Empresas que têm contato direto com o consumidor, em qualquer setor, já começam a se beneficiar das técnicas mais modernas de varejo. Táticas como pacotes de ofertas e preços dinâmicos são capazes de aumentar as receitas e os lucros de qualquer organização. E essas mesmas técnicas estão criando experiências melhores e mais relevantes para os consumidores.
As companhias aéreas, entretanto, ainda não capturam muitos desses benefícios. Por exemplo, algumas não integram a venda de passagens com acesso aos lounges dos aeroportos ou com a locação de veículos. Outras têm dificuldades para precificar suas ofertas com precisão e em tempo real. E há aquelas que acham complexo demais tentar sincronizar esses esforços com todos os seus parceiros de canal.
Mais insights da McKinsey em português
Confira nossa coleção de artigos em português e assine nossa newsletter mensal em português.
Estruturas corporativas em que proliferam silos isolados, plataformas tecnológicas antiquadas e o temor de não haver retorno rápido dos investimentos iniciais são obstáculos à adoção dessas novas abordagens de varejo. Contudo, as oportunidades são enormes. Uma pesquisa anterior da McKinsey, em colaboração com a International Air Transport Association (IATA), identificou um potencial de $40 bilhões em valor adicional até 2030 no setor aéreo mundial. Uma análise atualizada estimou que o aprimoramento das técnicas de varejo poderá elevar esse valor potencial para $45 bilhões em 2030 (quadro). O impacto exato em cada companhia aérea dependerá de seu grau de maturidade; para muitas, porém, poderá chegar a mais de 2% ou 3% do faturamento – ou 15% do EBITDA.
O que as companhias aéreas devem fazer para iniciar uma nova jornada de varejo e não serem deixadas para trás por rivais mais dinâmicas? Quais iniciativas maximizarão os benefícios de uma estratégia renovada de varejo?
Este artigo examina novas oportunidades de varejo para o setor de aviação, discute alguns dos obstáculos que têm impedido as companhias aéreas de avançarem rapidamente nessa direção e descreve algumas ações ousadas que elas podem empreender para catalisar uma abordagem mais moderna de varejo.
Como é o varejo moderno de uma companhia aérea?
O varejo moderno do setor aéreo deverá incorporar uma variedade de técnicas utilizadas há bastante tempo em empresas que têm contato direto com o consumidor: desenho sofisticado de ofertas; multiplicidade de produtos, preços dinâmicos e gestão das receitas; abordagens omnicanal; gestão de reservas e atendimento de última geração; e sistemas avançados de pagamento. Esses recursos permitirão criar ofertas que atendam melhor às necessidades do cliente e, ao mesmo tempo, ajudarão as companhias aéreas a tirar máximo proveito dos produtos e serviços que disponibilizam.
Desenho sofisticado de ofertas
As companhias aéreas podem gerar ofertas novas e mais atraentes, de forma rápida e flexível, se integrarem a venda de passagens a uma série de outros itens, como despacho de bagagem, upgrade de assentos, embarque prioritário, descontos nos alimentos a bordo e compensação de carbono. Também podem acomodar e precificar corretamente ofertas que envolvam parcerias (por exemplo, descontos em traslados compartilhados até o aeroporto).
Multiplicidade de produtos, preços dinâmicos e gestão das receitas
Inúmeras companhias aéreas realizaram experimentos com o ajuste dinâmico dos preços ou com pacotes de tarifas e serviços. Mas, no geral, quase todas mantiveram fixo um dos elementos dessa equação, dadas as dificuldades de equilibrar preços e pacotes ao mesmo tempo.
Essa abordagem requer um novo tipo de gestão das receitas provenientes dos passageiros que inclua a precificação dinâmica baseada em dados enriquecidos em tempo real. Deve ser isenta das limitações das antigas categorias tarifárias e permitir a criação de novas classes de voo. Além disso, as companhias aéreas precisam instituir essa abordagem em todos os canais, abrangendo a maior gama possível de ofertas – itens extras, pacotes de serviços e ofertas que envolvam parceiros. Se aplicada corretamente, pode até mesmo modificar os fundamentos da lógica dos preços: de “Quanto este cliente está disposto a pagar?” para “Qual é a melhor oferta que podemos oferecer ao vendermos nosso último assento?”
Abordagens omnicanal
As ofertas podem ser distribuídas de forma ágil, simples e controlada através dos sites das companhias aéreas, de agências de viagens online e de empresas de organização de viagens corporativas. Se forem utilizados os chamados “novos recursos de distribuição” (NDC, new distribution capability), a divulgação poderá incluir conteúdos ricos e dinâmicos – como fotos, pacotes de serviços e ofertas modificáveis em tempo real. O formato NDC também permite customizar cada oferta a cada canal; por exemplo, pacotes de serviços para clientes específicos vendidos por determinada agência de viagens online.
Gestão de reservas e atendimento de última geração
No futuro, é provável que as companhias aéreas operem totalmente sem passagens, sem listas de nomes de passageiros, sem cadastros de documentos eletrônicos. Tudo estará integrado em um sistema único de gestão de reservas, como o protocolo ONE Order, da IATA, que visa simplificar a emissão de passagens. Com isso, as companhias aéreas poderão descomplicar e agilizar os processos de atendimento e de back-end, ao mesmo tempo em que automatizam e tornam mais rigorosas a contabilidade das receitas e a detecção de fraudes.
Sistemas avançados de pagamento
O varejo moderno das companhias aéreas visa tornar a experiência de pagamento dos clientes a mais agradável possível. A aceitação de uma ampla variedade de maneiras de pagar (incluindo combinações de pontos de fidelidade e dinheiro) e a habilitação das mais recentes formas eletrônicas de pagamento (incluindo opções de comprar agora e pagar depois) reduzirão os índices de abandono no carrinho. Também permitirão encaminhar os clientes para métodos de pagamento que concedam taxas menores e liquidação mais rápida para a companhia aérea. Além disso, a seleção dos métodos de pagamento aceitos pode ser adaptada ao perfil de risco de cada cliente. Os reembolsos serão automatizados e as auditorias do back-end serão mais eficazes com a aplicação de inteligência artificial à detecção de fraudes.
Novas abordagens de gestão de pagamentos serão fundamentais para o futuro do varejo e, em breve, poderão permitir outros possíveis casos de uso – como a gestão e execução de contratos corporativos.
O que fazer para que as novas técnicas aprimoradas de varejo decolem nas companhias aéreas?
Muitas companhias aéreas ainda não embarcaram na nova jornada de varejo. Contudo, para que possam adotar abordagens de varejo eficazes, precisarão resolver alguns obstáculos comuns: tecnologia, dados organizacionais e mentalidades.
Atualizar a tecnologia
Os sistemas tecnológicos utilizados pelas companhias aéreas prestaram bons serviços por muitos anos, mas muitos não possuem funcionalidades indispensáveis para as técnicas de varejo modernas. Isso pode levar a preços estáticos ou a uma gama limitada de ofertas, por exemplo, pois somente as plataformas tecnológicas mais modernas permitem criar pacotes de ofertas e preços dinâmicos, auxiliadas por softwares de gestão das relações com os clientes que oferecem uma visão abrangente e constantemente renovada do consumidor. Além disso, os sistemas de gestão de reservas que adotam o protocolo ONE Order permitem que os funcionários das companhias aéreas consultem dados em uma única fonte, facilitando também a integração com parceiros – inclusive por meio dos “novos recursos de distribuição” (NDC) e novos gateways de pagamento. O verdadeiro potencial de todas essas funcionalidades é plenamente realizado quando elas são combinadas com uma camada de dados básicos que interconecta as múltiplas soluções de software dos diferentes fornecedores.
