Por Tracy Francis e Fernanda Hoefel
O brasileiro sempre foi um otimista. Mesmo diante de um longo histórico de crises e volatilidade macroeconômica, o otimismo do consumidor se manteve constante, servindo de combustível para um país no qual 60% do PIB se originam do consumo privado. Nos últimos anos, porém, diante da maior recessão de nossa história, a confiança do consumidor caiu a níveis jamais vistos em quase 15 anos. Há três meses esse índice voltou a dar sinais de recuperação, e agora volta a patamares de dezembro de 2014 – tampouco um momento tranquilo de nossa economia. Se, por um lado, nosso otimismo nato nos convida a um suspiro de alívio diante dessa notícia, é também inevitável a pergunta: o que esperar nesta nova fase?
Para se ter uma ideia da magnitude da mudança ocorrida nos últimos anos, segundo a pesquisa Consumer Sentiment realizada anualmente pela McKinsey em diversos países do mundo, apenas 16% dos brasileiros ouvidos se declararam otimistas com a economia, o menor porcentual dentre todos os países da América do Sul e México. A título de comparação, historicamente o brasileiro se mantinha confiante mesmo em períodos de instabilidade econômica, enquanto, por exemplo, o consumidor chinês era pessimista até diante do rápido crescimento. O quadro mudou.
Mais conservador, o consumidor brasileiro não apenas enxugou os gastos como passou a poupar mais. Quando questionados o que fariam caso ganhassem 10% a mais por mês, três em quatro pessoas declararam que vão poupar o dinheiro extra ou quitar dívidas. Mesmo entre consumidores beneficiados recentemente pelo saque do FGTS, somente 20% da população usariam a renda adicional para consumir, segundo pesquisa da McKinsey. Este padrão é o inverso do observado dez anos atrás, em outro momento também conturbado da economia mundial.
Como resultado deste contexto, as vendas do varejo brasileiro encolheram 6,2% em 2016, segundo o IBGE, e registrou-se também recorde no fechamento de lojas: 108,7 mil, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Há incerteza sobre os resultados do primeiro trimestre de 2017, especialmente diante das recentes alterações de números do IBGE, mas alguns setores já notam melhora relativa.
Com a melhora das expectativas sobre a economia, a desaceleração da inflação, a queda dos juros e a liberação do FGTS, a confiança do consumidor sobe, refletindo também a expectativa de aliviar o endividamento das famílias, atualmente oneradas. Mas fato é que o longo período em que se somaram falta de confiança e crise econômica alterou os hábitos de consumo de 74% dos brasileiros.
Uma vez alterados, não é claro quão rapidamente reversíveis os hábitos de consumo são, agora que encontramos sinais de melhora da economia. Em situações de recuperação de crises observadas em outros mercados, houve uma lacuna de muitos meses a alguns anos para comportamentos de consumo pré-crise voltassem a prevalecer, com mudanças irreversíveis em alguns casos.
Permanece, portanto, fundamental neste momento estar atento às alterações de comportamentos de consumo ocorridas durante a crise, bem como ao que podem significar agora para um consumidor mais confiante, mas certamente ainda muito afetado pela recessão.
De maneira geral, embora o consumidor ainda seja leal às suas marcas preferidas (e mais caras), ele está cada vez mais disposto a trocá-las pelas de menor custo caso não considere o preço justo. Para 33% dos consumidores pesquisados, a fidelidade à marca está agora diretamente ligada ao preço.
Cerca de 23% dos consumidores já optaram pela troca por marcas mais baratas, sendo que 60% deles não pretendem voltar à etiqueta mais cara. Pelo contrário, somente 5% dos consumidores ouvidos optaram por marcas mais caras – e tipicamente em categorias seletas, que representam uma forma de indulgência pessoal para consumidores. O conhecido “efeito ampulheta”.
Se o brasileiro agora dá mais valor ao dinheiro, as marcas devem comunicar com contundência sua proposta de custo-benefício, enfatizando benefícios de seus produtos e articulando sua proposta de valor em termos inquestionáveis.
Mais do que nunca, o consumidor precisa perceber vantagens claras para aceitar pagar mais por alguns produtos ou marcas cujo consumo agora questiona. Lembrando que, uma vez que consumidores fazem trade down, o trade up não ocorre na mesma medida - e pode demorar a acontecer, com base no observado em outros mercados.
Estar onde o consumidor está: a busca por oportunidades e melhores condições mudou o panorama de canais. Na indústria de alimentos, o atacarejo ganhou força e chegou para ficar. No segmento de shoppings centers, o formato outlet cresce. O online continua forte e representa para consumidores atentos a chance de encontrar oportunidades. Ademais, uma presença digital robusta é fundamental não somente para vender como também para influenciar decisões de compra de consumidores agora mais sensíveis. Uma estratégia de distribuição holística tornou-se especialmente importante.
A oportunidade também é única para tirar proveito da imensa quantidade de dados agora disponíveis, aplicando técnicas analíticas avançadas para desenvolver soluções. Investir na identificação de oportunidades granulares de crescimento e gestão de receitas, seja por região, canal ou segmento de consumidor pode desvendar bolsões de valor inexplorados.
Não é possível dizer neste momento o quanto (e quando) o aumento de confiança do consumidor se traduzirá em aumento de vendas do varejo. Independentemente disto, as mudanças de comportamento observadas em decorrência da crise dos últimos anos são profundas e deveriam continuar pautando como empresas se preparam para reagir e traçar suas estratégias.
*Tracy Francis é sócia sênior da McKinsey e Fernanda Hoefel é sócia da McKinsey.
**Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico