“No fim das contas, a vida não tem muito a oferecer além da juventude.” A frase, uma das mais famosas do escritor americano F. Scott Fitzgerald, de o Grande Gatsby, de 1925, é uma epítome da primeira geração que idealizou os jovens como modelo de vida — e como público-alvo das grandes empresas. De lá para cá, mesmo com o aumento da expectativa de vida, a atração pelos jovens só cresceu. Até que, com a chegada da geração Y, ou millennials (os nascidos de 1980 a 1995), virou uma obsessão.
Os departamentos de marketing e de recursos humanos gastam fortunas para descobrir o melhor jeito de se comunicar, contratar e, sobretudo, vender para a faixa etária mais influente e inspiradora da história. A pesquisa “marketing para os millennials” (em inglês) tem quase 30 milhões de resultados no Google. A Harvard Business Review, principal publicação sobre gestão de negócios do mundo, tem 2 000 artigos, estudos ou livros sobre essa geração.
Os millennials são de fato fascinantes: estão sempre conectados, são questionadores, priorizam a experiência em detrimento da posse, são embaixadores da sustentabilidade. Mas os jovens de hoje são os velhos de amanhã. E, em dezembro de 2017, os millennials, lamentamos informar, são coisa do passado. Eles continuarão por aí por décadas e décadas. Gastarão cada vez mais, terão filhos, netos, bisnetos. Mas quem vai ditar a forma como as empresas atuam, e como a roda do consumo gira, na próxima década será a geração Z, a que nasceu de 1995 a 2010 — e tem, portanto, de 7 a 22 anos de idade.
Os Zs são cerca de 26% da população mundial e, só nos Estados Unidos, respondem por 830 bilhões de dólares em gastos por ano, de acordo com uma pesquisa da consultoria Fung Global Retail & Technology. No Brasil, somam 30 milhões de pessoas. Eles estão afetando as empresas não só pelo poder de compra, mas principalmente pela influência que exercem. “A sociedade valoriza cada vez mais a juventude sobre a sabedoria. Os pais dessa geração estão mais próximos e se identificam mais com os filhos do que as gerações anteriores. Os Zs, portanto, já nascem com um poder de influência enorme”, diz a americana Kit Yarrow, psicóloga especialista em consumo e autora de livros como “Geração compra: como os jovens estão revolucionando o varejo” (numa tradução livre, sem versão para o português).
Para entender o que os Zs — como os jovens brasileiros da foto de abertura desta reportagem — querem e que impactos eles trarão para a economia do Brasil e do mundo, as consultorias McKinsey, especializada em gestão, e Box1824, focada em análise de tendências jovens, destrincharam o comportamento dessa faixa etária no país numa ampla pesquisa. Entre junho e outubro deste ano, foram realizadas 120 entrevistas qualitativas com jovens de 14 a 22 anos e grupos de análise com outros 90.
Os pesquisadores também fizeram 2.300 entrevistas quantitativas com pessoas das gerações baby boomer, X, millennial e Z para entender a diferença entre elas nos padrões de consumo. “Os jovens da geração Z são mais realistas e pragmáticos do que os millennials. Eles também não podem ser definidos por rótulos, são mais tolerantes e abertos ao diálogo e levam as coisas com mais humor e leveza, já que não sentem carregar nas costas o peso de mudar o mundo”, diz Tracy Francis, sócia responsável pelos setores de bens de consumo e de varejo da McKinsey na América Latina e uma das responsáveis pelo estudo.
Cada geração tem suas peculiaridades, e é normal que uma quebre estereótipos da imediatamente anterior. Os baby boomers, nascidos de 1940 a 1959, tiveram sua forma de pensar moldada no período do pós-Segunda Grande Guerra. São idealistas, revolucionários e coletivos, e isso reflete num consumo mais ideológico. A geração X (de 1960 a 1979) foi influenciada pela hegemonia do capitalismo e pela meritocracia e, em geral, seus membros são materialistas, individualistas e competitivos — marcas de luxo tornaram-se um símbolo do momento vivido.
Os millennials (de 1980 a 1995) romperam boa parte desse padrão. Não têm interesse em marcas ou posses, mas em experiências e facilidades. Os Zs são a primeira geração nascida dentro de um mundo online e móvel e retomam um engajamento social de gerações anteriores. “Todos antes dos millennials, inclusive eles, são adaptados ao mundo digital. Os Zs nasceram com tudo a um clique e não veem muito sentido nas barreiras entre online e offline”, diz Rony Rodrigues, presidente da Box1824.
Essa intimidade com smartphones aparece na rede social favorita dos Zs, o Snapchat. O Facebook foi criado para ser usado no computador. O Instagram nasceu com fotos estáticas. O Snapchat surgiu com vídeos instantâneos e com prazo de validade, nublando como nunca as fronteiras entre o mundo físico e o mundo real. Você pode nunca ter usado o Snapchat e achar que é coisa de garotos, mas muita gente pensou a mesma coisa sobre o Facebook há alguns anos. Para tentar não se tornar obsoleto, o Facebook copiou alguns recursos do concorrente.
Portanto, é bom se acostumar: a hiper-realidade veio para ficar. Lojas físicas e online não fazem mais sentido, assim como filmes, livros, revistas e propagandas limitados a uma plataforma — tudo estará o tempo todo em todo lugar. A relação entre clientes e empresas está deixando de ser de apenas uma via — a empresa vende e o consumidor compra — e passando a ser multidirecional. Uma pessoa pode ser consumidora, em outros momentos colaboradora e até concorrente. A prova de que a era do compartilhamento chegou, e não somente para fazer uma renda extra, é que 64% das pessoas da classe A dizem que cederiam uma roupa própria para ser alugada em alguma plataforma online, enquanto 42% dos integrantes da classe C o fariam.
Os Zs chegaram há pouco ao mercado de consumo, mas já existe um punhado de empresas que, sob muitos aspectos, se anteciparam à tendência. O desapego à posse explica o sucesso de Uber, Netflix e Spotify. Para quem nasceu em outros tempos, o jeito é se adaptar. A centenária BMW lançou em 2011 na Alemanha o DriveNow, um serviço de compartilhamento de carros em que o usuário pode alugar o veículo pagando por minuto. Hoje, o DriveNow tem 6 000 carros em 13 cidades de nove países europeus e, em outubro, passou de 1 milhão de clientes. Uma iniciativa parecida começou em 2016 na América do Norte. Se antes a lógica era vender 1 000 carros diferentes, agora é vender 1 000 vezes o mesmo carro. “As relações de consumo vão mudar, e não sabemos o que vai acontecer. Sai na frente quem começa a experimentar desde cedo, porque terá um repertório maior para agir diante da mudança”, diz Fernanda Hoefel, sócia da McKinsey.
A geração X, que entrou para a história como a geração Coca-Cola, adorava marcas e sonhava em fazer carreira em grandes multinacionais e bancos de investimento. Os Ys, como resposta, detestam marcas e também não querem saber de fazer carreira. Cultuam as startups. Os Zs dão um passo atrás. Não veem problema em gostar de marcas ou em fazer carreira, desde que os produtos e as empresas sejam condizentes com sua visão de mundo. E têm de ser condizentes mesmo. Ou seja: não cola mais colocar um rótulo verde num produto que degrada o meio ambiente ou instalar uma mesa de pingue-pongue no mesmo escritório de sempre. A fabricante de roupas americana Patagonia, que conserta de graça a roupa de seus clientes em vez de vender uma nova, é um símbolo para essa geração. “O que eles querem, quando consomem, é poder confiar nas empresas”, diz a psicóloga Kit Yarrow. “O propósito não pode ser apenas uma tática, tem de fazer parte da estratégia de longo prazo e deve estar alinhado com os valores internos da empresa.”
Nunca foi tão fácil descobrir quando uma ação de marketing não encontra correspondência da porta para dentro do escritório ou da fábrica. “É importante que as empresas percebam que simplesmente não é mais socialmente aceitável objetificar mulheres ou ser preconceituoso, e é importante que as propagandas reflitam o seu tempo”, diz Lorena Olaf Furter, de 20 anos, um dos entrevistados da pesquisa.
Foi essa demanda que levou a Skol, marca de cerveja da Ambev, a reinventar sua comunicação. “A categoria como um todo era muito machista, mas veio evoluindo junto com a sociedade”, diz Maria Fernanda Albuquerque, diretora de marketing da Skol. O primeiro comercial com um beijo homossexual foi ao ar no início de 2015, mas ele durava menos de 1 segundo. A marca assumiu publicamente o posicionamento quando patrocinou a Parada LGBT de São Paulo em 2016. “Não é uma forma de esconder o passado, mas uma maneira de encará-lo e dizer que mudamos”, diz Maria Fernanda. Quase 60% dos consumidores entrevistados de todas as gerações afirmam não ter problema de voltar a comprar uma marca que assume seus erros e age para corrigi-los.
Recentemente, a Coca-Cola enfrentou uma polêmica por uma suposta falta de coerência. Em uma ação interna no Dia Internacional do Orgulho LGBT, a empresa distribuiu aos funcionários latas do refrigerante contendo Fanta e com a inscrição “É Fanta mesmo, e daí?”, em um trocadilho com a frase “Essa Coca é Fanta”, por vezes usada para se referir a homossexuais. Dias depois, uma foto do comitê da empresa que ajudou a pensar a iniciativa foi divulgada internamente, mas caiu nas redes sociais e a reação foi diferente da esperada. Como a foto só tinha homens brancos, a Coca passou a ser questionada pela falta de diversidade.
O grupo, no entanto, é apenas um dos comitês voluntários da Coca-Cola voltados para a diversidade. Ainda assim, a falha custou caro para a marca. “Aprendemos com esse processo que não existem mais uma campanha interna e outra externa. Essa geração traz um olhar mais verdadeiro sobre as coisas. Não importa só o produto, mas também o que está por trás dele”, diz Vanessa Stocco, gerente de talentos e desenvolvimento da Coca-Cola Brasil. A fabricante de cosméticos Avon vai pelo mesmo caminho. “Lançamos as campanhas primeiro internamente, replicamos o tema em nossa rede de diversidade e procuramos fazer testes com grupos para saber se a mensagem foi passada da maneira mais clara possível”, diz Hélio Muniz, diretor de comunicação da Avon.
Dentro dessa lógica, nada mais verdadeiro do que uma pessoa que você já conhece falando pelas marcas. De acordo com uma pesquisa da Barkley, agência americana de publicidade especializada em jovens, 77% dos Zs gostam mais de ver pessoas comuns do que atores em campanhas publicitárias. Ciente de que essa é uma tendência, a fabricante de artigos esportivos Adidas mudou a forma como faz publicidade. “Procuramos pessoas que tenham um real engajamento com seu público e conosco, não importa o tamanho de sua rede de alcance”, diz Paulo Ziliotto, diretor de conteúdo da Adidas no Brasil. No início de novembro, a Adidas lançou no país um modelo de tênis especial para corridas em parceria com o preparador físico Marcos Paulo Reis.
Há poucos anos, a tendência era procurar grandes influenciadores que levassem a imagem da marca para milhões de seguidores. Reis, no entanto, tem pouco mais de 10.000 seguidores no Instagram e pouco mais de 20 000 no Facebook. Ele é o que se chama de microinfluenciador, a nova moda do marketing digital, que surgiu da demanda dos Zs — e agora de toda a sociedade — por autenticidade e proximidade. “Eu me interesso por pessoas com as quais tenho algum contato ou de quem gostaria de ser amiga”, diz Luiza Yoshida, de 16 anos, uma das entrevistadas pelos pesquisadores. Se o responsável pelo marketing de uma grande empresa tinha de lidar com cinco influenciadores até pouco tempo atrás, agora a lista contém 500. “Estamos em um momento de rompimento, e a vida está ficando cada vez mais difícil para as empresas”, diz Fernanda Hoefel, da McKinsey. Afinal, os Zs mostram que não estão aí para facilitar.
*Artigo originalmente publicado pela revista EXAME