Por Nicola Calicchio
No século XIX, o vilarejo de Davos, no leste suíço, era um popular destino para pessoas convalescendo de doenças pulmonares, graças a seu clima e ambiente considerados ideais por médicos da época. Hoje, o exclusivo resort de esqui é mais conhecido por sediar a reunião anual do Fórum Econômico Mundial, palco de discussões sobre o presente e o futuro da economia global.
A vocação para trazer alento de volta àqueles a quem faltava, porém, permanece. Em meio a sinais antagônicos sobre recuperação e aprofundamento da crise, a reunião deste ano Davos trouxe percepções que servem de fôlego novo para a economia global.
A mais importante é que o pessimismo definitivamente não é consenso. É verdade que, desde o início do ano, quase US$ 7 trilhões tenham evaporado dos valores de ações (o pior começo de ano da história) e que otimismo é artigo raro em setores e países ligados a commodities. Mas isso não ocorre em outros, como os de serviços financeiros e de bens de consumo. No setor de tecnologia, o que não falta são perspectivas positivas.
Não ficou dúvida, em Davos, que o mundo ainda não está livre da crise e que a situação é delicada e pode haver recaídas. Também não há dúvida, porém, que a situação é bem diferente – e melhor, no geral – que aquela de 2008.
As discussões sobre a China foram das que mais chamaram a atenção, dada a recente desaceleração daquele que vinha sendo o mais dinâmico país do mundo em termos de crescimento. O debate sobre se o gigante asiático caminha para um ‘pouso forçado’ ou se apenas passa por uma transição está longe de ser resolvido definitivamente. Mas há fortes argumentos em favor da tese da mudança de ritmo. Chineses são uma das principais fontes de crescimento do Airbnb, serviço de aluguel direto de imóveis para turistas, o que sinaliza que o país não está parando.
A percepção dominante é que a mudança de um modelo de forte crescimento sustentado por investimento para um de expansão mais modesta baseada em serviços pode não apenas estar em curso como ser sustentável a longo prazo. Essa transformação trará consequências – positivas e negativas – para todo o mercado mundial.
Tema central do encontro deste ano, a ‘quarta revolução industrial’ permeou discussões sobre a velocidade, escala e força com que novas tecnologias como inteligência artificial, robótica e ‘machine learning’ têm transformado o cenário econômico mundial. Sistemas de produção, distribuição e consumo vêm sendo remodelados por essas tecnologias, com impacto direto sobre nossas vidas e as vidas de gerações futuras.
Essas novas tecnologias, que prometem causar impacto cinco a dez vezes maior que o da revolução da internet, ao mesmo tempo criam oportunidades e desafios sem precedentes. A maior preocupação se mostrou com as mudanças sociais que virão delas, especialmente no que diz respeito à criação de vagas de emprego.
As discussões mais relevantes para empresas giraram em torno de dois temas: o cada vez mais veloz ritmo das mudanças e a necessidade de constante evolução dos modelos de negócio. Por um lado, há a preocupação com a proteção em relação a novos competidores e, por outro, o desejo de tirar o máximo de proveito de novas tecnologias.
Nas apresentações durante o fórum, ficou claro que as empresas referência em como gerenciar com sucesso o ritmo de mudança e a evolução foram aquelas que investiram em produtos e modelos antes que eles se tornassem lucrativos. Mais do que isso, foram as que fizeram essa aposta quando produtos e modelos antigos ainda geravam bons resultados.
A transformação pela qual empresas em todo o mundo terão de passar para evoluir e sobreviver envolve não apenas tecnologia, mas também pessoas. O desafio de treinar e capacitar trabalhadores para atuar com eficiência em novos modelos e cenários é algo que preocupa tanto o setor privado quanto o público. Mais do que nunca, educação de base, técnica e superior terá de estar na agenda de governos e empresas para garantir relevância a países e sobrevivência frente a competidores.
Outro ponto muito discutido por líderes empresariais foi a necessidade, em meio às mudanças, de se pensar no longo prazo. Como se adaptar rapidamente a mudanças para resistir a pressões de curto prazo sem perder a visão mais ampla é um dos principais desafios que as organizações terão diante de si.
A discussão política se concentrou na ameaça que conflitos regionais, terrorismo e fundamentalismo (hoje encarnado principalmente pelo Estado Islâmico) representam para a economia global. Seu potencial disruptivo preocupa a todos, pelas consequências devastadoras que podem ter sobre pessoas e fluxos econômicos. A situação dos refugiados na União Europeia deriva dessas ameaças. A própria presidente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, declarou que o tema dos refugiados será um dos mais importantes para a UE neste ano.
Em 2015, 1 milhão de pessoas imigraram da África para a Europa, a maioria fugindo de organizações terroristas, guerras e penúria econômica. A capacidade da Alemanha, principal destino desses imigrantes, para absorver esse fluxo está se esgotando. Essa movimentação, porém, não parece estar diminuindo, mas aumentando – o que pode significar problemas ainda maiores à frente.
A crescente onda nacionalista e xenófoba na Europa, alimentada pelos ataques terroristas na França e o aumento no número de refugiados, coloca em risco anos de trabalho que deram origem à União Europeia, iniciados no fim da Segunda Guerra Mundial. O impacto de um recrudescimento da integração econômica da região seria sentido por todo o mundo.
Ainda assim, o balanço da edição deste ano em Davos é positivo. O fôlego foi renovado e, agora, cabe a nós transforma-lo em vento a favor.
*Nicola Calicchio é presidente da McKinsey para a América Latina, e membro do Comitê Executivo Global