O combustível alimentou sempre as tecnologias humanas, desde os fogos de lenha que nos permitiram cozinhar os nossos primeiros alimentos até aos combustíveis fósseis que alimentaram a revolução industrial e tornaram possível o nosso modo de vida moderno. No entanto, a queima de combustíveis fósseis tem estado sob escrutínio à luz das alterações climáticas.
Conheça e interaja diretamente com experts seniores da McKinsey em energia do hidrogénio
Filipe Barbosa é sócio-diretor da McKinsey no escritório de Houston, Tarek El Sayed é sócio-diretor e diretor do escritório de Riade, Bernd Heid é sócio-diretor no escritório de Colónia e Rachid Majiti é sócio-diretor no escritório do Dubai.
Alguns cientistas acreditam que a energia do hidrogénio pode ser uma forma mais limpa e mais eficiente de alimentar o nosso mundo. O hidrogénio é um gás que ocorre naturalmente e é a substância mais abundante no universo. (A palavra em grego significa “formador de água” porque o hidrogénio cria água quando queimado.) O hidrogénio limpo é o hidrogénio produzido com emissões de carbono muito baixas ou nulas. O termo também se refere a produtos derivados do hidrogénio, incluindo combustíveis limpos.
Quando utilizado juntamente com outras tecnologias, tais como as energias renováveis e os biocombustíveis, o hidrogénio tem potencial para descarbonizar toda uma série de indústrias, incluindo algumas das que mais emitem gases com efeito de estufa. De acordo com a análise da McKinsey, o hidrogénio poderá contribuir para mais de 20% das reduções anuais das emissões globais até 2050.
A potencial contribuição do hidrogénio para atingir net zero não passa despercebida às organizações e aos governos. Até maio de 2023, foram anunciados a nível mundial mais de 1.000 projetos de hidrogénio em grande escala, no valor de 320 mil milhões de USD em investimentos diretos. Na Europa, onde até à data foram investidos 117 mil milhões de USD em projetos de hidrogénio, a McKinsey espera que o hidrogénio desempenhe um papel significativo no cumprimento dos objetivos de descarbonização.
Como poderá, exatamente, o hidrogénio desempenhar um papel na descarbonização das indústrias? Quais são os tipos de energia do hidrogénio e o que impede a respetiva adoção generalizada? Continue a ler para descobrir.
Saiba mais sobre a Prática Profissional de Petróleo e Gás da McKinsey.
O que é net zero?
O termo net zero refere-se a um estado ideal em que a quantidade de emissões de gases com efeito de estufa libertada para a atmosfera é igual à quantidade removida. Para evitar um aquecimento permanente – e catastrófico – do planeta, todas as indústrias devem atingir net zero. A descarbonização, ou seja, a redução do carbono na atmosfera, pode ser conseguida através da mudança para fontes de energia que emitam menos carbono e da neutralização do carbono emitido. Muitas organizações e governos comprometeram-se a descarbonizar, ou a fazer a transição para net zero nos próximos anos.
O que é o hidrogénio verde?
O hidrogénio verde é o hidrogénio derivado da água. É criado recorrendo a um processo designado eletrólise, em que a eletricidade de fontes renováveis é utilizada para separar as moléculas de hidrogénio das moléculas de oxigénio na água. Uma vez que a eletricidade aqui utilizada provém de fontes renováveis, não há emissões de gases com efeito de estufa.
O hidrogénio verde é um desenvolvimento tecnológico relativamente recente. Tradicionalmente, a maior parte do hidrogénio recolhido a nível mundial é derivado de combustíveis fósseis, tais como o carvão ou o gás natural. Os métodos tradicionais de extração, como a reforma a vapor (em que o gás natural é tratado com vapor na presença de um catalisador como o níquel), produzem gases com efeito de estufa (hidrogénio cinzento) que, no futuro, terão de ser capturados ou compensados (se o carbono produzido for capturado e armazenado, o hidrogénio resultante é designado por hidrogénio azul).
Prevê-se que os custos de produção do hidrogénio verde diminuam aproximadamente 50% até 2030. Até 2050, prevê-se que o hidrogénio cinzento, incluindo os custos do carbono, seja significativamente mais caro do que o azul ou o verde.
Saiba mais sobre a Prática Profissional de Petróleo e Gás da McKinsey.
Como poderá o hidrogénio ajudar vários setores com elevadas emissões a atingirem os alvos climáticos?
As indústrias que dependem fortemente dos combustíveis fósseis, tais como as indústrias pesadas e os transportes de longo curso, são as que mais poderão beneficiar da energia do hidrogénio. A siderurgia, que é responsável por 8% das emissões anuais globais, representa uma oportunidade específica. A McKinsey estudou a forma como os intervenientes na siderurgia europeia poderiam descarbonizar-se convertendo as fábricas para funcionar com hidrogénio verde (quando este estiver disponível em volumes suficientes e a custos competitivos). Até 2030, a produção de aço a partir do hidrogénio poderá representar quase 20% das emissões evitadas por via do hidrogénio.
Os transportes de longo curso também enfrentarão grandes mudanças nos próximos anos. A nível mundial, as entidades reguladoras estão a tornar mais rigorosas as normas de emissões: na Europa, a partir de 2030, as entidades reguladoras exigirão que os fabricantes reduzam as emissões de CO2 dos novos camiões rodoviários em 30% em relação aos níveis de 2019. A história é semelhante nos Estados Unidos: o alvo da redução das emissões a nível nacional até 2027 é quase 50% inferior aos níveis de 2010. Quinze estados norte-americanos têm mandatos adicionais em vigor que exigem que 30% dos camiões vendidos até 2030 sejam de emissões zero.
O motor de combustão a hidrogénio pode potencialmente ajudar a indústria dos transportes de longo curso a enfrentar estes desafios regulatórios. Embora ainda longe de uma adoção generalizada, os motores de combustão a hidrogénio podem representar uma transição relativamente fácil dos motores de combustão interna, por oposição aos motores que funcionam com baterias e tecnologia de células de combustível. Adicionalmente, poderiam utilizar o know-how e os postos de trabalho atuais e aproveitar as cadeias de abastecimento e as capacidades de produção existentes na indústria automóvel.
Quais são os desafios que impedem a adoção em larga escala da energia do hidrogénio?
A cadeia de valor do hidrogénio é complexa e de capital intensivo. Adicionalmente, muitos dos segmentos da indústria ainda não estão a desenvolver-se ao mesmo ritmo – e as tecnologias e regulamentos que estão a desenvolver-se rapidamente estão a evoluir num ritmo tão acelerado que manter-se atualizado pode ser um desafio.
Além disso, a energia do hidrogénio produz emissões, mas a quantidade varia muito e é mais fácil de controlar do que outros métodos de produção de energia. Por exemplo, o hidrogénio verde pode ser produzido a partir de energia 100% solar e eólica em regiões ricas em energias renováveis e entregue em qualquer posto de abastecimento.
Dito isto, o principal obstáculo que impede o hidrogénio de contribuir significativamente para a descarbonização é o custo do investimento. O compromisso com uma via para o net zero exigirá investimentos diretos adicionais em hidrogénio de 460 mil milhões de USD até 2030. Este défice de investimento divide-se em três categorias:
- Produção. A produção de hidrogénio limpo necessita de cerca de 150 mil milhões de USD adicionais em investimentos até 2030.
- Transporte, distribuição e armazenamento. Os investimentos neste domínio são fundamentais para permitir o acesso a fornecimentos de hidrogénio competitivos no que se refere a custos. Estes podem incluir o desenvolvimento de infraestruturas de reabastecimento para veículos ou a construção de pipelines para abastecer instalações industriais. O défice de investimento neste domínio é atualmente superior a 165 mil milhões de USD.
- Aplicações de utilização final. Para satisfazer a procura prevista nas várias aplicações de utilização final do hidrogénio, incluindo a produção de aço e os transportes, serão necessários investimentos adicionais de 145 mil milhões de USD.
Para que o hidrogénio contribua para a transição energética, é fundamental um aumento de escala na próxima década.
Saiba mais sobre a Prática Profissional de Petróleo e Gás da McKinsey.
O que é necessário para que o mercado da energia do hidrogénio ganhe escala?
Para concretizar o vasto potencial da energia do hidrogénio, os países ricos em hidrocarbonetos terão de abordar as quatro áreas seguintes:
- Aumentar a oferta competitiva: Para concretizar o potencial da energia do hidrogénio, os países ricos em hidrocarbonetos terão de aumentar a escala quer do hidrogénio azul quer do verde. O hidrogénio azul desempenhará um papel fundamental no curto e médio prazos; o hidrogénio verde conquistará uma maior quota de mercado no médio e longo prazos, à medida que se tornar cada vez mais economicamente viável.
- Estimular a procura local: Para criar um ecossistema de hidrogénio saudável, terá de haver um mercado local para o hidrogénio, para além das grandes exportações. Os regulamentos relativos à descarbonização e ao ar limpo podem ajudar a estimular a procura.
- Desenvolver a tecnologia de transportes: O hidrogénio é difícil de transportar. Deve estar na forma líquida ou ser transformado em amoníaco. Tanto o primeiro quanto o segundo são dispendiosos, e a liquefação do hidrogénio é também um desafio técnico: tem de ser arrefecido a -252 graus Celsius, um dos pontos de ebulição mais baixos de todos os elementos.
- Facilitar a cooperação entre cadeias de valor, clientes e países: Para que a nova cadeia de valor do hidrogénio limpo se desenvolva de forma consistente, os intervenientes em todas as fases devem trabalhar em conjunto. Isto pode incluir acordos de compra no longo prazo entre clientes e produtores ou parcerias intergovernamentais.
Que papel poderão desempenhar os intervenientes no espaço do hidrogénio para acelerar a adoção global?
Todos os stakeholders nos países ricos em hidrogénio têm um papel fundamental a desempenhar.
Os governos podem desempenhar um papel de liderança no desenvolvimento inicial da economia do hidrogénio, quer a nível local quer internacional. Para tal, seria necessário desenvolver roadmaps para o hidrogénio, incluindo a definição de ambições para a produção nacional de hidrogénio, a implementação de regulamentos para a descarbonização de diferentes setores para estimular a procura local de hidrogénio, a criação de parcerias intergovernamentais para garantir a procura de exportações locais de hidrogénio, o desenvolvimento de uma perspetiva sobre a localização da produção de hidrogénio em toda a cadeia de valor e o apoio à implementação do hidrogénio através de apoio regulatório.
Os stakeholders nas cadeias de valor do hidrogénio, incluindo as empresas de serviço público, empresas químicas, indústrias com utilização intensiva de energia e empresas de transporte marítimo podem desenvolver estratégias para o hidrogénio com vista a tirar partido da oportunidade. Os stakeholders devem enfocar em áreas como o desenvolvimento de talentos, as parcerias, a expansão do mercado da oferta e as parcerias no longo prazo no domínio da procura ou os acordos de compra.
Saiba mais sobre a Prática Profissional de Petróleo e Gás da McKinsey e consulte as oportunidades de emprego relacionadas com a energia do hidrogénio se tiver interesse em trabalhar na McKinsey.
Artigos referenciados:
- “The clean hydrogen opportunity for hydrocarbon-rich countries,” 23 de novembro de 2022, Arnout de Pee, Tarek El Sayed, Mohamed Ghonima, Ruchin Jain, Rachid Majiti, Joe Rahi e Maurits Waardenburg
- “Five charts on hydrogen’s role in a net-zero future,” 25 de outubro de 2022, Bernd Heid, Alma Sator, Maurits Waardenburg e Markus Wilthaner
- “How hydrogen combustion engines can contribute to zero emissions,” 25 de junho de 2021, Bernd Heid, Christopher Martens e Anna Orthofer
- “Safeguarding green steel in Europe: Facing the natural-gas challenge,” 21 de junho de 2022, Frank Bekaert, Marc-Daniel Halbgewachs, Christian Hoffmann, Bruno van Albada e Marlene Weimer
- “The potential of hydrogen,” 8 de junho de 2022, Suzane de Sá, Thomas Geissmann, Jesse Noffsinger, Rim Rezgui e Jesús Rodriguez Gonzalez
- “Houston as the epicenter of a global clean-hydrogen hub,” 2 de junho de 2022, Nikhil Ati, Filipe Barbosa, Abhinav Charan, Alex Lin, Brandon McGee, Thomas Seitz, Doug Stuart e Clint Wood