Por Nicola Calicchio e Yran Dias
A maior companhia de transporte do mundo não tem veículos nem emprega motoristas. A maior empresa de hospedagem do planeta não é dona de um imóvel sequer. Nenhuma delas existia 10 anos atrás. A realidade que vivemos hoje se assemelha ao que há pouco tempo era ficção. Apenas a revolução industrial do fim do século XVIII é comparável em alcance, amplitude, rapidez e profundidade nas transformações que promoveu nas relações entre pessoas, empresas e na forma como lidamos com o mundo a nossa volta.
O momento atual, cada vez mais conhecido como a ‘4ª revolução industrial’, traz desafios e oportunidades com potencial para definir o destino e o futuro a longo prazo de indústrias e, no limite, de nações. Não por acaso, foi por ser berço da primeira revolução industrial que a Inglaterra se tornou principal potência mundial e se manteve hegemônica por quase 150 anos.
O catalizador das mudanças que hoje testemunhamos não é mais o motor a vapor, ou o tear mecânico, mas a combinação de tecnologia digital, Big Data e o conceito de ‘mobile’. Hoje, 48% da população mundial tem acesso à internet, à ‘nuvem’, sendo que o número de linhas celulares no mundo já é maior que a população total do planeta. Além disso, a cada dois dias, cria-se mais conteúdo e dados do que em todo o intervalo entre o ano 1100 e 2003. A evolução no poder de processamento disponível permite, cada vez mais, que grandes volumes de dados sejam analisados rapidamente e a custo gradualmente menor – o que se costuma chamar genericamente de ‘advanced analytics’. O número de oportunidades de aplicação que esse conceito proporciona apenas começa a ser explorado – especialmente neste momento em que conexões diretas entre máquinas multiplicam ainda mais as possibilidades de uso.
Uber e AirBnB, os exemplos do início deste artigo, demonstram a força dessa combinação e a profundidade das transformações ainda em curso. Independentemente da resistência de grandes cadeias hoteleiras e de operadoras de táxi, que veem em risco a existência de seu próprio modelo de negócios, sistemas de economia compartilhada e baseados em Big Data serão cada vez mais o padrão. Em poucos anos, a internet móvel deve adicionar, sozinha, US$ 11 trilhões à economia mundial. Em conjunto, as principais tecnologias disruptivas têm potencial para aumentar os fluxos econômicos globais em até US$ 30 trilhões.
O mesmo tipo de transformação afeta, e afetará cada vez mais, os próprios governos locais, regionais e nacionais – seja na oferta de serviços, seja no controle de suas atividades pelos cidadãos.
O setor de serviços é o que há de mais visível na transformação trazida por essa nova revolução. Ela está nas ruas, no momento que viajamos. Seus efeitos, porém, também atingem linhas de produção, cadeias de suprimento e fluxos de trabalho.
A utilização em massa de sensores e a devida análise dos dados que geram, permitem a mineradoras otimizar o processo de extração de metais do solo. Assim, essas companhias evitam perdas no processo industrial, que são caras e afetam diretamente seu resultado financeiro.
A tecnologia mobile, aliada à análise rápida de dados, permite a criação de equipamentos de realidade aumentada, como o Google Glass. Para a indústria, esses aparelhos são muito mais do que algo que ajuda o usuário a saber onde está usando mapas e qual a qualidade do restaurante onde está acessando opiniões de outras pessoas. Numa empresa de entregas expressas, funcionários de áreas de trânsito de pacotes usam essa tecnologia para encontrar rapidamente os itens que procuram e encaminha-los para o destino correto. Isso torna todo o fluxo de trabalho mais rápido e eficiente ao mesmo tempo que reduz erros de processamento – e os custos associados e eles.
A própria natureza das relações de trabalho vem se transformando. Não é mais imprescindível ter mão de obra própria para oferecer seus serviços ou produtos principais e inteiras organizações têm se formado a partir dessa verdade. É o caso de serviços como o Uber, e de companhias de entregas rápidas, que conectam pessoas que tenham pacotes e cartas a serem enviados com pessoas comuns que aceitam utilizar seus próprios veículos para realizar a entrega, seja no caminho de seu trabalho ‘tradicional’, seja como sua principal ocupação.
Com a maior automação, permitida pelo barateamento de equipamentos mais ‘inteligentes’ e ‘independentes’, que podem conversar entre si por meio da ‘internet das coisas’, muitas funções em diversas indústrias têm sido cada vez mais automatizadas. O desafio será readequar o ensino e a capacitação das pessoas para prepara-las para um mercado de trabalho que necessita de habilidades e conhecimento muito diferentes daqueles que até então eram considerados mais valiosos.
O esforço terá de ser patrocinado por nações e seus governos, mas apenas com o envolvimento da sociedade civil e entidades privadas é que será bem-sucedido. No limite, essa postura não passa de autopreservação para as companhias. Sem sua participação, a oferta de talentos para gerenciar suas atividades diminuirá e, em paralelo, a dificuldade em capacitar trabalhadores, apenas contribuirá para elevar o desemprego e afetar seus resultados.
Ainda é cedo para sabermos com absoluta segurança onde chegaremos. Como na primeira revolução industrial, as transformações em curso alimentam outras mais, antes impensáveis, num processo de anos. A certeza é que vivemos uma das mais profundas reorganizações nas relações humanas da história e que o futuro será muito diferente do que o presente.
*Nicola Calicchio é presidente da McKinsey para a América Latina e Yran Dias é sócio-diretor da prática de Digital da McKinsey em São Paulo