Por Nicola Calicchio
Os robôs estão chegando a áreas que se considerava muito humanas, como a indústria criativa. Na música, serviços como Amper ou Jukedeck compõem música com inteligência artificial, oferecendo músicas de alta qualidade e baixo custo para produtores de podcasts e vídeos.
No cinema, um algoritmo leu dezenas de roteiros de filmes, de Jurassic Park a Matrix. Ele aprendeu o formato e escreveu o roteiro (com instruções de atuação e tudo) de um curta: Sunspring, que estreou em 2016 no festival de cinema Sci-Fi-London, no Reino Unido, e está disponível na internet. “O resultado é uma história maluca e estranha de amor e desespero”, disse o The Guardian.
Um robô feito pelo Google andou até escrevendo poesia. Eis uma versão traduzida:
Não há mais ninguém no mundo
Não há mais ninguém à vista
Eles eram os únicos que importavam
Eles eram os únicos que restavam
Ele tinha que estar comigo
Ela tinha que estar com ele
Eu tive que fazer isso
Eu queria matá-lo
Eu comecei a chorar
Eu me virei para ele
Não chega a ser um clássico, mas autores humanos já escreveram coisas menos compreensíveis.
Na moda, a Amazon está prestes a criar o primeiro designer baseado em inteligência artificial, um algoritmo que desenha roupas analisando imagens a partir de estilos populares, produzindo designs completamente novos.
Nós estamos assistindo a emergência de uma quarta revolução industrial, quando a tecnologia se integra a tudo que vemos. Isso terá impactos enormes nas sociedades, governos e empresas.
A China anunciou recentemente seus planos de investir US$ 150 bilhões para construir uma indústria líder mundial em inteligência artificial até 2030. Empresas estão utilizando o machine learning para, por exemplo, aprimorar algoritmos de detecção de fraude ou aprimorar a manutenção preditiva na mineração.
Um supermercado online do Reino Unido chamado Ocado trouxe a inteligência artificial ao centro das suas operações. No armazém, os algoritmos organizam os pedidos da maneira mais eficiente, por meio de um labirinto de correias transportadoras. Após isso, outros robôs levam as compras até os veículos de entrega, guiados por uma IA que escolhe a melhor rota com base no clima e nas condições de tráfego.
O interessante será ver o progresso da “inteligência artificial geral”, ou seja, sistemas que consigam superar humanos não apenas em um problema, como vencer em jogos específicos, mas numa gama ampla de disputas. Muitos pesquisadores de ponta dizem que estamos a pelo menos dez anos disso. Será revolucionário, porém, quando a inteligência artificial abraçar a “aprendizagem de transferência”, que é a capacidade de aprender e desenvolver inteligência em uma arena a aplicá-la com sucesso em outra, muito diferente - algo que nós, humanos, conseguimos fazer muito bem.
Há ainda muita especulação sobre o futuro e os limites da inteligência artificial. Algumas coisas, porém, já estão bastante claras:
1. Como o ritmo de adoção da inteligência artificial afetará a dinâmica do mercado nas mais diversas indústrias, estar na vanguarda dessa tecnologia será uma grande vantagem competitiva, então veremos uma corrida empresarial nesse campo.
2. Haverá uma guerra contínua por talentos em inteligência artificial, uma vez que a demanda supera, em muito, a disponibilidade de pesquisadores qualificados. Estima-se uma disponibilidade de 300 mil profissionais globalmente, contra uma demanda que já ultrapassa um milhão de vagas. O avanço da tecnologia, como se vê, também é uma força poderosa na criação de novas profissões e novos postos de trabalho.
3. Os dados serão um ativo estratégico. Haverá concorrência por eles. As empresas que lideram essa transição correm para acumular ou adquirir dados que possam alimentar os seus sistemas.
4. Haverá cada vez mais influência dos governos ou regulamentação do assunto como, por exemplo, no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia. Além disso, devemos ver cada vez mais países adotando o desenvolvimento de tecnologia em inteligência artificial como uma política estratégica.
5. Ouviremos cada vez mais questionamentos sobre as desvantagens advindas da inteligência artificial. Não estamos aqui falando de robôs assassinos, mas de questões como deslocamento da força de trabalho por conta da automação e as consequências de falhas na inteligência artificial - pense, por exemplo, na área da saúde. Há ainda o possível abuso da tecnologia por Estados desonestos, criminosos e/ou terroristas, preocupação demonstrada recentemente em um relatório de pesquisadores da instituição sem fins lucrativos OpenAI e das universidades de Oxford e Cambridge.
Até o Vaticano está interessado no tema, através dos Diálogos Minerva, uma reunião anual para discutir o impacto da inteligência artificial na sociedade, organizada em conjunto com a McKinsey. O Papa Francisco participou da edição deste ano, quando se atualizou sobre o tema.
Eis algumas previsões elencadas no estudo “Disrupção Criativa: O Impacto de Tecnologias Emergentes na Economia Criativa”, divulgado recentemente pela McKinsey e pelo Fórum Econômico Mundial: em 2020, um robô será capaz de competir no World Series of Poker, principal torneio global do jogo de cartas. Em 2026, conseguirá escrever uma redação no nível de um aluno de ensino médio. Em 2049, escrever um best-seller do The New York Times. Em 2059, conduzir sozinho pesquisas matemáticas.
Com base nessas tendências, fica bastante claro que não temos mais tempo para discutir se devemos ou não incorporar a inteligência artificial nas atividades corporativas - isso já acontece. O avanço desse tipo de tecnologia é uma oportunidade de ouro para promover um aumento geral no bem-estar da sociedade. Poderemos ser mais eficientes no trabalho, viver mais e melhor, aumentar de forma dramática a eficiência na gestão das empresas, das cidades e dos governos e desfrutar com mais prazer as artes, o lazer e as novas formas de entretenimento geradas pela inteligência artificial.
Nossa missão agora é promover o máximo de engajamento no debate sobre as implicações dessa tecnologia e ajudar a criar o ambiente adequado para que ela possa impulsionar essa revolução.
*Nicola Calicchio é Chairman do Global Client Council da McKinsey.
***Texto originalmente publicado no Valor Econômico.