Por Björn Hagemann e Xavier Costantini
Se a década encerrada em 2010 foi marcada pelo forte desempenho da economia brasileira, os números dos últimos anos resultaram na maior recessão da história do país - e só agora os indicadores econômicos passaram a sugerir o início da retomada. Mas voltar a crescer não é o único desafio do Brasil: é preciso tornar essa expansão inclusiva.
Embora as taxas de pobreza tenham recuado quase 70% desde 2004, mais da metade da população total do país ainda se enquadra em segmentos de consumo básico e emergente. Para elevar o padrão de vida dessa população, o país precisa encontrar uma maneira de acelerar o crescimento para além da classe média, continuando a tirar pessoas da pobreza. Estar mais conectado à economia global pode ser uma alternativa. Isso envolveria deslocar o foco da proteção às indústrias locais para o aumento de sua competitividade nos mercados globais - uma mudança que obrigaria as empresas brasileiras a evoluir e eliminar as atuais lacunas de produtividade em todos os setores e entidades.
Em média, a produtividade dos diversos setores econômicos no Brasil corresponde a apenas 23% da dos EUA. Além disso, os setores de maior produtividade (financeiro, mineração, turismo e transporte) concentram uma pequena parcela do total de empregos: 10%, somados. Já aqueles de menor produtividade (agricultura e serviços) detém 30% do total de empregos da economia.
A situação fica ainda mais preocupante se considerarmos a seguinte dinâmica: nos 10 últimos anos, comércio, transporte e mineração eram os únicos setores que superavam os índices nacionais de produtividade e, ao mesmo tempo, ampliavam sua participação no emprego. A ampla maioria dos setores que aumentaram sua taxa de participação na força de trabalho apresentaram índices de aumento da produtividade abaixo da média. Alguns dos poucos setores com crescimento mais forte da produtividade viram diminuir sua participação no emprego - é o caso da agricultura e de outros serviços.
Endereçar a lacuna da produtividade passa a ser um imperativo em um contexto onde a queda das taxas de fertilidade restringe o crescimento puxado pelo emprego, que explicou quase 80% do avanço do PIB nos últimos 15 anos. As evidências mostram que as empresas de exportação têm níveis mais elevados de produtividade, e seus trabalhadores também têm níveis mais altos de renda. A digitalização pode exercer um importante papel para ajudar empresas locais a se conectar com o mundo, já que plataformas online facilitam o acesso aos mercados globais, sobretudo para PMEs. Esse fato é de particular relevância para um país como o Brasil, onde quase 90% das empresas estão nessa categoria.
O setor de manufatura ilustra bem as oportunidades e desafios enfrentados pela economia brasileira. Com pouco mais de 11% da força de trabalho, tem uma performance melhor do que se esperaria em termos de contribuição às exportações e participação nos gastos de P&D do setor privado. Contudo, esse potencial não se traduziu em fortes ganhos de produtividade que resultassem em empregos de maior qualidade. Para se ter uma ideia, o índice corresponde a apenas 16% da dos EUA, atrás, inclusive, da baixa produtividade média do país.
A manufatura também apresenta muitas disparidades de aumento da produtividade entre setores, portes de empresas e níveis de capacitação dos trabalhadores. Mas pode ajudar o Brasil a intensificar o IED (Investimento Estrangeiro Direto) e ampliar o acesso ao financiamento global, por exemplo, ao atrair multinacionais.
As empresas estrangeiras já têm uma presença excepcional no Brasil. Elas podem ser importantes catalisadoras do aumento da produtividade e da expansão global de seus fornecedores locais. Executivos tendem a preferir mudar-se para locais em que as multinacionais já estão presentes e, com melhor infraestrutura e ambiente de negócios, o Brasil pode aproveitar sua base atual para atrair outras empresas competitivas de manufatura e serviços. O país precisa, contudo, reavaliar sua abordagem para concretizar os benefícios que as multinacionais podem proporcionar.
Como ilustra o exemplo da indústria automotiva, a proteção representada por altas tarifas às importações elevou os preços internos sem tornar a produção local (mesmo a de multinacionais) competitiva em termos globais. As lições que extraímos do setor agrícola indicam que o Brasil pode se tornar uma base de produção mais bem-sucedida para as multinacionais se investir em expertise e P&D locais, utilizando as pressões competitivas dos mercados globais para estimular a produtividade.
O Brasil também poderia obter enormes benefícios se tirasse melhor proveito de seus abundantes recursos naturais. O valor agregado por unidade de reservas de recursos no país representa apenas 5% do valor gerado por economias desenvolvidas. O Brasil foi abençoado com abundantes recursos que, se bem administrados, poderiam ser utilizados para construir uma base econômica mais diversificada e resistente.
Conectar o Brasil ao mundo não é somente uma questão de comércio e financiamento. O país também precisa explorar a tecnologia, o ambiente de negócios, os talentos e as melhores práticas do planeta. A última onda de inovação representa uma oportunidade singular para adquirir competitividade e melhorar a produtividade. Tratar a questão do tamanho e custo da dívida também passa a ser prioridade. O endividamento do governo aumentou para quase 75% do PIB, ante 43% das economias emergentes.
Diante desse cenário, grande parte do desafio recai sobre o governo - pesquisa McKinsey indica que o setor privado se sai melhor que o público ao alavancar a competitividade. Mas as empresas também podem se tornar protagonistas: um esforço amplo e concentrado pode ajudar o Brasil a fazer a transição das políticas voltadas apenas para dentro, de contenção de riscos, para as de aproveitamento de oportunidades.
*Björn Hagemann e Xavier Costantini são, respectivamente, sócio e sócio sênior da McKinsey.
**Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico