Entrevista com Nicola Calicchio, presidente da McKinsey na América Latina
Para o presidente da McKinsey na América Latina, Nicola Calicchio, ficou mais difícil para o Brasil atrair investimentos após a reforma tributária nos Estados Unidos, que cortará impostos para empresas. A tendência é que outros países sigam o exemplo, afirma. Segundo ele, o Brasil não pode pensar em onerar o setor produtivo para resolver a crise fiscal. “Num momento em que os EUA ficam mais atrativos, falamos em aumentar imposto. Alô! Vamos fazer o Brasil ser menos competitivo ainda?”, diz. A seguir os principais trechos da entrevista ao Estado.
Quais os efeitos da reforma tributária nos EUA para o Brasil?
Haverá impacto enorme nos outros países. É extraordinário para os EUA. Estimamos que será em torno de US$ 500 bilhões de renúncia fiscal, muito menos do que tem se falado. E há os benefícios. Primeiro, quantas empresas deixarão de se mudar para a Irlanda? Segundo, que é onde pega o Brasil, o retorno. A multinacional vem para a América Latina esperando retorno maior porque há risco maior. Ela vê uma aquisição no Brasil com retorno de 13% após impostos e compara com os EUA, onde seria 10%. Mas, quando o imposto lá cai, a taxa vai para os mesmos 13%. A atratividade relativa de se investir nos EUA fica maior. Quando há um país rico entrando num círculo virtuoso, as empresas têm interesse de investir mais lá. E nós no Brasil, num momento em que precisamos atrair capital, falamos em aumentar imposto. Alô! Vamos fazer o Brasil ser menos competitivo ainda? Na nossa visão, todos os países se sentirão pressionados a criar condições mais favoráveis à atração de investimento.
O Brasil perderá mais que outros na América Latina?
Todo mundo estará em situação difícil, mas o Brasil precisa mais, porque a taxa de poupança é menor. A gente tem uma dificuldade enorme de cortar benefícios e a solução então é: vamos aumentar impostos. Poxa, direção errada. O Brasil precisa diminuir imposto e não aumentar. O capital é livre. Ele vai para onde há melhores condições. E as condições nos EUA vão melhorar para empresas americanas e para as que não são americanas.
Tivemos uma experiência desastrada com desonerações e vivemos grave crise fiscal. Como falar em corte de impostos?
A solução passa por aumento da produtividade no Estado brasileiro com gestão e abertura da economia. Por meio da gestão, é possível aumentar dramaticamente a arrecadação sem elevar alíquotas de imposto. A forma como o Estado cobra hoje é absolutamente ineficiente. Trata todos da mesma forma, mas eles não são. Tem de usar tecnologia para criar base de dados e fazer análises que identifiquem os desvios.
O sistema hoje favorece a inadimplência de empresas?
Favorece. A carteira de dívida ativa é enorme, a chance de você ser cobrado é baixa, pode-se postergar pagamento por muito tempo. E depois ainda vem o Refis (programas de parcelamento de débito) em condições muito favoráveis. O Estado de Goiás, onde fizemos um trabalho para o governo, mostrou que você consegue dobrar a recuperação da dívida em atraso. O primeiro efeito é justiça, porque você não tira o incentivo das empresas sérias. O segundo é que, na hora que você aumenta a arrecadação, pode gastar mais ou reduzir o imposto. Há efeito sobre o estoque antigo, mas a taxa de inadimplência também diminui.
Considerando o movimento dos EUA, o Brasil pode adotar medidas reativas de curto prazo?
Sou cético em relação a balas de prata, salvadores da pátria. Chegamos nesse ponto no Brasil porque nos últimos 50 anos crescemos em função de “boom demográfico”, e não de produtividade. Queremos deixar o Brasil mais atrativo, e isso é fazer um País com menos impostos. Como chegar lá, podemos discutir. Mas não podemos debater se temos de baixar carga tributária. Para competir no mundo, é inexorável. Não dá para evitar.
Temos a reforma nos EUA, taxas de juros em elevação lá fora. E ainda por cima teremos eleições aqui. Como vê o cenário?
Não entendo nada de política. O que sei que temos de fazer é tornar o Brasil mais atrativo comparativamente. Precisamos abrir o País. Veja a matriz de exportação brasileira em 2000: era predominantemente de valor adicionado, aviões. Agora é soja. Nada contra, mas queremos ser apenas a fazenda do mundo? Há ainda outro tipo de abertura: o mundo tem um monte de imigrantes e eles são elementos fundamentais para o crescimento. Qual nossa política de atração? Quantos professores das nossas universidades são estrangeiros? Vemos saída de talentos.
Há o problema de dinheiro.
Há um monte de outras coisas para se fazer. A concessão de vistos para profissionais qualificados deveria ser facilitada. Antigamente as nações brigavam por terra. A guerra agora é por cérebro. Porque o Vale do Silício cresce? Porque 50% dos empreendedores são estrangeiros. Temos de ter uma política para atrair 50 mil sírios, indianos, chineses altamente qualificados. Mas, não, a gente quer fechar, porque o Brasil é nosso, o petróleo é nosso, é tudo nosso. Nossa mentalidade é provinciana, e não de um mundo globalizado, que você tem de atrair o melhor do mundo. Outra coisa é a educação para o emprego. Com a automação, um monte de profissões começam a ser questionadas. É algo que está acontecendo no mundo inteiro. Vemos no Brasil pouco debate, sendo um País já altamente deficitário.
Como acelerar a abertura?
Passa por acordos comerciais bilaterais. Vemos a dificuldade de avanço das rodadas multilaterais. É fundamental ter acordos bilaterais com blocos econômicos grandes. Nada contra fazer com a Venezuela, mas nossa política externa não pode ser apenas isso. Ignorar os países asiáticos, os EUA. O que a China historicamente faz? Importa, aprende e vende.
O que dizer para empresários que temem a abertura, porque acham que vão quebrar?
Podemos ir por vários caminhos, desde que a natureza é assim mesmo, temos adaptação, a lei do mais forte. O ser humano dominou o mundo não por ser mais alto ou forte, mas por ser o mais adaptável. Então, bem-vindo ao mundo. Como dizia Guimarães Rosa, sapo não pula por boniteza, mas por precisão. É necessário ter uma força para fazer com que as empresas se mexam.
*Artigo originalmente publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo