A demanda quase insaciável por estudos sobre liderança é uma consequência natural das frequentes falhas de líderes de governos, empresas e organizações não governamentais. Segundo pesquisas do Edelman Trust Barometer (entre outras), poucas pessoas confiam em seus líderes.1 Dados do Gallup revelam um baixo nível de envolvimento dos funcionários no mundo todo, ao mesmo tempo em que o Conference Board observa que a satisfação com o trabalho se encontra em baixa e o tempo de experiência dos executivos tem diminuído.2 Além disso, outras pesquisas apontam consistentemente que as empresas atribuem baixas notas aos seus próprios esforços de desenvolvimento da liderança, ou seja, os líderes não estão fazendo um bom trabalho nem para eles mesmos nem para seus ambientes de trabalho, e isso parece não estar melhorando.
O interesse esgotador em temas de liderança e em como melhorá-la provocou uma explosão de livros, blogs, palestras TED e comentários em geral. Infelizmente, tais materiais são barbaramente desconectados da realidade organizacional e, como consequência, inúteis para produzir melhorias concretas. Talvez este seja um dos motivos pelos quais os enormes recursos investidos no desenvolvimento da liderança tenham produzido resultados tão escassos. As estimativas quanto ao valor gasto no desenvolvimento da liderança variam de US$14 bilhões a US$50 bilhões ao ano, somente nos Estados Unidos.3
AS LIMITAÇÕES DAS FÁBULAS
Apesar das muitas falhas dos ensinamentos sobre liderança, existem alguns livros e artigos que realmente oferecem orientações úteis sobre como ser um líder melhor e mais eficaz. Também há informações fragmentadas sobre quais habilidades e comportamentos são necessários para fazer as coisas acontecerem e como desenvolvê-los. Lamentavelmente, por diversas razões, materiais úteis são raros. A seguir, veremos por quê.
O primeiro problema, e talvez o mais nefasto, é que refletir sobre temas de liderança tornou-se uma espécie de fábula com moral da história. Alguns autores defendem ideias como a autenticidade, o cuidado com o bem-estar dos funcionários, bem como dizer a verdade, desenvolver confiança, ser agradável e assim por diante. Por outro lado, um pequeno grupo de pesquisadores aporta evidências dos efeitos positivos de determinadas características pessoais e de comportamentos como o narcisismo, a autopromoção, quebrar as regras, mentir e manipular salários astutamente, galgar posições, acelerar a carreira e projetar uma certa “aura de poder”. Em parte, essa discrepância entre as prescrições da ampla maioria dos textos da “indústria da liderança” e os dados sobre o que realmente produz sucesso na carreira tem origem em uma tendência inconfessa de confundir aquilo que as pessoas acreditam ser verdadeiro e o que de fato é. Por trás disso, existe um viés de confirmação: a tendência de enxergar e lembrar-se daquilo em que se acredita.
O segundo problema refere-se ao enquadramento moral da liderança, que resulta em uma simplificação exacerbada da real complexidade dos dilemas e escolhas que os líderes enfrentam. Um ensaio em comemoração do 500o aniversário da obra “O Príncipe”, de Machiavelli, ressalta que, às vezes, é preciso fazer coisas ruins para obter resultados bons.4 Desse modo, não surpreende o fato de que alguns dos líderes mais bem-sucedidos e admirados como Nelson Mandela, Abraham Lincoln e John F. Kennedy, eram acima de tudo pragmáticos, e estavam dispostos a fazer o que fosse necessário para alcançar objetivos importantes.
Desse modo, cada um deles (e muitos outros líderes renomados) mudaram suas posições sobre determinadas decisões e/ou questões e demonstraram atitudes incoerentes. Eles fizeram uso da dissimulação para fazer uma falsa representação estratégica, na qual nem sempre revelavam seus verdadeiros planos e objetivos, inclusive para não suscitar a reação dos opositores. Por vezes, agiam de forma incoerente com seus sentimentos mais sinceros. O fato é que os seres humanos são complexos e multidimensionais de modo que não somente pessoas ruins fazem coisas boas e vice-versa, como a própria ideia de “bom” e “mau” pode ser problemática em se tratando dos intrincados dilemas que os líderes devem enfrentar ao decidir se os fins justificam os meios.
