Por Vicente Assis e William Jones
O desempenho econômico de um país pode ser medido de múltiplas formas, sendo a geração de emprego quase sempre um dos mais relevantes indicadores, por ser um dos principais objetivos de qualquer sociedade organizada. Em termos agregados, a geração de emprego é essencial para que uma economia atinja seu pleno potencial. O aumento da mão de obra induz ao crescimento econômico, mesmo quando o crescimento em produtividade está menor do que o desejável.
Com menos pessoas empregadas, além das tristes consequências imediatas para os desempregados e seus familiares, não apenas cai a produção de bens e serviços, como há menos dinheiro para consumir e poupar. Justamente por isso, um país que enfrenta uma redução de sua mão de obra empregada, a exemplo do Brasil, terá importantes desafios para equilibrar demandas econômicas e sociais nos próximos anos.
Mas a pura geração de emprego não é suficiente. A qualidade das vagas oferecidas está na essência do processo de desenvolvimento e do bem-estar social. É preciso não apenas elevar a produtividade em todos os setores, mas também a proporção de trabalhadores em empregos de alta produtividade. Assegurar a eliminação da informalidade do mercado de trabalho é outro ponto importante, ainda que possa elevar os custos para os empregadores. Ignorar a informalidade traz impactos relevantes, como as distorções produzidas pela concorrência desleal ou a existência de trabalhadores desprotegidos ou em condições análogas às da escravidão.
O Brasil apresenta um péssimo desempenho em seu mercado de trabalho. Entre agosto e outubro do ano passado, o número de desempregados no país chegou a 12 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o rendimento médio real da população caiu 1,3% em relação ao mesmo período do ano anterior: de 2.052 reais para 2.025 reais. A qualidade do emprego também vem caindo. Depois de quase uma década de crescimento em números absolutos, o Brasil fechou 531.765 vagas formais no primeiro semestre deste ano, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Um desempregado leva hoje, em média, oito meses para se recolocar no mercado.
Como se não bastasse, algumas projeções com credibilidade sugerem que os indicadores de emprego tendem a piorar antes de melhorar. Isso porque, historicamente, a reação do mercado de trabalho é posterior à melhora da atividade econômica. O quadro reflete a dinâmica perversa por meio da qual a crise econômica que provocou o corte de vagas acaba se agravando em decorrência do desemprego e da diminuição da renda dos trabalhadores. Além disso, durante os períodos de crise, as empresas são forçadas a aprender a operar com número menor de empregados. Mesmo com a retomada do nível de atividade, não se recuperam todos os empregos perdidos.
Mas não são só fatores conjunturais que impõem desafios para a geração de emprego de qualidade no Brasil e outros países. Há também questões estruturais, com destaque para a redução da participação da indústria na geração de empregos e o impacto da digitalização na atividade econômica.
A criação de vagas no setor industrial caiu em setembro pelo 20º mês consecutivo e tem hoje o pior patamar em 12 anos - mais de 1,4 milhão de vagas foram fechadas no primeiro trimestre de 2016, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Se por um lado isso pode ser interpretado como a evolução natural do estágio de desenvolvimento das economias, no caso brasileiro a ‘desindustrialização’ do emprego se deu mais rapidamente do que em outros países que passaram pelo mesmo processo e segue em ritmo acelerado. Além disso, resulta em uma participação do emprego industrial inferior ao de economias que servem como referência. Entender as causas do problema e propor medidas que possam desacelerar ou reverter essa tendência é importante não só pela qualidade do emprego industrial, como pela importância estratégica do setor para a economia como um todo.
Estudos realizados recentemente nos EUA, Europa e Brasil constatam que a digitalização pode contribuir de forma expressiva para acelerar o crescimento do PIB, e que um dos principais mecanismos pelos quais isso ocorre é o melhor funcionamento do mercado de trabalho. A digitalização permite trazer para a força de trabalho pessoas que, de outra forma, não o fariam. Também contribui para reduzir o tempo de busca por emprego e para alinhar o perfil de um trabalhador com as vagas disponíveis. Por outro lado, a digitalização traz também uma grande ameaça: o potencial de automação eleva significativamente o risco de perda de emprego. Mesmo que o impacto econômico final seja bom, a transição para as pessoas envolvidas certamente será difícil.
A recuperação dos níveis de emprego e a melhoria de sua qualidade no Brasil representam desafios agudos de política econômica. Um pré-requisito é a retomada do crescimento econômico, sem o qual não se abre espaço no curto prazo para a reposição de vagas perdidas, nem, em longo prazo, para a ampliação de vagas em atividades de alta produtividade. Mas outras medidas podem ser tomadas para melhorar o desempenho de uma economia - e não só a brasileira - na geração de empregos.
Dentre elas, pesquisa do McKinsey Global Institute destaca: iniciativas que contribuam para adequar as capacitações dos trabalhadores às necessidades de uma economia em evolução (como a ‘educação para o emprego’, a exemplo da Aliança Europeia para Aprendizagem, adotada pelos países do continente com o objetivo de garantir o êxito dos programas de aprendizagem e melhorar a qualidade e a oferta de estágios); políticas que aumentem a competitividade para elevar a participação em mercados globais (como investimentos em infraestrutura); ações que desacelerem/revertam a queda na participação do setor industrial e a remoção de obstáculos ao empreendedorismo (como a burocracia que atravanca a abertura de empresas).
*Vicente Assis é presidente da McKinsey no Brasil. William Jones é especialista sênior em Estratégias e Finanças Corporativas da McKinsey.
**Texto originalmente publicado pelo jornal Valor Econômico