Nicola Calicchio e Natália Camargo
O protecionismo e o nacionalismo, exacerbados com a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA e a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia lançou mais lenha à fogueira que é a discussão sobre imigração. É inegável que os movimentos migratórios alteram o status quo, especialmente no país de destino – normalmente uma nação desenvolvida. Mas, ao contrário do que senso comum nos leva a pensar, o impacto dessas mudanças é majoritariamente positivo, especialmente quando ocorre uma integração holística entre imigrantes e sociedade local.
Mais de 90% dos 247 milhões de imigrantes internacionais deixa seu país de origem voluntariamente, em busca de oportunidades para alcançar melhor qualidade de vida. E foi exatamente atrás de melhores condições que muitos imigrantes chegaram ao Brasil no início dos anos 2000. Na época, o País era visto como uma grande promessa para o futuro – sentimento que foi traduzido em imagem em uma capa da revista britânica “The Economist”, em 2009. O Brasil, diziam entendidos, estava no caminho para se tornar a quinta maior economia do mundo em 2025. Isso convenceu muita gente a escolher o País como sua nova casa.
O sonho não durou muito e o desenrolar da grave crise político-econômica que o País ainda atravessa reverteu o cenário – e o fluxo de imigrantes. Cresce, constantemente, o número de pessoas que deixa o País em busca de oportunidades em outros lugares. A própria McKinsey sentiu os efeitos dessa mudança. Em 2011, 18 consultores se transferiram de outros escritórios para o Brasil e dois deixaram o País. No ano passado, apenas dois se mudaram para cá, enquanto 24 se transferiram para fora.
O impacto da crise é apenas um dos fatores que impulsiona brasileiros a buscar outro lar. A questão social, antes minimizada pelo crescimento econômico, volta a ser muito relevante nessa escolha. Um dos 24 talentos que a McKinsey perdeu no Brasil em 2016 se encaixa nesse perfil. Sua decisão de deixar um futuro promissor para mudar, com sua mulher e filha, para outro continente foi baseada na busca por um ambiente mais seguro, numa sociedade mais consciente e cidadã.
O maior prejudicado é o próprio Brasil, que perde profissionais capacitados e empregos gerados por seus empreendimentos. Que pede todos os frutos que poderia colher com o sucesso de pessoas que escolhem deixa-lo. Frutos, esses, que poderiam ajudar a impulsionar a retomada econômica do país.
O êxodo de talentos não é apenas o único prejuízo para o Brasil. A falta de atratividade é um problema tão grande quanto, talvez maior, os baixos níveis de retenção. Fato é que, do quase um quarto de bilhão de migrantes no mundo, 35% são profissionais de alto nível. São talentos que vão gerar valor em algum outro lugar.
O potencial impacto positivo do fluxo migratório no desenvolvimento de um país fica evidente quando se olha para os Estados Unidos. Cerca de 50% das startups americanas com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão tem, pelo menos, um fundador imigrante. Essa é a dimensão da contribuição que imigrantes podem ter como geradores de serviços, produtos, inovação e de empregos em um país.
Essa contribuição não se restringe à geração de valor no curto prazo. Do total de 78 Prêmios Nobel recebidos por americanos nas áreas de Física, Química e medicina desde 2000, 31 (40%) foram dados a imigrantes. Todos os prêmios de 2016 das áreas de economia e ciências foram para imigrantes. Esses resultados representam mais do que grandes conquistas pessoais para os premiados. Atestam a qualidade do ambiente construído pelos Estados Unidos para fomentar pesquisa e inovação. O ganho com o trabalho desses profissionais não fica restrito às universidades e seus respectivos centros de pesquisas, mas contribui para o país como um todo. O que o mantém na vanguarda do desenvolvimento e o cristaliza sua posição de grande potência em inovação e tecnologia.
A discussão sobre migração não se restringe apenas a movimentos geográficos. Os mesmos padrões estão presentes no processo de mudança de emprego entre diferentes indústrias. Levantamento feito a partir de dados do Linked In mostra que o fluxo de indivíduos saindo de empresas de bens de consumo para plataformas de tecnologia é centenas de vezes maior que na direção contrária. No período da pesquisa, em 2015, mais de 300 profissionais deixaram uma das líderes globais de bens de consumo para trabalhar numa das principais varejistas online do mundo. No sentido contrário, houve apenas um movimento.
A razão é simples, as empresas de tecnologia concentram as grandes inovações da atualidade e os melhores índices de crescimento dos últimos anos. As empresas de bens de consumo revolucionaram o modo de vida das pessoas ao desenvolverem uma série de produtos no passado. Hoje, porém, o crescimento se concentra em plataformas de tecnologia.
Os objetivos por trás da migração, assim com seus impactos, são sempre os mesmos, independentemente do tipo – seja uma mudança entre países ou de uma empresa para outra em setores diferentes. Essa iniciativa sempre deriva da busca das pessoas por melhores oportunidades e trazem enormes benefícios econômicos e sociais para o destino do migrante.
A atração e retenção de talentos é imprescindível quando se busca crescimento, seja como país ou como organização. Criar e manter um ambiente que proporcione oportunidades é crucial. Sem isso, não é possível colher os frutos das jornadas de sucesso das mentes mais brilhantes. Esse é o desafio para o Brasil, caso queira deixar de ser apenas um exportador de talentos.
*Nicola Calicchio é presidente da McKinsey para a América Latina e Natália Camargo é consultora do escritório de São Paulo
**Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico