Parece que finalmente chegou a era da inteligência artificial, ou IA, após períodos de entusiasmo seguidos de vários períodos de “hibernação” nos últimos 60 anos. Hoje a IA potencializa tantas aplicações do mundo real - do reconhecimento facial a tradutores de idiomas, passando por assistentes como Siri e Alexa - que mal notamos sua presença. Além dessas aplicações para o consumidor, empresas de todos os setores estão aproveitando cada vez mais o poder da inteligência artificial em suas operações. Sua adoção promete benefícios consideráveis para empresas e economias por meio das contribuições ao crescimento da produtividade e à inovação. Ao mesmo tempo, o impacto da IA no mercado de trabalho deverá ser profundo. Haverá queda na busca por algumas profissões e na demanda por certas habilidades. Outras profissões, por outro lado, terão uma maior demanda e muitas passarão por mudanças à medida que as pessoas trabalham ao lado de máquinas em constante evolução, que se tornam cada vez mais competentes.
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Esta nota reúne os resultados de diversas pesquisas realizadas pelo McKinsey Global Institute sobre tecnologias de IA e seus usos, limitações e impacto. Ela foi compilada por ocasião do Tallinn Digital Summit, realizado em outubro de 2018. Na conclusão do texto, listamos um conjunto de questões que os formuladores de políticas e líderes de negócios terão que abordar para amenizar o impacto das rupturas que devem acompanhar essa transição.
- A era da IA pode ter finalmente chegado, mas ainda faltam avanços
- As empresas devem se beneficiar da IA
- As economias também devem se beneficiar do aumento da produtividade e da inovação gerados pela IA
- A IA e a automação causarão um impacto profundo no mercado de trabalho
- A IA também trará benefícios e desafios à sociedade
- Três prioridades para alcançar bons resultados
A era da ia pode ter finalmente chegado, mas ainda faltam avanços
A expressão “inteligência artificial” ficou conhecida pelo público em uma, nos Estados Unidos, que em 1956 reuniu pesquisadores de diversos campos, da simulação de linguagem às learning machines.
Apesar de importantes períodos de avanços científicos nos 60 anos que se seguiram ao evento, a IA muitas vezes não correspondeu a toda a expectativa gerada em torno dela. Foram décadas tentando descrever com precisão a inteligência humana, mas o progresso atingido não justificou o entusiasmo inicial. Desde o final da década de 1990, porém, a evolução tecnológica se acelerou, especialmente na última década. Algoritmos de machine learning vêm se aprimorando, especialmente através do desenvolvimento de técnicas de deep learning e aprendizado por reforço, baseadas em redes neurais.
Diversos outros fatores contribuíram para o progresso recente. A capacidade computacional disponível aumentou exponencialmente e permitiu treinar modelos maiores e mais complexos. Isso foi possível devido a inovações no nível das do Vale do Silício, tais como o uso de unidades de processamento gráfico e unidades de processamento de tensores; outras novidades estão a caminho. Essa capacidade está sendo agregada em clusters de hiperescala que estão cada vez mais acessíveis aos usuários por meio da nuvem.
Outro fator importante é a imensa quantidade de dados sendo gerados e disponibilizados para treinar algoritmos de inteligência artificial. Parte do progresso da IA foi resultado de inovações no nível do sistema. Os veículos autônomos ilustram bem isso: eles usam inovações em sensores, tecnologia LiDAR, machine vision, tecnologia de mapeamento e satélite, algoritmos de navegação e robótica reunidos em sistemas integrados.
Apesar de toda a evolução, ainda existem muitos problemas difíceis que exigirão mais avanços científicos. Até o momento, a maior parte do progresso tem ocorrido principalmente na área normalmente chamada de “IA estreita”, em que técnicas de machine learning estão sendo desenvolvidas para solucionar problemas específicos, como o processamento de linguagem natural, por exemplo. As questões mais difíceis dizem respeito àquilo que normalmente chamamos de “inteligência artificial geral”; aqui, o desafio é desenvolver uma IA que possa solucionar problemas gerais de forma muito semelhante à usada pelos humanos. Para muitos pesquisadores, isso ainda está a décadas de se tornar realidade.
Deep learning e técnicas de machine learning estão impulsionando a inteligência artificial
Boa parte do entusiasmo recente em torno da IA foi resultado de avanços no campo conhecido como deep learning, um conjunto de técnicas para implementar o machine learning baseadas em redes neurais artificiais. Esses sistemas de IA fazem uma emulação aproximada da forma como os neurônios interagem no cérebro. As redes neurais têm muitas camadas (profundas) de neurônios simulados interconectados, daí o termo “deep learning” (aprendizado profundo). Enquanto as primeiras redes neurais tinham apenas de três a cinco camadas e dezenas de neurônios, as redes de deep learning podem ter dez ou mais camadas e milhões de neurônios simulados.
Existem diversos tipos de machine learning: aprendizado supervisionado, aprendizado não supervisionado e aprendizado por reforço. A escolha do tipo mais adequado varia conforme o uso. Atualmente, a maioria dos exemplos práticos de IA são aplicações de aprendizado supervisionado, que costumam ser usadas quando dados rotulados estão disponíveis e as variáveis de saída preferidas são conhecidas. Os dados de treinamento são usados para ajudar um sistema a aprender sobre a relação de determinadas entradas com uma determinada saída - por exemplo, reconhecer objetos de uma imagem ou transcrever a fala humana.
O aprendizado não supervisionado é um conjunto de técnicas usadas sem dados de treinamento rotulados - por exemplo, para detectar clusters ou padrões em um conjunto existente de dados, como imagens de edifícios com estilos arquitetônicos semelhantes.
No aprendizado por reforço, os sistemas são treinados por meio de “recompensas” ou “punições” virtuais, muitas vezes através de um sistema de pontuação, aprendendo essencialmente por tentativa e erro. Através do trabalho contínuo, essas técnicas estão evoluindo.
Ainda há limitações, embora novas técnicas se mostrem promissoras
A IA ainda enfrenta muitos desafios práticos, embora estejam surgindo novas técnicas para superá-los. O machine learning pode exigir grandes esforços humanos para rotular os dados de treinamento necessários ao aprendizado supervisionado. Há técnicas que podem ajudar a contornar esse problema, como, entre outras, a supervisão in-stream, em que os dados podem ser rotulados durante o uso natural.
Outro desafio frequente é a obtenção de conjuntos de dados com magnitude e abrangência suficientes para uso em treinamento. Um exemplo é a geração ou obtenção de dados suficientes sobre estudos clínicos para fazer previsões mais precisas dos resultados dos tratamentos.
A complexidade do tipo “caixa preta” das técnicas de deep learning cria o desafio da “explicabilidade”, ou seja, de mostrar quais fatores levaram a uma decisão ou previsão e como o fizeram. Isso é especialmente relevante em aplicações em que a confiança seja um fator importante e as previsões tenham implicações sociais, como em aplicações da justiça criminal ou de empréstimos financeiros. Estão surgindo abordagens que visam aumentar a transparência do modelo, como é o caso das explicações interpretáveis locais agnósticas ao modelo (LIME).
Outro desafio é construir técnicas de aprendizado generalizado, uma vez que as técnicas de IA ainda têm dificuldade de levar suas experiências de um conjunto de circunstâncias para outro. A transferência de aprendizado (transfer learning), em que um modelo de IA é treinado para realizar uma determinada tarefa e, em seguida, aplica aquele aprendizado a uma atividade semelhante, porém distinta, é uma resposta promissora a esse desafio.
As empresas devem se beneficiar da IA
A IA está cada vez mais difundida nas aplicações para o consumidor, e as empresas também estão começando a adotá-la em suas operações, às vezes com resultados impressionantes.
O potencial da IA permeia todos os setores e funções
A IA pode ser usada para melhorar o desempenho dos negócios em áreas como manutenção preditiva: a capacidade do deep learning de analisar grandes quantidades de dados de alta dimensão a partir de áudios e imagens permite a detecção eficaz de anomalias em linhas de montagem industriais ou motores de aeronaves. Em logística, a IA pode otimizar a elaboração de rotas, aumentando a eficiência do combustível e reduzindo os tempos de entrega. Na gestão do atendimento ao cliente, a IA tornou-se uma ferramenta valiosa em call centers devido a melhorias no reconhecimento de fala. Em vendas, a combinação de dados demográficos e dados de transações passadas dos consumidores com o monitoramento de mídias sociais pode ajudar a gerar recomendações individualizadas do “próximo produto a comprar”, já usadas habitualmente por muitos varejistas.
Esses casos práticos de uso e aplicações de IA podem ser vistos em todos os setores da economia e em diversas funções de negócios, de marketing a operações da cadeia de suprimentos. Em muitos desses casos de uso, as técnicas de deep learning agregam valor principalmente por aprimorar as técnicas tradicionais de analytics.
Nossa análise de mais de 400 casos de uso em 19 setores e nove funções de negócios identificou que a IA é superior a técnicas tradicionais de analytics em 69% dos casos de uso potencial (Quadro 1). Em apenas 16% dos casos de uso da inteligência artificial encontramos uma solução inédita que podia ser aplicada em situações em que outros métodos de análise não seriam eficazes. Nossa pesquisa estimou que técnicas de deep learning baseadas em redes neurais artificiais poderiam gerar até 40% do valor potencial total que todas as técnicas de analytics poderiam fornecer até 2030. Além disso, estimamos que várias das técnicas de deep learning poderiam acrescentar até $6 trilhões em valor anualmente.
Até o momento, a adoção é desigual entre empresas e setores
Embora muitas organizações tenham começado a adotar a IA, o ritmo e a extensão da adoção não têm sido regulares. Quase metade dos entrevistados em uma pesquisa da McKinsey sobre a adoção da IA realizada em 2018 diz que suas empresas incorporaram pelo menos um recurso de inteligência artificial em seus processos de negócios, e outros 30% estão realizando um piloto com IA. Ainda assim, apenas 21% dizem que suas organizações incorporaram a IA em diversas partes do negócio, e apenas 3% das grandes empresas integraram a IA a todos os seus fluxos de trabalho.
Outras pesquisas mostram que os pioneiros na adoção da IA tendem a pensar nessas tecnologias de forma mais abrangente, como algo que irá aumentar seus mercados ou sua participação no mercado, ao passo que empresas com menos experiência concentram-se mais na redução de custos. Empresas altamente digitizadas tendem a investir mais em IA e a obter mais valor com seu uso.
No nível setorial, a diferença entre os pioneiros digitizados e outros setores está aumentando. Setores com uma pontuação alta no Índice de digitização por setor do MGI, como alta tecnologia e telecomunicações, além de serviços financeiros, estão à frente na adoção da IA e têm os planos de investimento em IA mais ambiciosos (Quadro 2). À medida que essas empresas ampliem a adoção e adquiram mais dados e recursos de IA, pode ficar mais difícil para os seguidores recuperar o atraso.
Ainda há diversos desafios à adoção
Muitas empresas e setores estão atrasados na adoção da IA. A dificuldade de desenvolver uma estratégia de IA com benefícios claramente definidos, encontrar talentos com as habilidades necessárias, superar os silos que separam diferentes funções, limitando a implementação de ponta a ponta, além da falta de responsabilização e comprometimento por parte dos líderes estão entre as barreiras à adoção mais citadas pelos executivos.
Em relação à estratégia, as empresas terão que desenvolver uma visão abrangente das oportunidades interessantes de uso da IA, possivelmente transformando partes de seus atuais processos de negócios. As organizações precisarão de processos robustos de captura de dados e governança, bem como recursos digitais modernos; deverão, também, ser capazes de construir ou acessar a infraestrutura necessária. Um desafio ainda maior será superar o problema da “última milha”, ou seja, certificar-se de que os insights superiores fornecidos pela IA sejam incorporados ao comportamento das pessoas e aos processos de uma empresa.
Na questão de talentos, grande parte da construção e otimização de redes neurais profundas continua sendo uma arte que requer bastante expertise. A demanda por essas habilidades ultrapassa de longe a oferta; de acordo com algumas estimativas, menos de 10 mil pessoas têm as habilidades necessárias para resolver problemas graves de IA, e a concorrência por essas pessoas é muito acirrada. Empresas que estejam considerando construir suas próprias soluções de IA devem avaliar se têm capacidade de atrair e reter funcionários com essas habilidades especializadas.
As economias também devem se beneficiar do aumento da produtividade e da inovação gerados pela IA
A implementação da IA e de tecnologias de automação pode contribuir muito para aquecer a economia global e aumentar a prosperidade mundial. Em um momento de envelhecimento da população e queda das taxas de natalidade, o aumento da produtividade torna-se crucial para o crescimento econômico de longo prazo. Até mesmo no curto prazo, o aumento da produtividade tem sido lento nas economias desenvolvidas, caindo para uma média de 0,5% em 2010-14 de 2,4% uma década antes nos Estados Unidos e nas principais economias europeias. Assim como as tecnologias de uso geral anteriores, a IA tem o potencial de contribuir para o aumento da produtividade.
A IA poderia contribuir para o impacto econômico através de diversos canais
Os maiores impactos econômicos da inteligência artificial deverão ser observados no aumento da produtividade através de efeitos no mercado de trabalho, incluindo substituição, aumento e contribuições para a produtividade da mão de obra.
Nossa pesquisa sugere que a substituição da mão de obra poderia representar menos da metade do benefício total. A IA irá potencializar as capacidades humanas, liberando os trabalhadores para participar de tarefas mais produtivas e de maior valor; outro efeito do seu uso será o aumento da demanda por empregos associados a tecnologias de IA.
Também pode haver um estímulo à inovação, permitindo que as empresas melhorem sua receita ao atuar em mercados mal atendidos de forma mais eficaz com os produtos existentes e, a longo prazo, criando produtos e serviços totalmente novos. Além disso, a IA criará externalidades positivas, possibilitando um comércio internacional mais eficiente e permitindo o uso mais amplo de valiosos fluxos de dados entre os países. Com o aumento da atividade econômica e da renda, é possível reinvestir na economia e, dessa forma, contribuir para um crescimento ainda maior.
A implementação da IA também trará algumas externalidades negativas que poderiam reduzir, mas não eliminar, os impactos econômicos positivos. No aspecto econômico, haverá uma maior concorrência - fazendo o market share migrar dos não seguidores para os pioneiros -, custos associados à gestão de transições do mercado de trabalho e a potencial perda de consumo dos cidadãos durante períodos de desemprego, bem como os custos de transição e implementação de sistemas de IA.
No final das contas, esses vários canais geram um importante crescimento econômico positivo, supondo que empresas e governos saibam gerenciar a transição de forma proativa. Uma simulação que fizemos usando dados de pesquisas da McKinsey sugere que a adoção da IA poderia elevar o PIB global em até $ 13 trilhões até 2030, ou seja, um adicional de cerca de 1,2% no crescimento anual do PIB. Porém, esse efeito só será percebido após certo tempo, já que a maior parte dos custos de implementação da IA serão pagos antes que se obtenham os resultados da receita.
O preparo para a adoção da IA varia consideravelmente nos diferentes países
Os principais fatores que possibilitam o crescimento econômico impulsionado pela IA, tais como investimentos e atividades de pesquisa, absorção digital, conectividade e estrutura e flexibilidade do mercado de trabalho, variam de um país para o outro. Nossa pesquisa sugere que a capacidade de inovar e adquirir as habilidades de capital humano necessárias estará entre os fatores mais importantes, e que a competitividade da IA deverá ser um aspecto importante no futuro crescimento do PIB.
Os países que lideram a corrida do fornecimento de inteligência artificial têm pontos fortes únicos que os diferenciam. Os efeitos de escala permitem um investimento mais significativo, e os efeitos de rede permitem que essas economias atraiam os talentos necessário para aproveitar ao máximo a IA. Por enquanto, China e Estados Unidos são os responsáveis pela maioria dos investimentos e atividades de pesquisa ligadas ao tema.
Um segundo grupo de países que inclui Alemanha, Japão, Canadá e Reino Unido tem um histórico de impulsionar a inovação em grande escala. Com isso, esses países podem acelerar a comercialização de soluções de IA. Economias menores e globalmente conectadas, como Bélgica, Singapura, Coreia do Sul e Suécia, também se sobressaem na capacidade de promover ambientes produtivos em que novos modelos de negócios possam ser bem-sucedidos.
Os países de um terceiro grupo, incluindo, entre outros, Brasil, Índia, Itália e Malásia, estão em uma posição inicial relativamente mais fraca, mas exibem pontos fortes em áreas específicas que podem vir a se desenvolver. A Índia, por exemplo, forma anualmente cerca de 1,7 milhão de alunos com diplomas STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) - mais do que o total de alunos formados nessas áreas por todos os países do G7. Outros países com infraestrutura digital, capacidade de inovação e investimento e habilidades digitais relativamente pouco desenvolvidas correm o risco de ficarem para trás.
A IA e a automação causarão um impacto profundo no mercado de trabalho
Mesmo com os benefícios gerados pela inteligência artificial e a automação para os negócios e a economia, podemos esperar grandes rupturas no mercado de trabalho.
Cerca de metade das atividades de trabalho atuais (não empregos) são tecnicamente automatizáveis
Nossa análise do impacto da automação e da IA sobre o trabalho revela que certas categorias de atividades são, tecnicamente, mais facilmente automatizáveis do que outras. Elas incluem atividades físicas em ambientes altamente previsíveis e estruturados, além da coleta e processamento de dados, que, juntos, representam cerca de metade das atividades realizadas por humanos em todos os setores da maior parte das economias.
Entre as categorias menos suscetíveis estão o gerenciamento de pessoas, o fornecimento de expertise e a interface com stakeholders. A densidade de atividades altamente automatizáveis varia entre profissões, setores e, em menor escala, países. De acordo com nossa pesquisa, cerca de 30% das atividades de 60% de todas as profissões podem ser automatizadas, mas as profissões em que quase todas as atividades são automatizáveis correspondem a apenas cerca de 5%. Em outras palavras, haverá mais profissões parcialmente automatizadas do que totalmente automatizadas.
Há três efeitos simultâneos no mercado de trabalho: desemprego, criação de emprego e mudança de emprego
O ritmo e a extensão com que a automação será adotada e o impacto sobre os empregos dependerão de diversos fatores que vão além da viabilidade técnica. Entre eles estão o custo de implementação e adoção e a dinâmica do mercado de trabalho, incluindo a quantidade e a qualidade da mão de obra e seus respectivos salários. O fator mão de obra resulta em grandes diferenças entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Os benefícios para os negócios vão além da substituição da mão de obra, que muitas vezes envolve aplicações de inteligência artificial que estão além das capacidades humanas. Isso favorece sua adoção.
Normas sociais, aceitação social e vários fatores regulatórios também determinam o momento da implementação. A manifestação de todos esses fatores varia em diferentes setores e países; em cada país o processo será, em grande parte, impulsionado pela dinâmica do mercado de trabalho. Por exemplo, em economias avançadas com níveis salariais relativamente altos, como França, Japão e Estados Unidos, o número de empregos afetados pela automação pode ser mais que o dobro do observado na Índia, como uma porcentagem do total.
Dada a interação de todos esses fatores, é difícil fazer previsões, mas é possível imaginar vários cenários. Em primeiro lugar, de desemprego: nosso cenário de adoção intermediário para o período de 2016 a 2030 sugere que cerca de 15% da força de trabalho global (400 milhões de trabalhadores) pode perder seu posto para a automação (Quadro 3).
Em segundo lugar, de criação de empregos: desenvolvemos cenários para a demanda por mão de obra até 2030 com base no crescimento econômico previsto por meio da produtividade e levando em consideração diversas alavancas da demanda por trabalho. Entre elas destacam-se aumento da renda, especialmente nas economias emergentes, bem como aumento dos gastos com saúde por conta do envelhecimento da população, investimento em infraestrutura e imóveis, gastos com a transição energética e gastos no desenvolvimento e implementação de tecnologia.
O número de empregos criados por meio desses e de outros catalisadores pode variar de 555 milhões a 890 milhões, ou 21% a 33% da força de trabalho mundial. Isso sugere que o crescimento da demanda por trabalho, salvo em cenários extremos, mais do que compensaria o número de empregos eliminados devido à automação. No entanto, é importante observar que, em muitas economias emergentes com populações jovens, já será difícil oferecer emprego àqueles que estejam entrando no mercado de trabalho e que, nas economias desenvolvidas, o equilíbrio entre empregos eliminados e criados nos nossos cenários é também uma consequência do envelhecimento da população, ou seja, de um mercado de trabalho que não cresce muito.
Igualmente importantes são os empregos que mudarão à medida que as máquinas passem a complementar, cada vez mais, o trabalho humano. Os empregos sofrerão mudanças como resultado da automação parcial descrita acima, e isso afetará muito mais profissões do que os empregos que forem eliminados. As habilidades dos trabalhadores complementadas por máquinas, além do desenho do trabalho, deverão se adaptar para acompanhar máquinas em rápida evolução que se tornam cada vez mais capacitadas.
Haverá quatro importantes transições da força de trabalho
Ainda que haja trabalho suficiente em 2030, como sugere a maioria dos nossos cenários, as transições que acompanharão a automação e a adoção da IA serão significativas.
Em primeiro lugar, milhões de trabalhadores provavelmente terão que mudar de profissão. Algumas dessas mudanças ocorrerão dentro de algumas empresas e setores, mas muitas envolverão setores diversos e até mesmo regiões diversas. Apesar do declínio previsto em profissões que exijam atividades físicas em ambientes altamente estruturados e em processamento de dados, espera-se que haja crescimento das profissões difíceis de serem automatizadas. Essas podem incluir funções de gestores, professores, auxiliares de enfermagem e profissionais de tecnologia e de outras áreas, mas também jardineiros e encanadores, que trabalham em ambientes físicos imprevisíveis. Essas mudanças podem ser turbulentas e levar a picos temporários de desemprego (Quadro 4).
Em segundo lugar, no futuro será necessário desenvolver habilidades diferentes para prosperar no mercado de trabalho. A demanda por habilidades sociais e emocionais, tais como comunicação e empatia, crescerá quase tão rapidamente quanto a demanda por muitas habilidades tecnológicas avançadas. Habilidades digitais básicas vêm aumentando em todos os empregos. A automação também estimulará o crescimento da necessidade de habilidades cognitivas mais aprimoradas, especialmente pensamento crítico, criatividade e processamento de informações complexas. A demanda por habilidades físicas e manuais diminuirá, mas em muitos países elas continuarão sendo a maior categoria de habilidades da mão de obra em 2030. O ritmo das mudanças nas habilidades vem se acelerando, o que pode levar à demanda excessiva por algumas habilidades e à oferta excessiva de outras.
Em terceiro lugar, haverá mudanças nos locais e nos fluxos de trabalho à medida que mais pessoas trabalhem junto com as máquinas. Com a introdução de terminais de autoatendimento em lojas, por exemplo, os caixas deixarão de escanear produtos e passarão a esclarecer dúvidas ou solucionar problemas com os terminais.
Finalmente, a automação provavelmente pressionará a média dos salários nas economias avançadas. Muitos dos atuais empregos de salário intermediário desses países são dominados por atividades altamente automatizáveis em campos como manufatura e contabilidade, que tendem a diminuir. Os empregos com salários altos terão crescimento significativo, especialmente em profissões da área médica, de tecnologia ou outras áreas que exijam um alto nível de habilidades. No entanto, uma grande parte dos empregos que devem ser criados, como de professores e auxiliares de enfermagem, costumam ter salários mais baixos.
Ao lidar com essas transições, muitas economias, especialmente as da OCDE, começam em desvantagem, dada a atual falta de habilidades e os sistemas educacionais em dificuldade, além de tendências de diminuição dos gastos com treinamento prático e apoio à transição do trabalho. Muitas economias já exibem desigualdade de renda e polarização dos salários.
A IA também trará benefícios e desafios à sociedade
Além dos benefícios e desafios econômicos, a IA terá um impacto positivo na sociedade ao ajudar a enfrentar desafios que vão de saúde e nutrição a igualdade e inclusão. No entanto, ela também criará problemas que deverão ser abordados, como consequências indesejadas e uso indevido.
A IA pode ajudar a enfrentar alguns dos desafios mais urgentes da sociedade
Ao automatizar atividades rotineiras ou não seguras e aquelas propensas à falha humana, a inteligência artificial pode permitir que as pessoas sejam mais produtivas e trabalhem e vivam com mais segurança. Um estudo sobre os Estados Unidos estima que a substituição de motoristas humanos por veículos autônomos mais precisos poderia salvar milhares de vidas por ano com a redução dos acidentes.
A tecnologia também pode reduzir a necessidade da presença humana em ambientes inseguros, como plataformas de petróleo offshore e minas de carvão. A DARPA, agência de projetos de pesquisa avançada de defesa dos EUA, por exemplo, está testando pequenos robôs que poderiam ser alocados em áreas de desastres para reduzir a necessidade de colocar pessoas em situações de perigo. Diversas capacidades de IA são especialmente relevantes. A classificação de imagens realizada em fotos da pele tiradas por meio de um aplicativo de celular poderia verificar a presença de pintas cancerígenas, facilitando o diagnóstico inicial para indivíduos com acesso limitado a um dermatologista. A detecção de objetos pode ajudar pessoas com deficiência visual a circular e interagir com seu ambiente, identificando obstáculos como carros e postes de iluminação. O processamento da linguagem natural pode ser usado para rastrear surtos de doenças, monitorando e analisando mensagens de texto em idiomas locais.
Visualizing the uses and potential impact of AI and other analytics
Nosso trabalho e o trabalho de outras instituições destacou inúmeros casos de uso em muitos domínios em que a IA poderia ser aplicada para o bem social. Para que essas intervenções viabilizadas pela IA sejam efetivamente aplicadas, é preciso superar diversas barreiras. Entre elas estão os desafios habituais relacionados a dados, computação e disponibilidade de talentos enfrentados por qualquer organização que tente usar IA, bem como desafios mais básicos de acesso, infraestrutura e recursos financeiros, especialmente graves em comunidades e locais remotos ou com uma situação econômica vulnerável.
A IA deverá abordar preocupações da sociedade, como consequências indesejadas, uso indevido, viés algorítmico e questões de privacidade de dados
Em termos econômicos, questões difíceis sobre o aumento das lacunas econômicas entre indivíduos, empresas, setores e até mesmo entre países que podem surgir como consequência indesejada da implementação da IA deverão ser abordadas. Outro ponto de preocupação é o uso e o mau uso da AI. Isso inclui o uso em aplicações militares e de monitoramento ao uso nas mídias sociais e na política, além de áreas em que esse impacto tenha consequências sociais, como sistemas de justiça criminal. Devemos considerar a possibilidade de haver usuários mal-intencionados, inclusive em áreas de segurança digital. Há diversas iniciativas em andamento para identificar as melhores práticas e abordar tais questões em pesquisas acadêmicas, do terceiro setor e do setor privado.
Algumas preocupações estão diretamente relacionadas à forma como os algoritmos e os dados usados para treiná-los podem introduzir novos vieses ou perpetuar e institucionalizar vieses sociais e processuais existentes. Modelos de reconhecimento facial treinados com um grupo de rostos correspondentes à demografia de desenvolvedores de inteligência artificial podem não refletir a população em geral, por exemplo.
É crucial abordar a questão da privacidade de dados e do uso de informações pessoais para que a IA possa concretizar todo o seu potencial. A Europa esteve à frente nesta questão com a Regulação Geral de Proteção de Dados (GDPR), que introduziu requisitos de consentimento mais rigorosos para a coleta de dados, deu aos usuários o direito ao esquecimento e o direito à objeção e fortaleceu a supervisão de organizações que coletam, controlam e processam dados, com multas altas por descumprimento. A segurança digital e as deepfakes, que podem manipular os resultados das eleições ou perpetrar fraudes em larga escala, também são uma preocupação.
Três prioridades para alcançar bons resultados
Os potenciais benefícios da IA para as empresas e para a economia, e a maneira como a tecnologia lida com alguns desafios sociais, devem incentivar os líderes empresariais e os formuladores de políticas a aceita-la e adotá-la. Ao mesmo tempo, os possíveis desafios à adoção, incluindo impactos sobre a força de trabalho e outras preocupações sociais, não podem ser ignorados. Entre os principais desafios a serem superados estão:
O desafio da implementação
Temos interesse em adotar a IA, dadas as suas prováveis contribuições para o valor dos negócios, o crescimento econômico e o bem social, em um momento em que muitas economias precisam aumentar a produtividade. Empresas e países têm um forte incentivo para acompanhar líderes globais como os Estados Unidos e a China. Para expandir a implementação, será necessário acelerar o progresso na parte das dificuldades técnicas, além de garantir que todos os potenciais usuários tenham acesso à IA e possam se beneficiar dela. Algumas das possíveis medidas necessárias são:
- Investir e continuar avançando na pesquisa e inovação em IA, de maneira a garantir que os benefícios possam ser compartilhados por todos.
- Expandir os conjuntos de dados disponíveis, especialmente em áreas onde seu uso geraria benefícios mais amplos para a economia e a sociedade.
- Investir em capital humano e infraestrutura relevantes para IA e assim ampliar a base de talentos capaz de criar e executar soluções de inteligência artificial para seguir o ritmo dos líderes globais em IA.
- Incentivar o conhecimento de IA entre líderes empresariais e formuladores de políticas para que possam tomar decisões bem embasadas.
- Apoiar as iniciativas de digitização existentes que formam a base para a futura implementação da IA, tanto em organizações como em países.
O desafio do futuro do emprego
Um ponto de partida para abordar os potenciais impactos da ruptura causada pela automação será assegurar o crescimento robusto da economia e da produtividade, pré-requisitos para aumentar o número de empregos e a prosperidade. Os governos também precisarão estimular o dinamismo dos negócios, já que o empreendedorismo e a formação mais rápida de novos negócios não apenas aumentarão a produtividade, mas também impulsionarão a criação de empregos. Abordar as questões ligadas a habilidades, empregos e salários exigirá medidas mais focadas. Algumas delas são:
- Desenvolver sistemas de ensino e aprendizagem adequados ao local de trabalho modificado, concentrando-se em habilidades STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), bem como em criatividade, pensamento crítico e educação continuada.
- Intensificar os investimentos dos setores privado e público em capital humano, talvez por meio de incentivos e créditos análogos àqueles disponíveis para investimentos em P&D.
- Aumentar o dinamismo do mercado de trabalho, apoiando um melhor credenciamento e adequação, além de possibilitar diversas formas de trabalho, incluindo a gig economy.
- Repensar a renda, considerando e experimentando programas que proporcionem não apenas renda pelo trabalho, mas também significado e dignidade.
- Repensar o apoio à transição e as redes de segurança para os trabalhadores afetados, inspirando-se nas melhores práticas de todo o mundo e considerando novas abordagens.
O desafio da IA responsável
A IA não irá alcançar todo o seu potencial se o público perder a confiança nela devido a violações de privacidade, vieses e uso mal-intencionado, ou se grande parte do mundo considerá-la culpada por um aumento da desigualdade. Será crucial estabelecer confiança nas suas habilidades de fazer o bem e, ao mesmo tempo, lidar com casos de uso indevido. Algumas abordagens para isso são:
- Reforçar as proteções ao consumidor e aos dados, bem como à privacidade e segurança.
- Estabelecer uma estrutura geral compartilhada e um conjunto de princípios para o uso benéfico e seguro da IA.
- Compartilhar melhores práticas e inovar continuamente a fim de abordar questões como segurança, viés e “explicabilidade”.
- Alcançar o equilíbrio certo entre o negócio e a corrida competitiva nacional para liderar a IA, garantindo que seus benefícios estejam amplamente disponíveis e sejam compartilhados.