Por Nicola Calicchio e Ana Karina Dias
Vivemos uma crise de confiança causada pelas falhas de caráter de nossos heróis, líderes e instituições. Nos últimos anos, comportamentos impróprios têm sido recorrentes tanto no setor público como no privado – em praticamente todos os países do mundo, incluindo o Brasil. O que está por trás disso e o que podemos fazer a respeito?
Celulares, hoje, estão em toda parte. A “transparência total” tornou-se regra e tudo acaba se tornando público, independentemente de sua relevância. O fenômeno “Panama Papers” ilustra essa realidade. Ser competente, portanto, não é suficiente. De nada adianta ter um líder que gere resultados espetaculares se suas ações acabarão destruindo a empresa por conta de comportamentos impróprios?
O general norte-americano Norman Schwarzkopf, que liderou as forças de coalizão na Guerra do Golfo, dizia que “a liderança eficaz é resultado da combinação explosiva de competência e caráter – porém, se for preciso escolher apenas um, fique com o caráter”. Mas como saber se o líder em questão não abusará do poder que lhe foi conferido? E como identificar e estimular as qualidades inerentes ao caráter?
A forma mais eficiente de se fazer isso é promover uma mudança de foco: combinar a preocupação sobre o que os líderes sabem fazer – foco dos processos tradicionais de recrutamento e desenvolvimento – com uma ênfase muito maior em quem eles realmente são e quais as qualidades intrínsecas que devem ter. Isso não significa apenas se livrar das maçãs podres, mas contratar, desenvolver e promover pessoas de alto caráter.
ndivíduos como esses possuem alguns traços essenciais. Sabem priorizar questões, mostrando sensibilidade para detectar zonas cinzentas, tomam decisões éticas no dia a dia e têm a coragem de fazer o que é certo, independentemente do custo pessoal. São pessoas que têm um sentido de propósito e uma resiliência fora do comum. Não se curvam à primeira dificuldade, não desistem, e nem aceitam as soluções fáceis.
A esse conjunto de habilidades, une-se a determinação de viver de forma ética, demonstrada ao ter humildade para encarar os desafios, se conduzir de acordo com seus valores e apresentar responsabilidade, confiabilidade, transparência, dignidade, senso de justiça e cidadania.
O elemento que talvez seja o mais importante, e que vemos em muitas organizações e líderes, é que fazem o que pregam. A Johnson & Johnson acredita em recrutar, desenvolver e reter somente aqueles líderes que demonstram valores elevados – aqueles que, no vocabulário da própria companhia, são conhecidos como “credo-based leaders”. São exemplos vivos e sustentam sua liderança em valores como um meio de inspirar outras pessoas na organização por sua consciência, pensamento e ações éticas. William C Weldom, ex-Presidente do Conselho e executivo-chefe da Johnson & Johnson disse uma vez: “É essencial que tenhamos uma cultura de líderes que se baseiam em valores com integridade e paixão para definir uma visão, inspirar a organização a se alinhar ao redor desta visão, e nutrir aqueles ao seu redor desta grandeza”. A forma como a companhia lidou com uma das principais crises de sua história representa o que se espera hoje de líderes, não apenas em situações delicadas, mas sempre.
Na década de 1980, criminosos adulteraram algumas embalagens de Tylenol, um dos principais produtos da companhia, o que levou à morte de algumas pessoas que consumiram o medicamento alterado. A resposta da Johnson & Johnson foi retirar do mercado o produto e suspender todas as campanhas publicitárias relativas a ele após as primeiras mortes. Esse movimento causou prejuízo próximo a US$ 100 milhões à companhia, que viu como mais importante a segurança de seus consumidores e a preservação de sua imagem do que resultados financeiros e o desempenho de suas ações em bolsa.
Assim como o comportamento ético não é algo teórico, os resultados de adotá-lo ou não também não são. Metade das maiores falências da história podem ser rastreadas a falhas de caráter. Por outro lado, olhando pelo lado positivo, as empresas cuja atuação é considerada verdadeiramente ética veem suas ações negociadas com prêmio médio de 54% em relação ao índice S&P nos últimos 10 anos.
A introspecção permitirá às organizações detectar se possuem os líderes adequados, bem como definir quem serão seus sucessores e estabelecer formas de prepará-los durante a próxima década. Grandes líderes e organizações entendem que sustentar a excelência no longo prazo envolve tanto competência como caráter. Eles reconhecem que embora sejam necessários anos para se construir uma reputação sólida, minutos são suficientes para destruí-la.
O desalento nos dias de hoje parece ser o tom característico e comum das relações humanas modernas, resultado de uma multiplicidade de comportamentos inadequados em diversas esferas e da falta de esperança num mundo que possa ser diferente. Nós discordamos. Acreditamos que não se deve perder a esperança jamais. Embora no curto prazo o mundo dê preferência ao talento, no longo prazo as recompensas virão do caráter – e não conhecemos quem não queira ter um horizonte de longo prazo associado a uma consciência tranquila.
*Nicola Calicchio é Presidente da McKinsey na América Latina, e Ana Karina Dias é Líder da Prática de Organização.