Por Nicola Calicchio e Marcus Frank
Diante da fixação de um teto constitucional para o gasto público federal pelos próximos 20 anos e das consequentes discussões a respeito da divisão do bolo orçamentário, não há dúvidas de que a educação deve ser prioridade, dado o seu poder de inclusão social e, no médio prazo, de inserção de pessoas mais qualificadas no mercado de trabalho, com efeito verificável no nível de renda. Educação também é um fator essencial para a melhora da produtividade do trabalhador brasileiro, que, por sua vez, é um elemento-chave para que o país consiga crescer de forma sustentável daqui para frente, tendo em vista a redução da taxa de natalidade e a desaceleração do crescimento populacional.
Mas é importante ter em mente que uma educação de melhor qualidade e desempenho não depende, necessariamente, de mais gasto. Dados e experiências recentes mostram que a questão fundamental é que os recursos sejam bem geridos e aplicados - caso contrário, não há montante que dê conta de resolver o problema.
Precisamos reconhecer que o ponto de partida não é bom, mesmo para as novas gerações. O desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que mede a proficiência dos alunos com 15 anos, é um dos piores entres os 72 países que participam: estamos no 63º lugar. No Brasil, 57% dos estudantes tiveram desempenho abaixo do mínimo na avaliação de 2015. A fatia é bem maior que a média dos países da OCDE, de 21%, e também de países como Colômbia (49%), México (48%) e Chile (35%). Além disso, 5 Estados brasileiros - Alagoas, Bahia, Maranhão, Tocantins e Sergipe - tiveram desempenho pior que o penúltimo país no Ranking que foi a Argélia.
Uma conclusão rápida quando se observa esse tipo de resultado poderia ser que o país precisa alocar mais recursos financeiros para a educação. Mas quando fazemos uma análise cruzada entre o desempenho no Pisa e o gasto público em dólares por estudante (ajustado por paridade de poder de compra), podemos concluir que o mau resultado do Brasil não é necessariamente um problema de falta de dinheiro.
De acordo com a OCDE, países como Argentina e Chile estão na mesma faixa de investimento por aluno que o Brasil (entre US$ 3,5 mil e US$ 5 mil por ano), mas apresentaram desempenhos superiores no Pisa. Além disso, países com gasto menor em educação, como a Colômbia (de US$ 2,5 mil a US$ 3 mil por eestudante por ano), também conseguiram resultados melhores que o do Brasil. Nossa relação entre investimento por aluno e performance no Pisa também mostra-se menos eficiente que a de países de grande população, como a Rússia, o México e a Indonésia.
Além disso, sabemos que o gasto por aluno na educação básica no Brasil triplicou no Brasil entre 2003 e 2014, e mesmo descontando a inflação do período, o gasto aumentou em cerca de 65%, entretanto a posição do país no Pisa manteve-se basicamente constante nesse período, sempre entre os 20% piores. Se olharmos os resultados da avaliação nacional, a Prova Brasil, observamos uma tendência similar, houve até uma melhora nos alunos do quinto ano, mas no nono ano e no ensino médio, avançamos muito pouco.É inegável que, no mundo ideal, poderíamos almejar poder ter o mesmo investimento e resultado de países ricos como Finlândia, Japão e Canadá. Com cerca do dobro do gasto por aluno do Brasil em termos de paridade PPP, eles apresentaram alguns dos mais altos desempenhos do Pisa. O mesmo vale para Cingapura, Coreia do Sul e Hong Kong. Mas o início da solução está em reconhecermos nossa situação - inclusive as restrições orçamentárias - e termos consciência de que é possível revertê-la em qualquer contexto. Mesmo que as condições financeiras do setor público não sejam as mais favoráveis e que o aumento do investimento não esteja em pauta.
Então, qual é a raiz do problema? A origem está na gestão, e não no volume de recursos. Dinheiro é importante, mas não basta aumentar o montante dedicado à educação. É preciso fazer mais com menos, principalmente diante da conjuntura em que estamos hoje no país.
Além de priorizar o tema e buscar experiências ao redor do mundo que possam nos servir de inspiração, vemos no Brasil a necessidade de abraçar três temas para de fato transformarmos esse quadro: ter uma aspiração, aproximar educação e trabalho e criar um programa holístico que reúna uma série de intervenções.
Tudo começa com ter um sonho compartilhado pela rede de educadores. Chamamos de sonho, e não de meta, porque, ao contrário do que acontece no setor privado, não é possível fazer uma gestão de consequência no setor público. Nas empresas privadas, se alguém não atinge suas metas ou tem seu desempenho mal avaliado, certamente sofrerá consequências como feedback negativo, ausência de bônus ou mesmo demissão. O setor público tem outra dinâmica e, justamente por isso, é preciso mobilizar as pessoas em torno de um sonho comum, que inspire as pessoas para a ação.
Outro pilar fundamental é a aproximação da educação a temas relacionados ao trabalho. Na visão da McKinsey, a educação brasileira, infelizmente, é muito afastada das qualificações exigidas pelo setor privado, e isso talvez ajude a explicar a grande evasão escolar entre adolescentes. Precisamos pensar em gerar mais oportunidades de trabalho para os jovens a partir da educação, e com isso aumentando a retenção dessas pessoas na escola. Para se ter uma ideia, atualmente quase a metade dos alunos que terminam o nono ano do ensino fundamental não seguem estudando no ensino médio, principalmente porque não veem o valor deste diploma e a conexão com a vida real.
Por fim, é preciso ter um programa holístico e bem estruturado com uma série de ações voltadas à transformação da educação no Brasil. Intervenções pontuais ajudam, mas não viabilizam uma mudança sustentável no modelo. Para que um sistema educacional melhore o seu desempenho, é preciso haver um conjunto integrado de medidas. Em estudos globais, vimos que é necessário haver intervenções como revisão de currículo, aprimoramento da avaliação dos alunos, criação de uma bonificação para professores e diretores (além de uma remuneração adequada), desenvolvimento de habilidades específicas para os educadores e aprimoramento das bases de dados, entre outras.
E é claro que não adianta criar um programa bem desenhado se não houver execução adequada. É preciso ter foco para colocar tudo isso em prática, passando pela capacitação e motivação dos professores, que exercem uma influência fundamental sobre o desempenho dos alunos e do sistema como um todo.
Estudos da McKinsey na área de educação mostram que, ao olharmos para outros sistemas educacionais ao redor do mundo, vemos que a transformação é possível. E não importa de que ponto estamos partindo, mudanças significativas podem acontecer mais rápido do que se imagina - em cinco anos ou até menos. Por isso, mais do que aumentar os gastos com educação, precisamos de gestão e capacitação para que nosso futuro seja outro.
*Nicola Calicchio e Marcus Frank são, respectivamente, sócio sênior e expert sênior na McKinsey & Company no Brasil
**Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico