Por Ana Karina Dias e Fernanda Mayol
Empregadores, educadores e jovens parecem viver em universos paralelos. A educação não prepara os jovens de forma adequada para o mercado de trabalho que, por sua vez, demanda dos novatos capacidades ainda não desenvolvidas.
Um cenário complexo - porém possível - de ser solucionado, ainda mais ao considerarmos o atual momento de transição, com a crescente onda de automação e a inevitável integração tecnológica. Para se adaptar à nova realidade e não ficar para trás no tabuleiro internacional, o Brasil precisará se reinventar, superando déficits educacionais e oferecendo aos jovens chances de boa colocação.
Se hoje o mercado de trabalho oferta novas posições, com funções e formatos diferentes das carreiras tradicionais, também exige outras habilidades de quem as ocupam. Apesar de o diagnóstico não ser novo, suas implicações surpreendem.
Haverá, cada vez mais, demanda de profissionais para ocuparem posições focadas em atividades que necessitam um alto grau de habilidades cognitivas, interação social e emocional como, por exemplo, gerenciamento de pessoas, comunicação ou raciocínio lógico. Também observamos a demanda por habilidades relacionadas às tecnologias digitais - como análise e mineração de dados, arquitetura web e desenvolvimento de softwares. E a oferta desses talentos é escassa.
Esse contexto de falta de qualificação não é uma exclusividade do Brasil, nem se limita aos conhecimentos técnicos ou especializações digitais. Em todo o mundo, empregadores relatam ter dificuldade de selecionar novos profissionais, que também apresentam lacunas em habilidades sociais, como comunicação, trabalho em equipe e pontualidade.
Na América Latina, estima-se que 40% a 50% dos empregadores não conseguem preencher cargos de entrada devido à falta de preparo dos candidatos. No Brasil, 68% dos empregadores encontram dificuldades semelhantes.
A situação, naturalmente delicada, ganha ares ainda mais dramáticos quando contraposta aos altos índices de desemprego entre jovens - no mundo todo, mais de 75 milhões de jovens se encontram nessa categoria. No Brasil, esse índice gira em torno de 25%, mais do que o dobro da taxa geral de desemprego. Isso sem contar os mais de 13 milhões de brasileiros que trabalham menos do que gostariam ou que desistiram de procurar emprego.
Pessoas em idade ativa que estão paradas representam um enorme potencial de produtividade desperdiçado. O resultado é a estagnação e a impossibilidade de ascensão social, o que impede uma boa parcela da população de melhorar suas condições de vida.
É um dos principais paradoxos da crise: ao mesmo tempo em que há níveis alarmantes de desemprego, especialmente entre jovens, aqueles que poderiam empregar não estão satisfeitos com os profissionais disponíveis.
Dos jovens brasileiros, 27% não trabalham e nem estudam - os chamados “nem-nem”. E entre os que estão trabalhando, mais de 50% não ocupam posições relacionadas à sua formação. Formação esta, aliás, muito aquém da média global - apenas 15% da população de 25 a 34 anos concluiu o ensino superior. E o problema, ainda, é bem anterior ao nível universitário.
O Brasil pontua muito abaixo dos países de alta renda da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Dos 72 países que participaram do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), ocupa a 63ª posição. Nele, 57% dos estudantes brasileiros de 15 anos tiveram desempenho abaixo do mínimo e cinco Estados - Alagoas, Bahia, Maranhão, Tocantins e Sergipe - pontuaram menos do que a Argélia, penúltimo país do ranking.
Estima-se que, ao final do ensino médio, 93% dos estudantes brasileiros não tenham aprendizado adequado em matemática. Indício de um grave problema, considerando sua importância para as profissões de hoje e do futuro que requerem habilidades analíticas cada vez mais afiadas.
A educação precisa estar mais alinhada com o mercado e com as habilidades que serão essenciais para o futuro do trabalho, como criatividade, capacidade de gestão e de resolução de problemas e “habilidades meta” - a capacidade de aprender rapidamente. As empresas não podem se eximir da responsabilidade de treinar e capacitar seus funcionários, sejam eles jovens que acabaram de iniciar sua trajetória ou antigos funcionários impactados pelas mudanças.
Inclusive, nesse momento de intensas transformações, a tecnologia pode ser uma poderosa aliada. Afinal, quanto melhor o relacionamento entre pessoas e tecnologia, melhor serão suas performances e as possibilidades de boa colocação - não somente em vagas de tech.
Plataformas digitais que fazem a ponte entre trabalhadores e empresas podem facilitar o sucesso desse elo, ao regularizar pessoas em situação informal, e aumentar a produtividade e a satisfação no trabalho. Em economias emergentes, como a brasileira, pode impactar 14% da população em idade ativa, e adicionar US$ 69 bilhões ao PIB.
A criação de agências de trabalho do futuro também é outra solução. O Brasil investe menos do que 11 países da OCDE em serviços de colocação - que chegam a dedicar uma proporção do orçamento dez vezes maior. A Alemanha, por exemplo, está desenvolvendo uma agência de trabalho totalmente digital com serviços completos de aconselhamento de carreira. Enquanto a Dinamarca já se prepara para as substituições que ocorrerão em sua força de trabalho.
É preciso que o Brasil acerte os passos e comece a caminhar em sintonia. Passado, presente e futuro unificados, com base no consenso de que é fundamental valorizar a educação brasileira. Só uma educação de qualidade pode colocar em perspectiva o desenvolvimento do país, reduzir a taxa de desemprego e o descompasso com o mercado. Assim, podemos garantir um futuro digno à população brasileira.
*Ana Karina Dias é sócia da McKinsey em São Paulo e lidera a prática de Organização na América Latina. Fernanda Mayol é sócia da McKinsey no Rio de Janeiro.
***Texto originalmente publicado no Valor Econômico.