Finalmente, a divisão dos líderes (e de suas ações) entre “bons” e “maus” representa uma grave simplificação de uma realidade muito mais complexa, e reforça uma visão problemática do comportamento humano, centrada na personalidade e nas características pessoais. Como tem sido demonstrado há décadas pelas pesquisas de psicologia social, as pessoas não são constituídas unicamente pelas suas características mais inerentes, mas também são profundamente influenciadas pelas circunstâncias e limitações que variam conforme a situação. Dessa forma, elas adotam diferentes tipos de comportamento – ou mesmo de personalidade – dependendo das circunstâncias e dos vários papéis que desempenham. Os líderes, por sua vez, podem se comportar de maneira diferente, por exemplo, no âmbito familiar ou religioso em comparação ao ambiente de trabalho. Quando os indivíduos são promovidos a cargos de gerência sua perspectiva muda, assim como seu comportamento. Uma pesquisa da McKinsey indica que a eficácia de diferentes tipos de comportamentos da liderança varia de acordo com a saúde da organização na qual eles são praticados (ver “Leadership in context,” em mckinsey.com).
Caracterizar o comportamento dos líderes como um aspecto de certa forma inerente ou condicionado resulta em um conveniente pretexto para evitar certos comportamentos estratégicos que podem ser necessários para concretizar seus objetivos. Um exemplo simples: às vezes, as pessoas me dizem que não são bons em fazer networking, tentando justificar sua relutância em construir relacionamentos sociais tão necessários para o sucesso. Quando isso ocorre, gosto de lembrá-las de que elas não nasceram sabendo andar ou usar o banheiro. O comportamento e as habilidades para fazer networking, assim como todos os demais comportamentos e habilidades, podem ser aprendidos, tal como demonstra Ronald Burt, da Universidade de Chicago.5
LIÇÕES DE LÍDERES PERSPICAZES
No caso da liderança, o foco deveria recair nos comportamentos úteis, em vez de em fazer categorizações simplistas e, fundamentalmente, imprecisas sobre as pessoas e suas personalidades. Não surpreende, portanto, que os materiais que me parecem mais úteis para ensinar temas de liderança descrevem com precisão os diferentes tipos de comportamento, incluindo evidências e princípios subjacentes da ciência social, que são requeridos para alcançar objetivos em sistemas complnxos e interdependentes, nos quais as pessoas têm interesses díspares e conflitantes. A seguir, apresento algumas lições extraídas de livros que, na minha opinião, são as melhores fontes sobre o tema da liderança.
Robert Caro, biógrafo vencedo r do Prêmio Pulitzer, reconhece a ambivalência do poder e de seus usos — ideia com a qual muitos líderes provavelmente se identificam. Todos os seus volumes sobre Lyndon B. Johnson são excelentes, mas meu favorito é Master of the Senate. É repleto de lições, mas há duas que se destacam. No capítulo “The Orator of the Dawn”, Caro descreve como Johnson “seduz” o senador Hubert Humphrey, líder dos liberais no Senado, a apoiar a ele a seus objetivos e ambições. Os dois não eram aliados naturais, dada a natureza dos posicionamentos políticos de cada um, seus círculos de amizades e seus estilos pessoais. Contudo, Johnson conseguiu persuadir Humphrey. Quando os executivos me dizem que elogiar não funciona e que as pessoas percebem certos esforços estratégicos para angariar seu apoio, cito várias evidências que mostram que, em geral, somos bastante incompetentes para discernir atitudes enganosas. De fato, quando a atitude enganosa vem de um mestre no assunto e político consagrado como Johnson, a probabilidade de resistir com sucesso é baixa.
Construa sua base de poder incansavelmente (e, às vezes, descaradamente)
Aceite a ambiguidade...
Outro livro de Robert Caro, também vencedor do Pulitzer, é The Power Broker, que traz uma crônica sobre os 40 anos da carreira de Robert Moses, comissário de obras públicas e parques de Nova York. Aos 35 anos de idade, Moses tinha pouco a mostrar quanto aos esforços de reforma do governo que ele próprio havia proposto. Sua campanha para a construção de parques e obras públicas como rodovias e pontes para melhorar a vida dos nova-iorquinos estava paralisada, apesar de contar com o apoio do popular governador Al Smith. Em um capítulo revelador, chamado “Robert Moses and the Creature of the Machine”, Caro descreve como Moses finalmente decidiu fazer negociações com os líderes políticos do Partido Republicano local de Long Island, que tinham o poder de transformar seus planos em realidade.
Caro expõe de forma brilhante o modo como Moses decidiu tomar ações imorais ou, no mínimo, questionáveis, tais como permitir que os políticos e seus amigos se beneficiassem de informações privilegiadas acerca do traçado das alamedas, outorgando-lhes alguns contratos de construção para realizar obras para bem comum, incluindo a criação do Parque Nacional Jones Beach. A problemática de fazer as coisas acontecerem em um mundo de pessoas imperfeitas e escolhas ambíguas – uma realidade enfrentada por muitas pessoas em vários setores – ganha vida na narrativa de Caro.
... e evite competir por popularidade
A biografia Steve Jobs, de Walter Isaacson, descreve outra forma de comportamento que muitas vezes resulta ser incômoda para os líderes. O livro gerou controvérsia devido ao modo como retratou Steve Jobs. De qualquer forma, não restam dúvidas de que ele foi, por um lado, um líder visionário, cofundador e criador de uma empresa incrivelmente exitosa, a Apple – e ajudou a criar outra empresa da mesma magnitude, a Pixar. Por outro lado, era notoriamente duro com as pessoas com quem trabalhava. Qual é a lição aprendida? A liderança não tem a ver com ganhar concursos de popularidade ou ser a pessoa mais querida de uma organização social. Como o ex-CEO do Caesars, Gary Loveman, uma vez disse em aula: “Se quiser ser amado, tenha um cachorro”. Criar e inovar muitas vezes perturbam o status quo e interferem em interesses pessoais. Sobretudo, a energia e o foco monomaníacos que são tão úteis (se não essenciais) para dar vida às ideias, nem sempre são agradáveis para as pessoas mais próximas.
Quando a situação exige mudança, adapte-se
A extensa biografia de Abraham Lincoln e dos três membros de seu gabinete, chamada Team of Rivals, de Doris Kearns Goodwin, explora a importância de reinventar-se a si mesmo e, por vezes, fazer um espetáculo de aparências. Abraham Lincoln claramente não começou sua vida pública como a figura heroica e o presidente transformador que verdadeiramente foi, motivo pelo qual é tão celebrado.
Ao longo da obra, revela-se como Lincoln reinventou-se a si mesmo e estava disposto a fazer o que fosse necessário de acordo com as exigências de cada situação – sempre aprendendo, evoluindo e desenvolvendo suas habilidades de liderança. Ocasionalmente, essa abordagem de liderança exigia que Lincoln fizesse negociações com as quais não se sentia totalmente confortável, visando conseguir o apoio dos legisladores, por exemplo quando da aprovação da emenda constitucional que aboliu a escravidão. Às vezes, era necessário distanciar-se da verdade, por exemplo, ao informar o lugar exato onde se encontrava uma delegação de paz dos estados do Sul ao se aproximarem de Washington D.C e quando ela chegaria à cidade, visando ganhar tempo para negociar com seus membros de forma privada. Em outra oportunidade, foi obrigado a dar mostras de energia e confiança que não refletiam exatamente o modo como se sentia. A capacidade de fazer o que é necessário em cada situação, comportando-se de formas pouco autênticas, porém úteis, caracterizou não somente Lincoln, mas também muitos outros grandes líderes.
Domine a arte da influência
Nenhuma consideração a respeito das lições importantes de liderança estaria completa sem mencionar o livro de Robert Cialdini, “Influence: Science and Practice”. Este livro em constante evolução contém um conjunto de princípios teóricos sólidos e empíricos de influência interpessoal. O autor demonstra de formas que são, ao mesmo tempo, sugestivas e diferentes das ideias originais de Daniel Kahneman e de Amos Tversky, de que as pessoas costumam ter não apenas um viés cognitivo como também certa preguiça cognitiva. Nossos atalhos mentais e padrões inconscientes de pensamento fazem com que todos nós sejamos suscetíveis às táticas de influência interpessoal – táticas que dependem da regra de reciprocidade, aceitação e obediência à autoridade (ou a seus símbolos), do poder da predileção, do valor criado pela escassez e da tendência de elevar os níveis de comprometimento, mesmo diante de resultados negativos. Cialdini nos faz lembrar que todos somos suscetíveis a essas conhecidas estratégias de influência, mesmo que já sejam de nosso conhecimento. Como consequência, elas representam um conjunto de ferramentas potencialmente disponível a qualquer pessoa que se dedique a aprendê-las e a dominar suas aplicações.
A principal mensagem contida em todos esses livros é de que a liderança – a capacidade de concretizar objetivos – é uma habilidade que pode ser aprimorada como qualquer outra, por exemplo, tocar um instrumento, falar outro idioma ou aprender um esporte. Os líderes destacados nesses livros – Lyndon Johnson, Robert Moses, Steve Jobs e Abraham Lincoln – e outros como eles, evoluíram e se desenvolveram com o tempo. Eles aprenderam a avaliar quais compromissos estavam dispostos a assumir e, sobretudo, a dimensionar as circunstâncias necessárias para alcançar seus objetivos mais ambiciosos.
Ao fazê-lo, ilustram tudo o que seria possível para aqueles que estiverem dispostos a lidar com problemas importantes e controversos. A rigor, eles representam um alerta contra a autoimposição de obstáculos (self-handicapping) e a relutância em adotar determinados tipos de comportamentos – deficiências que impedem muitos líderes de desenvolverem seu pleno potencial.