Por Nicola Calicchio
A preocupação dos principais CEOs do mundo com os efeitos das transformações da sociedade moderna sobre suas corporações se mostrou universal em todas as reuniões que tivemos com eles nesse último ano. Isso levou a própria McKinsey a refletir sobre o tema. Desse exercício, surgiram alguns assuntos que chamam mais a atenção – principalmente pela influência que têm e que terão para as empresas de todo o planeta.
São preocupações novas, em sua maioria, surgidas de avanços tecnológicos que estão remodelando o mundo. Outras são ecos de um passado que se julgava superado.
É o caso da geopolítica. Desde a queda do Muro de Berlim, ano após ano os mercados se foram se abrindo mais, processo que conhecemos como globalização. Nos últimos anos, porém, surgiu um movimento contrário, uma espécie de “desglobalização”. As sanções à Rússia por seu papel na Ucrânia são evidência disso. A divisão entre Ocidente e Oriente ressurge, as tensões se reavivam, dificultando a vida das corporações e a livre circulação de mercadorias e serviços por motivações políticas alheias a seu controle.
O próprio ambiente de negócios passa por transformações. Na busca por mais controle, governos e instituições supranacionais vêm acelerando o ritmo de endurecimento das regulações. A ponto de, em alguns casos, a preocupação com regras e normas se tornar mais vital para empresas do que a análise do mercado em si e a formulação de suas estratégias.
Esse recrudescimento da economia globalizada reflete, para muitos CEOs, um redesenho do próprio sistema capitalista. A arquitetura doente dos mercados, derivada da natureza de curto prazo dos incentivos à gestão, veio à luz com a última crise financeira global, abalando a confiança no capitalismo. O que antes era virtude de poucos, a transparência total ao escrutínio público, se tornou exigência para todos. A forma de conduzir uma corporação mudou e a preocupação agora é como será o capitalismo no futuro.
Algumas velhas e comprovadas fórmulas não dão mais os mesmos resultados. Isso é evidente em mercados emergentes onde ainda há espaço para o crescimento dos negócios, mas numa dinâmica bastante diferente daquela de poucos anos atrás. O fim do boom das commodities e da onda de infraestrutura na China fechou algumas estradas. Hoje os líderes empresariais precisam procurar outras, reavaliando cada mercado, seus potenciais e desafios de forma mais granular, entendendo as particularidades de cada local e o impacto que novas tecnologias, especialmente redes sociais, têm sobre a população e a própria cultura desses países.
Outras velhas fórmulas, no entanto, encontram terreno fértil no ambiente atual. Caso das fusões e aquisições. Elas ressurgem naturalmente no fim de ciclos de alta de ações – como aparentemente é a situação agora – pois são a principal força por trás do aumento dos lucros por ações nesses momentos. Estamos vendo isso no setor farmacêutico e, certamente, veremos em outros setores. O desafio será diferenciar transações saudáveis daquelas tóxicas e movimentos cíclicos daqueles definitivos. Da qualidade dessa análise dependerá o grau de sucesso das estratégias a serem adotadas.
O ritmo e a profundidade da transformação digital e da digitalização de todos os aspectos da vida e dos negócios aumentaram significativamente nos últimos anos. Mais e mais os mundos real e virtual se confundem nas vidas das pessoas. As interações mudam, assim como as formas de se instruir, trabalhar e consumir – com impacto dramático para as empresas.
Não por acaso é tão recorrente entre CEOs a atenção às oportunidades e riscos surgidos dessa revolução digital. Se, por um lado, a telefonia móvel onipresente e barata e a internet das coisas (que liga máquinas a máquinas) levaram a uma ruptura nos modelos de negócios, por outro criaram oportunidades únicas. Uma empresa digitalizada eleva sua eficiência e libera recursos e pessoas para serem empregados de forma mais produtiva, inclusive acessando bolsões de lucro até então inatingíveis.
As aplicações de big data são exemplo fascinante disso. Abrem novos horizontes para gestão, marketing e relacionamento com clientes – além de outras possibilidades ainda nem mesmo vislumbradas, num oceano de potencial no qual apenas molhamos as pontas dos pés.
O lado obscuro desse oceano virtual, porém, também preocupa. As habilidades de hackers, organizações e espiões (privados e de governos) acompanham em velocidade a evolução digital. Em risco estão dados vitais para os negócios e para a própria existência das empresas. Muitos consideram ser inevitável um ataque cibernético em larga escala nos próximos 5 anos. Para se proteger, é necessário estar um passo à frente, assegurando gastos bem dimensionados com proteção eletrônica e contingências rápidas e eficientes.
Os próprios responsáveis por navegar por essas mudanças, inclusive, não estão imunes a elas. O papel de líderes empresariais, desempenhado pelos próprios CEOs com quem conversamos, também está em mutação. Tradicionalmente, programas de desenvolvimento de lideranças se concentram em ensina-los técnicas e habilidades para fazer o que se é esperado deles. Hoje, o essencial é identificar e nutrir executivos com potencial para comando pelo que eles são e representam. As empresas precisam de pessoas com habilidades natas como resiliência e senso de propósito. Essa necessidade deriva da cada vez maior expectativa da sociedade por líderes que sejam transparentes, íntegros e hábeis em se comunicar. Só uma auto-avaliação mostrará se, hoje, as organizações já têm os líderes corretos e como devem preparar seus sucessores para a próxima década.
A complexidade e a velocidade das transformações que afetam o mundo corporativo e seus negócios são vastas. O primeiro passo do líder é reconhecer esses desafios e cercar-se de um time dentro e fora da própria organização que o possa ajudar a compreende-los, se preparar para eles e supera-los.
*Nicola Calicchio é presidente da McKinsey para a América Latina