Eliminar os silos organizacionais
É difícil ter um varejo eficaz quando os esforços das unidades de negócio não são coordenados. Novas soluções tecnológicas só podem alcançar seu potencial máximo quando acompanhadas por formas adequadas de trabalho. Esses processos de negócio inspirados no varejo devem incluir colaboração entre funções (por exemplo, uma única equipe de gestão de reservas responsável por uma ampla gama de funções – precificação, gestão das receitas e vendas, entre outras), KPIs definidos por comum acordo e plena integração com as equipes da linha de frente para assegurar a implementação dos processos tanto nos aeroportos como a bordo dos aviões.
Mudar mentalidades
É possível que, num nível fundamental, as companhias aéreas não se vejam como varejistas. Portanto, para se tornarem um negócio verdadeiramente comercial e voltado para o consumidor, elas precisarão mudar sua mentalidade. Uma abordagem de varejo eficaz deve incorporar equipes de produtos com expertise em várias áreas comerciais (incluindo marketing digital, de itens extras e de fidelização) e que sejam compostas por talentos provenientes de várias funções, com experiência profissional em diferentes domínios. Em um setor tradicionalmente focado em previsões e casos de negócio, pode ser difícil adotar uma mentalidade de “testar-e-aprender”, mas essa abordagem mais ágil é crucial para facilitar a colaboração entre as funções, o compartilhamento aberto de ideias em todas as etapas e a disposição de começar pequeno e iterar rapidamente.
Preparando-se para decolar: quais devem ser os primeiros passos das companhias aéreas no varejo de alta performance?
Muitas companhias aéreas ainda concebem seus esforços para capturar as novas oportunidades de varejo como projetos de tecnologia ou de distribuição. Entretanto, o que é necessário é uma transformação profunda da tecnologia e dos negócios. Ainda que as companhias aéreas estudem o que ocorre no setor para definir seus próprios caminhos, as oportunidades de captura de valor irão variar de empresa para empresa.
Para se lançarem nessa nova jornada de varejo, as companhias aéreas devem, ao longo de um período de várias semanas, diagnosticar suas capacidades, avaliar sua estratégia de tecnologia, estimar o valor total em jogo e determinar realisticamente o investimento necessário a partir do seu estágio de maturidade atual. Mas essa primeira fase da transformação não é meramente avaliativa, pois já poderá gerar entre 10% e 20% do valor total capitalizando os casos de uso de curto prazo – incluindo a integração de formas adicionais de pagamento e a comercialização de itens extras de maior valor (por exemplo, despacho de bagagem e upgrades de assento) com base em insights obtidos de diversas fontes.
Essa abordagem voltada para múltiplos horizontes resultará quase imediatamente em valor para as companhias aéreas, fornecerá a elas uma prova de conceito e ajudará a financiar o restante da transformação com os lucros dos primeiros sucessos. Em fases posteriores, as companhias aéreas poderão implementar capacidades mais complexas – incluindo pacotes totalmente dinâmicos de voos, serviços extras e produtos de terceiros em todos os canais, com autoatendimento habilitado em mais de 90% dos casos de uso. Se avançarem rapidamente por esses estágios, as companhias aéreas não só evitarão ficar atoladas no planejamento antes de começarem a gerar novas receitas, como também não precisarão recuperar o tempo e o valor perdidos durante anos de inação até tomarem uma decisão.
Ao adotarem sistemas modernos e estratégias baseadas em dados, as companhias aéreas têm o potencial de aprimorar as experiências do cliente, maximizar os fluxos de receitas e melhorar significativamente seu EBITDA. Isso exigirá uma transformação completa dos negócios e da tecnologia, envolvendo plataformas tecnológicas, formas de trabalhar e mentalidades organizacionais. Mas, se realizarem essa transformação em fases, poderão garantir vitórias rápidas que reforçarão a credibilidade e abrirão caminho para novos investimentos. O futuro do varejo no setor aéreo é altamente promissor, e as organizações que agirem com determinação certamente conseguirão superar seus concorrentes.