje eles não têm “uma compreensão adequada de como a automação e/ou a digitalização afetarão nossas necessidades de habilidades futuras”.
Tal grau de ansiedade é compreensível. Nossa experiência mostra que um excesso de novos treinamentos ou retreinamentos acaba sendo contraproducente, uma vez que acaba por não dar um rumo claro para o desempenho do novo trabalho, enfatizar mais a teoria do que a prática e não trazer um retorno efetivo sobre o investimento. A Generation, uma organização global sem fins lucrativos, com foco no emprego de jovens e fundada pela McKinsey em 2015, resolveu lidar com estas falhas de forma deliberada. Operando em cinco países e com um leque de mais de 20 profissões, a Generation realiza programas concentrados em treinamentos nas áreas onde há forte demanda de trabalho e coleta os dados necessários para comprovar o retorno sobre o investimento (ROI), tanto para os aprendizes como para os empregadores. Como resultado, um percentual um pouco superior a 82% dos mais de 16.000 graduados da Generation conseguiu achar um trabalho, com 72% de retenção no emprego após um ano e um salário de 2 a 6 vezes superior ao obtido antes do programa. A Generation deverá realizar em breve o piloto de uma nova iniciativa – a Re-Generation – aplicando a mesma fórmula, que inclui parcerias robustas com empregadores, governos e organizações sem fins lucrativos, desta vez para ajudar funcionários em meio de carreira a aprender novas habilidades para desempenhar novas funções.
Para muitas empresas, descobrir a fórmula de como desenvolver novas habilidades para antigos funcionários significa, em parte, manter sua “licença para operar”, empoderando sua força de trabalho para que seja mais produtiva. Do total de executivos de todas as regiões em nossa pesquisa, 38% mencionou o desejo de “alinhar-se à missão e aos valores de nossa organização” como uma das principais razões para agir. Da mesma forma, no último Fórum Econômico Mundial em Davos, 80% dos CEOs que estavam investindo pesadamente em inteligência artificial também se comprometeram publicamente a reter e retreinar os funcionários existentes em suas empresas.
Mas a maior alavanca é esta: à medida que a digitalização, a automação e a IA reconfiguram setores inteiros e todas as empresas em operação, a única maneira de concretizar os dividendos de produtividade em potencial provenientes deste investimento é ter pessoas e processos instalados e prontos para capturá-los. Em suma, gerenciar adequadamente esta transição não é apenas um bem social – é também um imperativo competitivo. É por isto que uma ampla maioria dos respondentes – 64% na Europa, nos EUA e no resto do mundo – declarou que a principal razão de estarem dispostos a investir em retreinamento era “aumentar a produtividade dos funcionários”.
Ultimamente temos ouvido isso em um número cada vez maior das conversas que temos com altos executivos. No momento, a maior parte dos líderes executivos possui mais perguntas do que respostas sobre o que será necessário fazer para conseguir superar o desafio de desenvolver novas habilidades na sua força de trabalho, especialmente considerando a provável escala em que isso deverá ocorrer na próxima década. E suas perguntas abrangem diferentes tópicos. Como posso mapear o futuro em relação aos processos e ao pool de talentos que tenho hoje? Que parte da demanda futura de emprego eu consigo atender por meio do retreinamento da força de trabalho existente, e qual o ROI de fazer isto em comparação à simples contratação de novos funcionários? Qual a melhor forma de acessar pools de talento que, para mim, não são os tradicionais? Que parceiros – nos setores público, privado ou de organizações sem fins lucrativos (ONGs) – podem me ajudar a ser bem-sucedido, e quais os papéis a serem desempenhados por cada um destes atores?
What the future of work will mean for jobs, skills, and wages
Todas essas questões são ótimas. Durante os próximos meses pretendemos compartilhar um pouco mais sobre nosso trabalho analítico e nossas reflexões, bem como algumas das melhores ideias que encontramos por aí, com relação às soluções que têm surgido sobre esses temas. Para ter sucesso, primeiro será necessário desenvolver um mapa granular de como a tecnologia mudará as necessidades de habilidades na sua empresa. Uma vez entendido este ponto, o próximo passo é decidir entre utilizar novos modelos de aprendizado e treinamento online e offline ou estabelecer parcerias com provedores educacionais tradicionais. (Com o tempo, também será necessário repensar esses modelos educacionais centenários.) Os formuladores de políticas públicas terão de considerar novas formas de dar suporte à transição dos funcionários e de ofertar seguro desemprego, além de incentivar colaborações mais intensas e inovadoras entre os setores público e privado. Também será preciso que os governos e as pessoas individualmente se envolvam mais nesse processo. Dependendo da velocidade e da escala da transição da força de trabalho que está por vir, como observado pelo MGI em seu relatório mais recente, muitos países podem concluir que terão de realizar “iniciativas na escala do plano Marshall”.
Por enquanto, ficamos felizes simplesmente com a mensagem clara que obtivemos em nosso último estudo: dentre as grandes empresas, os executivos seniores sabem que há uma necessidade premente de repensar e reorganizar o papel que devem desempenhar para ajudar os funcionários a desenvolver as habilidades apropriadas para uma economia em rápida mutação – e eles estão bastante dispostos a fazer isso e a superar o desafio. E este já é um ótimo começo.