Por Vicente Assis, Bjorn Hagemann e Bernardo Ferreira
A indústria automobilística brasileira sempre foi um grande trunfo da economia nacional. Tanto a venda de automóveis leves como a venda de caminhões no país foram a 4º maior do mundo em 2013. Mas esse cenário já faz parte do passado. Comparando as vendas de 2013 com a expectativa de vendas para 2016, deve ocorrer uma queda de 45% em automóveis leves e de 67% em caminhões. O que parecia ser uma história de sucesso vive, hoje, um período de derrocada.
A economia foi um fator importante para a crise atual uma vez que o PIB deve encolher mais de 3% pelo segundo ano consecutivo. O volume de financiamento de veículos vem contraindo enquanto o custo do financiamento aumentou em linha com a taxa básica de juros, que subiu de 8-10% em 2013 para mais de 14% em 2016. Além disso, a taxa de desemprego disparou de 7% para mais de 11% nesse mesmo período.
Após o mercado automotivo crescer ininterruptamente nas décadas de 1960 e 1970, a primeira crise ocorreu em 1982 e 1983, quando o mercado automotivo caiu 46% do seu pico e ficou estagnado por 10 anos. A segunda crise foi entre 2000 e 2001, com uma queda de 35% do mercado e subsequente estagnação de 3 anos. Após um novo período de 10 anos de crescimento, estamos na terceira crise, que já dura 4 anos e que cuja retração esperada é de 45%. Apesar de uma provável melhora nos próximos dois anos, a indústria precisará de uma nova década de crescimento da economia para voltar aos patamares de vendas que vimos em 2013.
Soma-se a isso a atração de investimentos com base em premissas equivocadas que ocorreram nos últimos anos: expectativa de que o mercado local iria crescer indefinidamente e que o país comportaria uma indústria de 5MM de carros por ano. Com incentivos governamentais, a consequência foi a intensa instalação de fábricas de automóveis no Brasil nos últimos anos: saltou de 53 em 2011, para 65 em 2015. A capacidade instalada é tão superior a demanda (a utilização da capacidade em 2016 será abaixo de 50%) que seria necessário um inimaginável crescimento do mercado de 10% ao ano nos próximos cinco anos a fim de voltarmos a utilizar 80% da capacidade total.
A produção de automóveis no Brasil também não é competitiva no contexto internacional. As montadoras, por exemplo, preferem exportar carros para os outros países da América do Sul a partir de outras regiões produtoras, como Ásia, México ou até mesmo da Europa. O Peru, nosso vizinho, importou 70% da Ásia e apenas 2% do Brasil em 2014. A razão mais importante para a falta de exportação do Brasil é o custo elevado de se produzir um carro no país. O custo de produção do mesmo carro é 7-10% maior no Brasil do que nos Estados Unidos – que é mais caro que na Ásia. Para reverter este cenário, precisamos significativamente reduzir os custos dos veículos produzidos no Brasil.
No Brasil ainda não há a cultura de formação de polos industriais de excelência. A indústria fornecedora de autopeças local está focada principalmente em produtos com baixo valor agregado: vivem apertados entre os preços de matérias-primas, produtividade baixa e custos cada vez maiores. Como consequência, a saúde deste setor é baixa, tornando-se um problema para a indústria inteira: a crise aguda força diversos fornecedores a fecharem suas portas, deixando seus clientes sem uma fonte local de fornecimento. Apenas algumas montadoras entenderam esse problema e construíram uma base de fornecedores saudável que suporta preços baixos através de custos baixos – outras montadoras trabalharam focadas apenas no curto prazo por meio de pressão constante para preços baixos até o ponto em que os fornecedores não têm mais capacidade de continuar seus negócios.
Precisamos, também, urgentemente aumentar a produtividade da indústria automobilística brasileira, uma das mais baixas em nível mundial. Um operário no Brasil produz em média 33 veículos por ano, enquanto os chineses produzem 54 e os americanos atingem 55 carros. Para termos ideia da defasagem da produtividade nacional, nos últimos 20 anos a China, em todas as indústrias, aumentou sua produtividade em mais de 8% ao ano, enquanto o Brasil melhorou míseros 1,2%. O aumento da produtividade é a chave para aumentar a competitividade nacional e internacional. Falta ainda, um sistema de educação eficiente, dedicado à profissionalização de cargos técnicos. Muitas empresas até criaram suas próprias soluções, mas isso só funciona para as grandes companhias.
Outro entrave é a alta taxa de imposto no valor final do veículo: 30% dos preços de venda do carro está direta ou indiretamente atrelado aos impostos. Nos Estados Unidos, o peso do imposto no valor final do carro corresponde a 6% e na Alemanha, 19%.
Players da indústria automotiva nacional e governo precisam aceitar que os tempos mudaram e, em comparação com o passado, o mercado não irá retornar para alto índice de utilização nos próximos anos. Se a indústria não repensar completamente seu modelo de negócio no país, o Brasil seguirá com grandes dificuldades em transformar esse setor em plataforma de exportação e estimular demanda doméstica.
Hoje o setor automotivo é responsável por 5% do PIB nacional, sendo sem dúvida a mais importante indústria de alto valor agregado. Pode ser tarde demais para criar fortes montadoras brasileiras, mas definitivamente não é tarde demais para posicionar o Brasil novamente como um dos centros principais da indústria automotiva global.
*Vicente Assis é presidente da McKinsey no Brasil, Bjorn Hagemann é sócio da McKinsey, Bernardo Ferreira é expert de indústrias avançadas da McKinsey