Por Vicente Assis, Björn Hagemann e Bernardo Ferreira
Como será a mobilidade em 2030? Existem quatro grandes tendências que deverão se consolidar no Brasil até lá: veículos compartilhados, carros autônomos, conectados e elétricos. No caso da mobilidade compartilhada, o Brasil é um dos países que mais adotam essa opção.
Estudos mostram que, para quem se desloca menos de 8 mil km por ano, é mais barato usar aplicativos de transporte compartilhado do que comprar e manter um carro. Isso se reflete em uma mudança na aspiração de muito jovens: diversas pesquisas indicam uma redução na expectativa do primeiro carro próprio, algo que por muito tempo foi quase um “ritual de passagem” para a vida adulta nas famílias de classe média urbana.
Mas não se trata somente do sujeito que deixa de dirigir - em São Paulo, assim como em outras metrópoles brasileiras, os aplicativos se tornaram uma alternativa inclusive ao transporte público, especialmente nas modalidades de menor custo, em que é possível dividir a viagem com outros passageiros.
Contudo, no que diz respeito à autonomia dos veículos, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer.
Embora muitas empresas - das montadoras às de tecnologia - estejam investindo no desenvolvimento dos carros autônomos, aparentemente, as ruas das cidades brasileiras representam um desafio para algoritmos em fase de testes. Há grande número de motociclistas, falhas na pavimentação, falta de padronização ou ausência de sinalização de trânsito, motoristas que fazem conversões proibidas e pedestres que atravessam fora da faixa.
Por outro lado, quando se olha para a conectividade dos carros, o Brasil está no meio do caminho.
Há duas formas de conectividade: carros que se conectam ao celular ou veículos que contam com um sistema próprio de conexão à internet com hardware e software independentes. Atualmente, pouco menos de 15% dos carros vendidos no Brasil trazem conectividade ao celular de fábrica. Até 2025, esse número deve chegar a 40%, enquanto o sistema próprio de conexão deverá passar dos atuais 5% para 20% no mesmo período.
Espera-se também uma mudança nas possibilidades trazidas pela conectividade. Hoje, já é comum contar com mapas em tempo real ou receber alertas sobre problemas no carro. Até 2025, será possível ter acesso a serviços como comércio eletrônico ou assistentes virtuais comandados por voz dentro do veículo.
Por fim, se hoje o uso de carros elétricos no Brasil é pouco significativo, espera-se que, até 2030, entre 10% e 30% dos veículos novos adotarão alguma forma dessa tecnologia.
A distância entre as porcentagens é grande, porque há uma série de premissas em aberto: Qual será o custo das baterias? Qual será o tamanho dos subsídios públicos? Há também outros elementos que desaceleram a adoção de veículos elétricos no Brasil: nossa pegada de carbono é menor em comparação aos países desenvolvidos em razão de uma matriz energética mais limpa, o que diminui a pressão por reduzir as emissões. Além disso, temos o etanol, nossa alternativa aos combustíveis fósseis.
Dessa forma, quais são as implicações dessas quatro tendências de mobilidade urbana para a indústria automotiva e a sociedade? Estas são algumas delas:
- Haverá uma transferência de receita para outras partes da cadeia, o que pode significar a necessidade de as empresas automotivas mudarem seu modelo de negócio. Com a crescente adoção do compartilhamento, por exemplo, para o consumidor, os carros passam a ser vistos mais como um serviço do que como um bem de consumo.
- O negócio de frete e transportes pode ser revolucionado com a desintermediação e o monitoramento em tempo real das condições da frota, gerando cortes de custo.
- Deverá surgir um mercado de entretenimento e consumo de produtos e serviços dentro dos veículos, uma vez que os carros estarão conectados de modo que os “ex-motoristas”, desobrigados de prestar atenção no trânsito em razão da autonomia dos veículos, usarão seu tempo em outras atividades durante o deslocamento.
- Esperam-se grandes mudanças no setor elétrico. Será preciso reajustar toda a distribuição de energia nas cidades devido à nova demanda criada pelos veículos, que precisarão carregar suas baterias. Pode haver impacto inclusive na geração de energia, com a necessidade de construção de mais usinas. Também será preciso desenvolver uma rede de pontos de recarga, o que gerará diversas oportunidades de negócio.
- Há uma expectativa de redução nos acidentes de trânsito, uma vez que os veículos autônomos são mais seguros, o que resultaria em menos mortes e, consequentemente, menos custos para o sistema de saúde. Além disso, a interconexão entre os carros tornará o trânsito mais inteligente, melhorando a distribuição dos veículos pelas vias, reduzindo os congestionamentos.
- Por último, o meio ambiente também se beneficiaria, pois os carros elétricos são mais eficientes e reduzem a poluição do ar nas áreas urbanas.
A mobilidade do futuro também impactará vários outros setores como seguros (e se o número de sinistros cair muito?), imobiliário (onde as pessoas vão morar se houver melhor mobilidade?) e estacionamentos (o que fazer com tantas vagas de garagem nos atuais e futuros prédios residenciais e comerciais?). Além disso, já existe uma preocupação sobre o impacto no número de transplantes (com menos acidentes, haverá menos doadores de órgãos) e com a privacidade do usuário (com carros conectados, alguém sempre saberá onde você está - que uso será dado a essa informação?).
Para a indústria, vale apontar alguns números. O mercado global automotivo, hoje, fatura cerca de US$ 3,5 trilhões ao ano - isso é algo como duas vezes o PIB do Brasil. Apenas US$ 35 bilhões têm origem nos chamados novos modelos de negócios, como serviços baseados em conectividade e mobilidade compartilhada.
Mas vemos oportunidades. Até 2030, acreditamos que os novos modelos de negócio podem valer até US$ 1,5 trilhão ao ano. Na última vez em que o setor automotivo apresentou tantas oportunidades de inovação, Henry Ford ainda vivia.
* Vicente Assis é Sócio Sênior da McKinsey e lidera a área de clientes B2B na América Latina. Björn Hagemann e Bernardo Ferreira são, respectivamente, Sócio e Sócio Associado Especialista no setor automotivo da McKinsey em São Paulo.
***Texto originalmente publicado no Valor Econômico.