Por Heitor Martins e Yran Dias
O Vale do Silício mantém sua posição de centro nervoso da inovação. Do navegador de internet até Big Data, da Alphabet até a Zynga, várias coisas que usamos em casa ou no trabalho hoje tem suas raízes no Vale. Empreendedores de todo o mundo interessados em aproveitar essa ginga inovadora transformaram o Vale do Silício num destino quente para executivos em busca de aprendizado e inspiração. Mas, apesar de todos os inegáveis benefícios dessa fertilização cruzada, nossas conversas com executivos sobre o que eles aprenderam durante suas peregrinações revelam uma tendência a se focar nos elementos mais superficiais do Vale em vez de nas raízes que levaram a seu sucesso. É claro, “velocidade” e “ousadia” são importantes, mas o que existe na cultura dessas companhias que as levam a cultivar isso? Sem esse nível de clareza, grandes companhias continuarão a ter dificuldade em replicar o sucesso das empresas do Vale. Por isso, decidimos investigar um pouco mais e antecipar esta reflexão aqui, antes de debatermos o tema com mais de +500 clientes, dos quais mais de 100 CEOs, em nossa Conferência Digital em outubro em São Paulo.
Ao longo de uma semana, conhecemos mais de 50 pessoas, entre acadêmicos, empreendedores, programadores de incubadoras e gigantes como Google e Facebook. Sentados com pequenos grupos de jovens de 20 e poucos anos ou num círculo de profissionais no imaculado campus de Mountain View, ficamos fascinados com o trabalho que vem sendo feito e pelos preceitos culturais e operacionais que motivam e energizam esses times.
Ousadia por si só é commodity barata. O mundo está cheio de ideias fantasiosas. O que se sobressaiu, para nós, foi a determinação diária de ver algo ter sucesso apesar do quase constante risco de falha. Percebemos que agentes do Vale em todos os níveis ficam muito mais confortáveis em meio à bagunça da experimentação e muito mais equilibrados em relação ao insucesso do que os de outros lugares que visitamos. A mágica, para eles, tem menos a ver com o momento da ideia original do que com o compromisso com o trabalho árduo, de tentar resolver várias vezes o mesmo problema.
Os líderes do Vale, que estão agitando o mercado, combinam visão pragmática à tenacidade e à habilidade de construir uma organização que atraia outras mentes brilhantes. Ainda assim, essas companhias inovadoras operam numa verdadeira meritocracia. Elas cortejam talentos que não apenas têm grande inteligência e experiência, mas que também tragam coragem em suas convicções para lutar por fazer uma diferença significativa. Inovação – do tipo que cria mercados – sempre vai contra a corrente. Inovação no sentido de criar soluções / produtos que atendem necessidades e desejos que, na melhor das hipóteses, nem mesmo sabíamos que tínhamos.
As empresas com cultura mais forte baseada na liderança dos fundadores reconhecem, espertamente, o que realmente motiva seu time. Empregados movidos pela missão naturalmente esperam pacote de remuneração e benefícios competitivo, mas muito da motivação está na oportunidade de desempenhar um papel relevante no crescimento da companhia, na elaboração dos caminhos para a inovação, e no desenvolvimento de suas próprias habilidades de liderança. Quanto mais autonomia os empregados têm para ser criativos e tomar decisões, mais motivos terão para se manter na companhia e contribuir.
O Vale do Silício inverte a matemática simples da velha economia: quanto mais produtos vendidos, mais dinheiro. Lá, eles abraçam a economia sem restrição à plataforma: a nova moeda de troca passa a ser oferecer aos usuários uma forma de se conectar e interagir. O que torna tão poderosa essa moeda é que, diferentemente de uma unidade estática, o valor de uma plataforma é definido pelos usuários que a povoam e usam, pela sua capacidade de se transformar e adaptar às necessidades das pessoas e continuamente apresentar serviços e inovações.
O digital acelerou o ciclo de praticamente tudo, desde o desenvolvimento do produto até a adoção pelos consumidores. Embora as organizações se concentrem, acertadamente, na necessidade de velocidade, essa corrida tem de ser direcionada. Do contrário, velocidade por si só pode levar empresas rapidamente para a direção errada.
O conceito “design focado no usuário”, neste contexto, vem se tornando cada vez mais popular. As companhias do Vale do Silício vivem e respiram esse conceito de uma forma que muitos executivos seniores não conseguem imaginar. Cada nível da empresa, do CEO até o programador e os times transversais, está condicionado a procurar problemas pela ótica do usuário e encontrar que tipo de processos e passos poderiam criar uma experiência mais suave, rica e diferente. Eles são obcecados pelo cliente.
Na curva acelerada de aprendizado do Vale, empresas de venture capital inovaram tanto quanto as startups. Evoluíram para operar como um braço de financiamento e como um conselho de administração substituto para suprir empreendedores com tudo o que precisam. Para maximizar os retornos, as empresas de venture capital estão eliminando o risco de externalidades que podem ser controladas e dando às startups o combustível para florescerem sem restrições. Esses “playgrounds” de negócio permitem que empreendedores se soltem e comecem a inovar antes que suas ideias percam o vigor ou sejam eclipsadas pelas de outros.
Grandes companhias procurando por novos talentos e capacidades há muito tempo buscam aquisições para chegar neles rapidamente. Comprar o que parece ser uma ótima oportunidade pode ser tentador quando se visita o Vale do Silício. Mas, apesar de todo o talento, é o timing que realmente conta. A hora de agir não é necessariamente nos estágios iniciais quanto as startups são pequenas e precisam de liberdade, nem muito para a frente, quando já estabeleceram uma reputação e massa crítica, mas no meio do caminho, quando a startup já provou seu conceito e está pronta para ganhar escala. Errar no timing torna difícil entrar no jogo.
*Heitor Martins e Yran Dias são sócios seniores da McKinsey, líderes da prática de Digital para América Latina.